Uma sociedade mais eqüitativa abriria caminho não para a “civilização do ter”, mas para a “civilização do ser”, com menos consumo de energia e menor impacto sobre os recursos naturais
Por Ignacy sachs
Versão
em PDF
O conceito de desenvolvimento deve ser reservado ao crescimento econômico com externalidades sociais e ambientais positivas, por oposição ao crescimento selvagem que gera externalidades sociais e ambientais negativas. Entre essas duas modalidades de crescimento, encontramos dois casos intermediários de “mau desenvolvimento”: o crescimento socialmente benigno, com elevados custos ambientais, como ocorreu durante a assim chamada “idade de ouro do capitalismo” (1945-1975); ou então o crescimento ambientalmente benigno, mas com altos custos sociais – por exemplo, aquele que é correto do ponto de vista ambiental, mas sem empregos (jobless growth).
No seu último relatório sobre o desenvolvimento humano, intitulado Fighting Climate Change: Human solidarity in a divided world, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) observa que, em um mundo caracterizado por desigualdades sociais abissais, as externalidades ambientais negativas têm ao mesmo tempo um altíssimo custo social.
Os estudos sobre as conseqüências deletérias das mudanças climáticas mostram inequivocamente a maior vulnerabilidade das populações mais pobres aos efeitos do aquecimento global. Isso por duas razões: ao que parece, as catástrofes ecológicas atingirão fortemente as regiões com alta concentração de populações menos favorecidas; por outro lado, estas disporão obviamente de menos recursos para se adaptar às novas situações. Na hipótese da elevação do nível do mar, será bem mais fácil construir os diques na Holanda, em Londres ou em Nova York, do que em Bangladesh.
Dessa maneira, as mudanças climáticas acentuarão ainda mais as diferenças entre os países ricos e os pobres. Diferenças e injustiças, já que “as nações ricas e seus cidadãos respondem pela esmagadora maioria dos gases de efeito estufa seqüestrados na atmosfera terrestre. Contudo, os países pobres e seus cidadãos pagarão o preço mais alto pela mudança climática”, escreve o mesmo relatório. Há, por assim dizer, uma relação inversa entre a responsabilidade pelas mudanças climáticas e a vulnerabilidade a seus impactos. O acesso desigual aos recursos naturais leva a efeitos perversos. Enquanto os ricos os dilapidam ou subutilizam, os pobres são freqüentemente acuados ao seu uso excessivo ao viverem da mão para a boca, ao ponto de os destruir e de cortar o galho sobre o qual estão sentados.
Este é o caso de minifundistas forçados a sobreviver com suas famílias sobre parcelas diminutas situadas nas encostas íngremes dos vales que não deveriam ser desmatadas, enquanto os latifundiários, donos dos fundos dos vales, os destinam à pecuária extensiva. Observei essa situação na Colômbia há 30 anos e aparentemente não mudou muito. O caminho ao desenvolvimento includente e sustentável passa em muitos lugares pela reforma agrária.
Falando de injustiças, lembremos ainda a nossa responsabilidade diacrônica com relação às gerações futuras. Se, no decorrer das próximas décadas, não conseguirmos pôr um limite à utilização predatória dos recursos naturais do nosso planeta e à nossa dependência com relação às energias fósseis, contrataremos uma dívida ecológica insustentável para os nossos herdeiros.
Menos é mais
A nossa pegada ecológica excessiva, porém, decorre em boa parte dos padrões de gastança e consumo desenfreado das minorias ricas. O relatório do Pnud lembra a observação de Mahatma Gandhi de que vários planetas seriam necessários para assegurar a generalização na Índia do padrão de consumo britânico.
Dessa forma, queiramos ou não, o combate pelo desenvolvimento sustentável é inseparável da redução das desigualdades sociais, o que nos remete à belíssima definição de desenvolvimento proposta pelo dominicano francês Joseph Lebret, que andou muito pelo Brasil: o desenvolvimento é a construção de uma civilização do ser na partilha eqüitativa do ter.
Para que todos possam aceder ao nível de consumo material compatível com uma vida digna, o sobreconsumo das minorias afluentes deverá ser limitado ou, em uma hipótese muito otimista, autolimitado, se as elites tomarem a sério a interpelação que Gandhi, para citá-lo mais uma vez, lhes dirigia: o quanto é o suficiente?
Vale a pena lembrar, nesse contexto, o estudo realizado por Amilcar Herrera e sua equipe no Instituto Bariloche – Catástrofe o Nueva Sociedad? Modelo mundial latinoamericano – em resposta ao relatório Limites ao Crescimento, do Clube de Roma. Seus autores mostraram que uma repartição mais eqüitativa da renda permitiria alcançar a satisfação das necessidades básicas de toda a sociedade a um nível mais baixo de renda per capita (e, portanto, de produção global) do que ocorreria em uma sociedade desigual, abrindo o caminho para uma nova etapa de desenvolvimento caracterizada por uma ênfase menor sobre o consumo material, a “civilização do ser”, retomando a definição de Lebret. Esta, em comparação com a “civilização do ter”, traria um impacto menor sobre o meio ambiente no que diz respeito ao volume de recursos naturais consumidos. E também de energia, a menos que a transição da “civilização do ter” à “civilização do ser” seja acompanhada por uma ânsia desenfreada de viajar e de uma explosão do turismo intercontinental.
Não há como dissociar os objetivos sociais e ambientais do desenvolvimento. Eles deverão sempre ir de mãos dadas.
Uma sociedade mais eqüitativa abriria caminho não para a “civilização do ter”, mas para a “civilização do ser”, com menos consumo de energia e menor impacto sobre os recursos naturais
Por Ignacy sachs
O conceito de desenvolvimento deve ser reservado ao crescimento econômico com externalidades sociais e ambientais positivas, por oposição ao crescimento selvagem que gera externalidades sociais e ambientais negativas. Entre essas duas modalidades de crescimento, encontramos dois casos intermediários de “mau desenvolvimento”: o crescimento socialmente benigno, com elevados custos ambientais, como ocorreu durante a assim chamada “idade de ouro do capitalismo” (1945-1975); ou então o crescimento ambientalmente benigno, mas com altos custos sociais – por exemplo, aquele que é correto do ponto de vista ambiental, mas sem empregos (jobless growth).
No seu último relatório sobre o desenvolvimento humano, intitulado Fighting Climate Change: Human solidarity in a divided world, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) observa que, em um mundo caracterizado por desigualdades sociais abissais, as externalidades ambientais negativas têm ao mesmo tempo um altíssimo custo social.
Os estudos sobre as conseqüências deletérias das mudanças climáticas mostram inequivocamente a maior vulnerabilidade das populações mais pobres aos efeitos do aquecimento global. Isso por duas razões: ao que parece, as catástrofes ecológicas atingirão fortemente as regiões com alta concentração de populações menos favorecidas; por outro lado, estas disporão obviamente de menos recursos para se adaptar às novas situações. Na hipótese da elevação do nível do mar, será bem mais fácil construir os diques na Holanda, em Londres ou em Nova York, do que em Bangladesh.
Dessa maneira, as mudanças climáticas acentuarão ainda mais as diferenças entre os países ricos e os pobres. Diferenças e injustiças, já que “as nações ricas e seus cidadãos respondem pela esmagadora maioria dos gases de efeito estufa seqüestrados na atmosfera terrestre. Contudo, os países pobres e seus cidadãos pagarão o preço mais alto pela mudança climática”, escreve o mesmo relatório. Há, por assim dizer, uma relação inversa entre a responsabilidade pelas mudanças climáticas e a vulnerabilidade a seus impactos. O acesso desigual aos recursos naturais leva a efeitos perversos. Enquanto os ricos os dilapidam ou subutilizam, os pobres são freqüentemente acuados ao seu uso excessivo ao viverem da mão para a boca, ao ponto de os destruir e de cortar o galho sobre o qual estão sentados.
Este é o caso de minifundistas forçados a sobreviver com suas famílias sobre parcelas diminutas situadas nas encostas íngremes dos vales que não deveriam ser desmatadas, enquanto os latifundiários, donos dos fundos dos vales, os destinam à pecuária extensiva. Observei essa situação na Colômbia há 30 anos e aparentemente não mudou muito. O caminho ao desenvolvimento includente e sustentável passa em muitos lugares pela reforma agrária.
Falando de injustiças, lembremos ainda a nossa responsabilidade diacrônica com relação às gerações futuras. Se, no decorrer das próximas décadas, não conseguirmos pôr um limite à utilização predatória dos recursos naturais do nosso planeta e à nossa dependência com relação às energias fósseis, contrataremos uma dívida ecológica insustentável para os nossos herdeiros.
Menos é mais
A nossa pegada ecológica excessiva, porém, decorre em boa parte dos padrões de gastança e consumo desenfreado das minorias ricas. O relatório do Pnud lembra a observação de Mahatma Gandhi de que vários planetas seriam necessários para assegurar a generalização na Índia do padrão de consumo britânico.
Dessa forma, queiramos ou não, o combate pelo desenvolvimento sustentável é inseparável da redução das desigualdades sociais, o que nos remete à belíssima definição de desenvolvimento proposta pelo dominicano francês Joseph Lebret, que andou muito pelo Brasil: o desenvolvimento é a construção de uma civilização do ser na partilha eqüitativa do ter.
Para que todos possam aceder ao nível de consumo material compatível com uma vida digna, o sobreconsumo das minorias afluentes deverá ser limitado ou, em uma hipótese muito otimista, autolimitado, se as elites tomarem a sério a interpelação que Gandhi, para citá-lo mais uma vez, lhes dirigia: o quanto é o suficiente?
Vale a pena lembrar, nesse contexto, o estudo realizado por Amilcar Herrera e sua equipe no Instituto Bariloche – Catástrofe o Nueva Sociedad? Modelo mundial latinoamericano – em resposta ao relatório Limites ao Crescimento, do Clube de Roma. Seus autores mostraram que uma repartição mais eqüitativa da renda permitiria alcançar a satisfação das necessidades básicas de toda a sociedade a um nível mais baixo de renda per capita (e, portanto, de produção global) do que ocorreria em uma sociedade desigual, abrindo o caminho para uma nova etapa de desenvolvimento caracterizada por uma ênfase menor sobre o consumo material, a “civilização do ser”, retomando a definição de Lebret. Esta, em comparação com a “civilização do ter”, traria um impacto menor sobre o meio ambiente no que diz respeito ao volume de recursos naturais consumidos. E também de energia, a menos que a transição da “civilização do ter” à “civilização do ser” seja acompanhada por uma ânsia desenfreada de viajar e de uma explosão do turismo intercontinental.
Não há como dissociar os objetivos sociais e ambientais do desenvolvimento. Eles deverão sempre ir de mãos dadas.
PUBLICIDADE