É uma discussão embaralhada esta que opõe ruralistas e ambientalistas em torno do Código Florestal. Mas sejam quais forem os ajustes que o governo deve arbitrar, há um princípio essencial, o segredo: chama-se “consistência”.
Quem explica é o Paulo Barreto, pesquisador do Imazon e uma fera nos cruzamentos entre Amazônia e agronegócio, que conversou com a gente por telefone.
O histórico das políticas públicas envolvendo campo e meio ambiente é uma sucessão de “diz-que-me-disse”. Os governos encurtam a rédea, depois cedem à pressão dos produtores e voltam a afrouxar. O resultado é que os atingidos pela legislação ambiental sentem que não precisam cumpri-la e seguem desmatando. Mais cedo ou mais tarde, o governo perdoa.
É muito parecido com o drama daqueles pais que não conseguem ser consistentes com a disciplina de seus filhos e acabam perdendo o controle da criançada. Sobre o que pode ou não pode mudar no Código Florestal, Barreto prefere se concentrar no segundo quesito: “Qualquer coisa que alivie multa (ambiental), ou que garanta anistia, vai favorecer o desmatamento depois. Isso é certo”.
Para ilustrar, um exemplo: Barreto conta que, não faz muito tempo, o governo apertou o cerco contra a ocupação ilegal na Floresta Nacional Bom Futuro, em Rondônia (área destinada para preservação, chamada de Flona). O governo do Estado não gostou, e ameaçou cancelar algumas licenças das usinas do Rio Madeira, prioridade para o Planalto.
E o que o governo federal fez? Reduziu a área da Flona, deixando de fora todo mundo que invadiu terra pública e desmatou área preservada. Legalizou o crime. Anistiou. Então vem o efeito dominó: os invasores de outras Flonas na Amazônia querem a mesma barbada. É o caso da Flona do Jamanxim (PA), onde, segundo Barreto, o desmatamento, que já poderia ter sido estancado, é crescente.
Aí você lembra que o governo já decidiu voltar atrás no decreto que impunha punições a quem descumpriu o Código Florestal a partir de dezembro. O prazo deve ser esticado para junho do ano que vem, via medida provisória. É a repetição de um vício.
“Em algumas regiões do País recuperar área degradada tem um custo muito alto. Aí eu acho que pode ter alguma negociação de prazo. O que não pode é afrouxar, de modo que as pessoas pensem que no final não precisarão recuperar nada”, diz Barreto.