Da defesa pelos movimentos sociais e partidos verdes à cooptação pelo establishment, os temas ambientais e o clamor por sustentabilidade não foram capazes de subverter as práticas de produção e consumo no mundo desenvolvido. Apesar da fragmentação do cenário político, um germe de mudança desponta no novo ambiente das mídias digitais
Quando o homem pisou na Lua e todas as câmeras e atenções estavam voltadas para o satélite branco, o americano Stewart Brand lançou uma campanha para que a Nasa divulgasse a imagem que, a seu ver, mudaria as coisas no Planeta Azul. “Por que não vimos ainda uma fotografia da Terra toda?”, foi a frase que estampou em posters e buttons que se espalharam rapidamente e ajudaram a catapultar o movimento verde no mundo industrializado. A campanha iniciada por Brand – que depois lançou o Whole Earth ‘Letronic Link, ou The Well, considerado a primeira comunidade on-line – alimentou o ativismo ambiental e, eventualmente, a formação de partidos verdes em muitos países.
“As primeiras fotografias de satélite da Terra tiradas do espaço tiveram forte impacto em muitos da minha geração, e eu me tornei ativa em vários dos novos grupos de pressão pela conservação que surgiram naquele momento”, escreveu Sara Parkin, uma das líderes do Partido Verde britânico nos anos 70. Quatro décadas e muitas fotos de satélite depois, o movimento aderiu à política ou foi fagocitado por ela: há partidos verdes estabelecidos em mais de 80 países.
Apesar de os temas ambientais serem mais urgentes e complexos do que nunca, sua capacidade de levar à mudança que Brand imaginou esmaeceu. “É evidente que os partidos verdes e as organizações ambientais estão aí fazendo campanha e obtendo progresso: as políticas de energia estão sendo revistas, há mercados para alimentos e algodão orgânicos, omovimento fair trade existe, são coisas poderosas e provocam mudança”, diz Ingolfur Blühdorn, professor de sociologia política da Universidade de Bath, na Inglaterra, e pesquisador de movimentos sociais, partidos verdes e temas ecopolíticos no mundo desenvolvido.
“Ao mesmo tempo, seria errado presumir que o tipo de justiça ou de mudança no estilo de vida que os movimentos verdes defendiam, e até certo ponto ainda defendem, tem probabilidade realista de ser implementado”. Apesar da proeminência do ambientalismo na economia e na política internacional, os princípios que governam as práticas ocidentais de produção, circulação, comércio e consumo permanecem imutáveis, escreveu Blühdorn em artigo com o cientista social Ian Welsh.
Se os partidos verdes não conseguiram alterar o estado de coisas, seria preciso mudar a política? Promessa nesse sentido pode ser vislumbrada no movimento pelos direitos digitais e a cultura livre, que recentemente elegeu um representante para o Parlamento Europeu por meio do Partido Pirata sueco. Além disso, proliferam iniciativas pela open politics.
Assim como nos idos dos anos 70 e 80 os verdes dependiam da base, ou grassroots, a política aberta baseia-se nas netroots, o ativismo em blogs, redes sociais e campanhas de mobilização on-line como Avaaz, que atua globalmente, ou GetUp!, organização australiana que alega possuir mais membros do que todos os partidos políticos da Austrália juntos.
A tecnologia é chave para iniciativas como o Demoex, ou Democracy Experiment, uma “associação para a democracia direta via internet” nascida de discussões entre os estudantes secundaristas de Vallentuna, subúrbio de Estocolmo, na Suécia, e que elegeu um representante para votar, no Parlamento local, de acordo com a maioria dos votos recebidos via website. Iniciativas semelhantes brotam em outros países, da Itália com sua Lista Partecipata, à Austrália, com o Senator On-line.
A internet se firma como importante canal para a participação dos cidadãos, mas, como mostra a história dos movimentos sociais na Europa a partir dos anos 60, tal participação não é suficiente para mudar o status quo. As tecnologias digitais e as redes sociais, por mais que realcem a percepção de que “estamos todos juntos nisso” – como diz Clay Shirky, consultor e professor da New York University -, são meios. Nos fins para os quais serão usados é que reside – ou não -o germe da mudança.
Ondas de participação
Uma revolução participativa foi o resultado da ação dos movimentos sociais a partir da década de 60, que, de acordo com Blühdorn, varreram a Europa em cinco ondas. Nos anos 60, o movimento estudantil, por meio de protestos, demandava “uma nova política que abandonasse a ênfase reducionista na estabilidade política e econômica, envolvesse novos atores e adotasse abordagens políticas descentralizadas”, escreveu o pesquisador.
Em meados da década seguinte, segmentos mais amplos da sociedade adotaram o repertório estudantil de ação coletiva e mudaram o foco para os temas ambientais, de gênero e de justiça social, além da pobreza no Terceiro Mundo. Em vez de protestos, preferiam modos de vida alternativos.
No início dos anos 80, a corrida nuclear no contexto da Guerra Fria e o risco de catástrofe ambiental decorrente dela – além da degradação ambiental em geral – trouxeram senso de urgência e a fundação dos partidos verdes nacionais na Europa Ocidental. Na segunda metade da década, as atenções voltaram-se para os direitos civis no Leste do continente. Por fim, nos anos 90, após a vitória da democracia liberal e do capitalismo de consumo na Europa, os movimentos sociais enveredaram por um processo de “desideologização, diferenciação e institucionalização”, e Blühdorn identifica três tendências majoritárias: a neonacionalista, a ação direta em prol do meio ambiente e a antiglobalização.
Embora os movimentos sociais tenham sido bem-sucedidos em estabelecer novos modos de participação, hoje há “crescente apatia política e esclerose democrática”, na análise de Blühdorn. “No começo do século XXI nos confrontamos com a irritante coincidência da vitória da revolução participativa e sua falência”, escreve.
Os movimentos sociais contribuíram para a queda de regimes autoritários no Leste Europeu, a democratização da Europa Ocidental e a defesa de valores europeus na esfera global. Por outro lado, profissionalizaram-se e institucionalizaram-se -em muitas áreas, os movimentos se provaram mais eficientes e capazes do que os governos de obter confiança e cooperação das populações locais, mas, ao operar como parceiros em vez de oponentes, tiveram de aceitar as regras do jogo político e falar a língua do sistema.
O Partido Verde alemão, que integrou a coalizão que governou o país de 1998 a 2005, é um exemplo do que Blühdorn chama de “cooptação”. No início desta década, percebeu-se em crise não só devido à própria transformação, mas também à fragmentação do processo democrático decorrente da revolução participativa.
“Na sociedade do protesto, o principal problema não é mais a falta de oportunidade para articulação política, mas a falta de capacidade de integrar em um bem comum interesses cada vez mais fragmentados”, segundo o pesquisador. “Os movimentos sociais contribuíram significativamente para erodir a confiança do público nas instituições estabelecidas e nas elites, mas foram muito menos bem-sucedidos em oferecer novas instituições e processos que podem sintetizar demandas divergentes em agendas administráveis de políticas.”
Apesar disso, Blühdorn aposta que os verdes alemães devam obter sua melhor performance nas eleições de setembro, pois ainda atendem a um certo eleitorado -os verdes de outrora que envelheceram, têm bons empregos e acumulam uma certa riqueza. “Os eleitores verdes olham para os anos 70 e 80, quando adquiriram seus valores políticos, e querem preservá-los, manter-se fiéis a essas atitudes, embora na prática eles vivam de forma bem pouco ecológica”, diz.
Para atender a esse desejo e contrapor-se aos demais partidos, que encamparam o discurso ambiental, o Partido Verde hoje se apresenta como “o original” e espera receber os votos daqueles que ainda acreditam que “um outro mundo é possível”.
Para Blühdorn, entretanto, não há grupo social ou movimento na Europa hoje que “acredite ou queira uma sociedade categoricamente diferente da que temos”. “Os partidos políticos estão interessados em se eleger, vendem a mensagem que acreditam que, ao mesmo tempo, trará mais votos e ajudará a preservar sua credibilidade”, diz. Hoje a mensagem é a da sustentabilidade e da justiça social, mas também a de mais crescimento, empregos, supermobilidade para os cidadãos livres. Na visão de Blühdorn, a política que se pratica é a de “sustentar o insustentável”.
O que mudou foi o ambiente
Se há vozes que ainda clamam por mudança, em nenhum outro lugar elas se fazem tão presentes quanto na internet, onde qualquer pessoa possuidora do equipamento necessário pode, em teoria, expressar-se livremente. Muito provavelmente a quase totalidade do que se lê e se ouve na rede é irrelevante do ponto de vista político, mas, como lembra Michael Wesch, professor de antropologia cultural da Kansas State University, nos EUA, as mídias digitais e as redes sociais formam um novo ambiente. Aqui, os meios de comunicação não são controlados por poucos, não são unidirecionais, são criados por, para e ao redor de redes e não massas, transformam os esforços individuais em ação coletiva e facilitam a formação de grupos.
Nada disso significa que instantaneamente haverá mudança, seja na esfera individual, seja na coletiva. Há, porém, a possibilidade de, nesse novo ambiente, serem criados novos tipos de conversa, segundo Wesch. Embora a trivialidade ainda impere, é possível encontrar na rede, por exemplo, a seguinte proposta de conversa: “Os cidadãos não precisam mais ficar na periferia. Não precisamos implorar aos políticos ou à imprensa para expressar nossos sentimentos. Temos o poder para expressar nossas paixões, em um palco global, e iniciar a ação política diretamente”.
As palavras são de David Bollier, editor do site OntheCommons.org, um de vários locais na web onde qualquer pessoa interessada pode obter informações, trocar impressões e “expressar paixões” sobre as possibilidades que apresenta o movimento pela cultura livre, a produção baseada na colaboração e no compartilhamento entre pares e a ressurgência dos comuns.
“Estamos construindo novas formas de poder e instituições que podem lutar contra oligopólios fechados que servem os poucos, os conectados e os ricos”, escreveu Bollier. “É assim que os commons servem como um novo veículo para a transformação política e cultural.”
Em suas recordações sobre como nasceu a campanha para que os terráqueos vissem seu planeta por inteiro, Stewart Brand conta que a ideia lhe veio ao assistir ao pôr do sol, depois de tomar uma dose de LSD. Provou-se poderosa para contaminar milhares de pessoas ao redor do mundo e gerar movimento. Ao lançar em 1985 o precursor da pletora de redes sociais hoje na internet, o The Well, Brand expôs sua visão, mais válida do que nunca diante das promessas oferecidas pelas novas mídias. “A evolução ocorre por incrementos e em intensa coadaptação com outras criaturas e é assim que estamos desenvolvendo o The Well. Em vez de ser um Plano Utópico ou um produto acabado, é um processo incessante de autodesign.”[:en]Da defesa pelos movimentos sociais e partidos verdes à cooptação pelo establishment, os temas ambientais e o clamor por sustentabilidade não foram capazes de subverter as práticas de produção e consumo no mundo desenvolvido. Apesar da fragmentação do cenário político, um germe de mudança desponta no novo ambiente das mídias digitais
Quando o homem pisou na Lua e todas as câmeras e atenções estavam voltadas para o satélite branco, o americano Stewart Brand lançou uma campanha para que a Nasa divulgasse a imagem que, a seu ver, mudaria as coisas no Planeta Azul. “Por que não vimos ainda uma fotografia da Terra toda?”, foi a frase que estampou em posters e buttons que se espalharam rapidamente e ajudaram a catapultar o movimento verde no mundo industrializado. A campanha iniciada por Brand – que depois lançou o Whole Earth ‘Letronic Link, ou The Well, considerado a primeira comunidade on-line – alimentou o ativismo ambiental e, eventualmente, a formação de partidos verdes em muitos países.
“As primeiras fotografias de satélite da Terra tiradas do espaço tiveram forte impacto em muitos da minha geração, e eu me tornei ativa em vários dos novos grupos de pressão pela conservação que surgiram naquele momento”, escreveu Sara Parkin, uma das líderes do Partido Verde britânico nos anos 70. Quatro décadas e muitas fotos de satélite depois, o movimento aderiu à política ou foi fagocitado por ela: há partidos verdes estabelecidos em mais de 80 países.
Apesar de os temas ambientais serem mais urgentes e complexos do que nunca, sua capacidade de levar à mudança que Brand imaginou esmaeceu. “É evidente que os partidos verdes e as organizações ambientais estão aí fazendo campanha e obtendo progresso: as políticas de energia estão sendo revistas, há mercados para alimentos e algodão orgânicos, omovimento fair trade existe, são coisas poderosas e provocam mudança”, diz Ingolfur Blühdorn, professor de sociologia política da Universidade de Bath, na Inglaterra, e pesquisador de movimentos sociais, partidos verdes e temas ecopolíticos no mundo desenvolvido.
“Ao mesmo tempo, seria errado presumir que o tipo de justiça ou de mudança no estilo de vida que os movimentos verdes defendiam, e até certo ponto ainda defendem, tem probabilidade realista de ser implementado”. Apesar da proeminência do ambientalismo na economia e na política internacional, os princípios que governam as práticas ocidentais de produção, circulação, comércio e consumo permanecem imutáveis, escreveu Blühdorn em artigo com o cientista social Ian Welsh.
Se os partidos verdes não conseguiram alterar o estado de coisas, seria preciso mudar a política? Promessa nesse sentido pode ser vislumbrada no movimento pelos direitos digitais e a cultura livre, que recentemente elegeu um representante para o Parlamento Europeu por meio do Partido Pirata sueco. Além disso, proliferam iniciativas pela open politics.
Assim como nos idos dos anos 70 e 80 os verdes dependiam da base, ou grassroots, a política aberta baseia-se nas netroots, o ativismo em blogs, redes sociais e campanhas de mobilização on-line como Avaaz, que atua globalmente, ou GetUp!, organização australiana que alega possuir mais membros do que todos os partidos políticos da Austrália juntos.
A tecnologia é chave para iniciativas como o Demoex, ou Democracy Experiment, uma “associação para a democracia direta via internet” nascida de discussões entre os estudantes secundaristas de Vallentuna, subúrbio de Estocolmo, na Suécia, e que elegeu um representante para votar, no Parlamento local, de acordo com a maioria dos votos recebidos via website. Iniciativas semelhantes brotam em outros países, da Itália com sua Lista Partecipata, à Austrália, com o Senator On-line.
A internet se firma como importante canal para a participação dos cidadãos, mas, como mostra a história dos movimentos sociais na Europa a partir dos anos 60, tal participação não é suficiente para mudar o status quo. As tecnologias digitais e as redes sociais, por mais que realcem a percepção de que “estamos todos juntos nisso” – como diz Clay Shirky, consultor e professor da New York University -, são meios. Nos fins para os quais serão usados é que reside – ou não -o germe da mudança.
Ondas de participação
Uma revolução participativa foi o resultado da ação dos movimentos sociais a partir da década de 60, que, de acordo com Blühdorn, varreram a Europa em cinco ondas. Nos anos 60, o movimento estudantil, por meio de protestos, demandava “uma nova política que abandonasse a ênfase reducionista na estabilidade política e econômica, envolvesse novos atores e adotasse abordagens políticas descentralizadas”, escreveu o pesquisador.
Em meados da década seguinte, segmentos mais amplos da sociedade adotaram o repertório estudantil de ação coletiva e mudaram o foco para os temas ambientais, de gênero e de justiça social, além da pobreza no Terceiro Mundo. Em vez de protestos, preferiam modos de vida alternativos.
No início dos anos 80, a corrida nuclear no contexto da Guerra Fria e o risco de catástrofe ambiental decorrente dela – além da degradação ambiental em geral – trouxeram senso de urgência e a fundação dos partidos verdes nacionais na Europa Ocidental. Na segunda metade da década, as atenções voltaram-se para os direitos civis no Leste do continente. Por fim, nos anos 90, após a vitória da democracia liberal e do capitalismo de consumo na Europa, os movimentos sociais enveredaram por um processo de “desideologização, diferenciação e institucionalização”, e Blühdorn identifica três tendências majoritárias: a neonacionalista, a ação direta em prol do meio ambiente e a antiglobalização.
Embora os movimentos sociais tenham sido bem-sucedidos em estabelecer novos modos de participação, hoje há “crescente apatia política e esclerose democrática”, na análise de Blühdorn. “No começo do século XXI nos confrontamos com a irritante coincidência da vitória da revolução participativa e sua falência”, escreve.
Os movimentos sociais contribuíram para a queda de regimes autoritários no Leste Europeu, a democratização da Europa Ocidental e a defesa de valores europeus na esfera global. Por outro lado, profissionalizaram-se e institucionalizaram-se -em muitas áreas, os movimentos se provaram mais eficientes e capazes do que os governos de obter confiança e cooperação das populações locais, mas, ao operar como parceiros em vez de oponentes, tiveram de aceitar as regras do jogo político e falar a língua do sistema.
O Partido Verde alemão, que integrou a coalizão que governou o país de 1998 a 2005, é um exemplo do que Blühdorn chama de “cooptação”. No início desta década, percebeu-se em crise não só devido à própria transformação, mas também à fragmentação do processo democrático decorrente da revolução participativa.
“Na sociedade do protesto, o principal problema não é mais a falta de oportunidade para articulação política, mas a falta de capacidade de integrar em um bem comum interesses cada vez mais fragmentados”, segundo o pesquisador. “Os movimentos sociais contribuíram significativamente para erodir a confiança do público nas instituições estabelecidas e nas elites, mas foram muito menos bem-sucedidos em oferecer novas instituições e processos que podem sintetizar demandas divergentes em agendas administráveis de políticas.”
Apesar disso, Blühdorn aposta que os verdes alemães devam obter sua melhor performance nas eleições de setembro, pois ainda atendem a um certo eleitorado -os verdes de outrora que envelheceram, têm bons empregos e acumulam uma certa riqueza. “Os eleitores verdes olham para os anos 70 e 80, quando adquiriram seus valores políticos, e querem preservá-los, manter-se fiéis a essas atitudes, embora na prática eles vivam de forma bem pouco ecológica”, diz.
Para atender a esse desejo e contrapor-se aos demais partidos, que encamparam o discurso ambiental, o Partido Verde hoje se apresenta como “o original” e espera receber os votos daqueles que ainda acreditam que “um outro mundo é possível”.
Para Blühdorn, entretanto, não há grupo social ou movimento na Europa hoje que “acredite ou queira uma sociedade categoricamente diferente da que temos”. “Os partidos políticos estão interessados em se eleger, vendem a mensagem que acreditam que, ao mesmo tempo, trará mais votos e ajudará a preservar sua credibilidade”, diz. Hoje a mensagem é a da sustentabilidade e da justiça social, mas também a de mais crescimento, empregos, supermobilidade para os cidadãos livres. Na visão de Blühdorn, a política que se pratica é a de “sustentar o insustentável”.
O que mudou foi o ambiente
Se há vozes que ainda clamam por mudança, em nenhum outro lugar elas se fazem tão presentes quanto na internet, onde qualquer pessoa possuidora do equipamento necessário pode, em teoria, expressar-se livremente. Muito provavelmente a quase totalidade do que se lê e se ouve na rede é irrelevante do ponto de vista político, mas, como lembra Michael Wesch, professor de antropologia cultural da Kansas State University, nos EUA, as mídias digitais e as redes sociais formam um novo ambiente. Aqui, os meios de comunicação não são controlados por poucos, não são unidirecionais, são criados por, para e ao redor de redes e não massas, transformam os esforços individuais em ação coletiva e facilitam a formação de grupos.
Nada disso significa que instantaneamente haverá mudança, seja na esfera individual, seja na coletiva. Há, porém, a possibilidade de, nesse novo ambiente, serem criados novos tipos de conversa, segundo Wesch. Embora a trivialidade ainda impere, é possível encontrar na rede, por exemplo, a seguinte proposta de conversa: “Os cidadãos não precisam mais ficar na periferia. Não precisamos implorar aos políticos ou à imprensa para expressar nossos sentimentos. Temos o poder para expressar nossas paixões, em um palco global, e iniciar a ação política diretamente”.
As palavras são de David Bollier, editor do site OntheCommons.org, um de vários locais na web onde qualquer pessoa interessada pode obter informações, trocar impressões e “expressar paixões” sobre as possibilidades que apresenta o movimento pela cultura livre, a produção baseada na colaboração e no compartilhamento entre pares e a ressurgência dos comuns.
“Estamos construindo novas formas de poder e instituições que podem lutar contra oligopólios fechados que servem os poucos, os conectados e os ricos”, escreveu Bollier. “É assim que os commons servem como um novo veículo para a transformação política e cultural.”
Em suas recordações sobre como nasceu a campanha para que os terráqueos vissem seu planeta por inteiro, Stewart Brand conta que a ideia lhe veio ao assistir ao pôr do sol, depois de tomar uma dose de LSD. Provou-se poderosa para contaminar milhares de pessoas ao redor do mundo e gerar movimento. Ao lançar em 1985 o precursor da pletora de redes sociais hoje na internet, o The Well, Brand expôs sua visão, mais válida do que nunca diante das promessas oferecidas pelas novas mídias. “A evolução ocorre por incrementos e em intensa coadaptação com outras criaturas e é assim que estamos desenvolvendo o The Well. Em vez de ser um Plano Utópico ou um produto acabado, é um processo incessante de autodesign.”