A quantidade necessária de recursos para reduzir as emissões do carbono florestal é tão alta que se buscam formatos híbridos de captação
Ao calcular a necessidade de recursos para reduzir as emissões de carbono florestal, um ponto ao menos se clarifica entre os especialistas em Redd. Não há espaço para dicotomias como “doações de recursos governamentais versus mecanismos de mercado”. A quantidade de recursos é tamanha que a solução deve passar por esquemas híbridos.
Relatórios dos estudiosos Nicholas Stern e John Eliasch estimaram a necessidade de investir de US$ 17 bilhões a US$ 33 bilhões para reduzir à metade as emissões por desmatamento até 2030. Segundo Virgilio Viana, do Fundo Amazonas Sustentável (FAS), um dos cenários sugere que os mercados globais de carbono poderiam fornecer cerca de US$ 7 bilhões por ano para reduzir o desmate até 2020. Com isso, faltariam US$ 11 bilhões a US$ 19 bilhões por ano.
Do outro lado, diz Stephan Schwartzman, do Environmental Defense Fund, é difícil que governos consigam dar conta de todo o investimento para atingir as metas de redução, ainda mais porque países pobres e em situação vulnerável, como Bangladesh, tendem a reivindicar quantias crescentes para formar fundos para adaptação à mudança climática. Paulo Moutinho, do Ipam, acrescenta que as doações devem diminuir também por conta da crise financeira mundial.
“Alguns ambientalistas e governos ainda têm restrições a mecanismos de mercado, o que é um erro fatal”, diz Schwartzman. O argumento de Jutta Kill, da ONG Fern, é que o mercado de carbono florestal não vai funcionar, porque dará direito a países industrializados de continuar emitindo carbono de origem fóssil, sem que as emissões sejam reduzidas. Já Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), contra-argumenta que, se não houvesse o mercado de crédito, seria ainda pior, pois os dois tipos de emissões aconteceriam, tanto do desmatamento quanto das indústrias que usam energia fóssil.
Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integrante do IPCC e membro da delegação brasileira que participa das negociações do tratado climático, afirma que o Redd não pode ser usado para compensar as emissões dos países desenvolvidos. “Ele é importante para alcançarmos reduções adicionais às metas obrigatórias dos países do Anexo 1 (desenvolvidos), por isso é discutido no âmbito da Convenção Quadro sobre Mudança Climática”. As reduções compensatórias são negociadas no Protocolo de Kyoto.
Para Tasso Azevedo, jamais o Brasil será proponente de offset (compensação) florestal. “A qualquer observador, o Brasil apareceria como o grande beneficiário (por ser o maior detentor de florestas) e seria mal interpretado, ao mostrar que estaria agindo em causa própria”, explica.
O Greenpeace calculou na ponta do lápis o prejuízo de incluir créditos florestais no regime de metas de cortes nas emissões do países desenvolvidos: reduziria em 75% o preço do carbono, desestimulando investimentos em tecnologias limpas. “Os créditos florestais baratos desviarão recursos de ações de combate às mudanças climáticas, como investimentos em energias renováveis e eficiência energética e outras ações domésticas de mitigação nos países desenvolvidos”, diz Guarany Osório, coordenador da campanha de Mudanças Climáticas do Greenpeace.
Como alterativa, a ONG propõe o Mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento das Florestas Tropicais (Tderm, na sigla em inglês). Em linhas gerais, prevê um fundo global que receberia recursos voluntários e obrigatórios dos países do Anexo 1 para aplicação em projetos de conservação, redução no desmatamento E repartição de benefícios com comunidades tradicionais. Em troca, os países do Anexo 1 ganhariam uma nova moeda, as unidades florestais, equivalentes à quantidade de emissões reduzidas nos países em desenvolvimento que contassem com sistemas de monitoramento de suas florestas. Cada tonelada de carbono equivaleria a uma unidade florestal. Mas essas unidades não seriam “fungíveis” com os créditos do comércio de emissões de Kyoto. E os países do Anexo 1 somente poderiam acessar o Tderm após cumprirem metas do segundo período de compromissos.
Outra questão a ser desenvolvida em Redd é a da governança. Como o mercado pode arbitrar se determinado crédito é bom, ou seja, se garante os prazos de redução de emissões, lidam corretamente com as questões de vazamento e permanência, entre outras? Um dos riscos de deixar o mercado se autorregular é bem conhecido: a especulação, diz Roberto Waack, do FSC. “A empresa compra um crédito fajuto, superavaliado e lança em seus balanços, especula com brokers que já existem neste mercado e pronto, uma nova bolha está formada.”
A alternativa que ele aponta é criar um sistema de acreditação, para certificar e auditar continuamente as certificadoras. “O ponto central é como ter um sistema, ou vários, com uma regulação que aufira bom conteúdo técnico-científico ao crédito, e que seja crível e legítimo, contemplando o amplo espectro de interesses.”
Mariano Cenamo, secretário-executivo e coordenador do programa de mudança climática do Idesam, aponta também para o problema da governança – corrupção, falta de instituições preparadas – na maioria dos países florestais, entre os quais Indonésia e os da África e Ásia. Uma saída seria desenvolver o Redd em escala de projetos, preparando o ambiente nos países até que se possa chegar às escalas subnacional e nacional.
Pedro-que-amava-Rosa-que-amava… – A Europa vê nas florestas a garantia de participação dos americanos, que enxergam no REDD offsets para seu futuro mercado de carbono
Para que as florestas atinjam seu potencial no acordo a ser arquitetado em Copenhague, é essencial que sejam discutidas em conjunto com as metas de redução de emissões para o próximo período de compromisso. Caso contrário, diz Manuel Estrada, corre-se o risco de repetir o “erro de procedimento” das negociações do Protocolo de Kyoto, quando se definiram primeiro as metas e, depois, as formas de alcançá-las.
“Desta vez não precisa ser assim, há espaço para reduções na indústria e para o Redd.” É o que parecem acreditar os americanos, que ficaram de fora de Kyoto – em parte por se opor à exclusão das florestas do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) –, mas agora estão de volta às negociações com claro interesse pelo Redd.
Internamente, o Congresso americano aprecia o projeto dos deputados Henry Waxman e Ed Markey, que introduz um sistema de cap-and-trade com metas crescentes de redução – de 3% em 2012 a 83% em 2050 em relação aos níveis de 2005 – e permite o uso de offsets (compensações) – de 15% da meta em 2012 a 33% em 2050 –, categoria que inclui os créditos de Redd.
Ao contrário dos EUA – e da Austrália, cujo sistema de cap-and-trade previsto para entrar em vigor em 2010 com permissão para que 100% da meta seja cumprida com a compra de offsets internacionalmente –, a União Europeia resiste a abrir seu mercado para o Redd e mantém a preferência pelo MDL. “A Comissão vê o setor florestal como uma distração em relação ao que realmente importa: reduzir as emissões da indústria e do setor de energia”, afirma Charlotte Streck, acrescentando que muitos países europeus divergem da Comissão. Apesar da resistência, a Europa tem interesse nas florestas como forma de envolver os países em desenvolvimento e, assim, garantir que os EUA farão parte de um acordo global. –Por Flavia Pardini