A poucas horas do encerramento, COP15 registra avanços, sobretudo no tema do financiamento
Otimismo e pessimismo quanto à perspectiva de conclusão do acordo climático global revezaram-se durante toda a quinta-feira no Bella Center. De fato, é possível detectar sinais de progresso, ainda que haja apostas na morte trágica das negociações em Copenhague.
Ainda que tímidos, os avanços se dão principalmente no tema do financiamento das ações climáticas nos países em desenvolvimento. No que se refere à redução das emissões de gases-estufa nos países desenvolvidos, a única novidade são rumores de que a União Europeia poderia elevar sua proposta de cortar em 20% suas emissões até 2020 para 25% ou 30% frente ao patamar de 1990.
Oficialmente, o Japão permanece como o país desenvolvido com a meta mais ambiciosa para 2020 (corte de 25% nas emissões ante 1990). As propostas mais fracas são a do Canadá, de diminuir em somente 3% as
emissões, e a dos Estados Unidos, que prevê redução de 4% em relação também a 1990.
Redd volta aos trilhos
O texto sobre o mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd) voltou ao formato que tinha até a última terça-feira. Isso quer dizer que países com forte interesse no instrumento, como o Brasil, conseguiram limpar os adendos polêmicos inseridos por Estados Unidos e Colômbia. Portanto, a nova versão do
texto volta a situar a implementação do mecanismo em um organismo nacional em vez de permitir a negociação direta com os executores de um projeto específico de Redd.
O organismo nacional receberia doações voluntárias e compulsórias de países ricos e negociaria os créditos de carbono gerados por atividades de Redd com empresas de países desenvolvidos. Caberia ao organismo zelar pela repartição dos recursos arrecadados com comunidades tradicionais e programas públicos de combate ao desmatamento e conservação florestal.
Embora quase tenha inviabilizado um acordo em torno do texto do Redd, os Estados Unidos têm especial interesse no assunto. O projeto da lei de clima e energia que tramita no Senado permite que as empresas compensem parte de suas emissões com a compra de créditos de carbono de projetos de desmatamento evitado em países em desenvolvimento.
Anualmente, cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 poderia ser compensado com esses créditos, o que equivale a aproximadamente 15% das emissões anuais dos EUA medidas em CO2 equivalente.
Clinton condiciona dinheiro à transparência
O anúncio de Hillary Clinton, secretária de Estado dos Estados Unidos, de que o país apoiaria a criação de um fundo climático global de US$ 100 bilhões em 2020 injetou oxigênio em uma atmosfera que cada vez
mais rarefeita no Bella Center.
É necessário notar, contudo, quatro elementos importantes no anúncio. Em primeiro lugar, Clinton não disse qual seria a contribuição dos EUA no fundo, que pode ser revelada nesta sexta-feira derradeira da COP-15 pelo presidente Barack Obama.
Em segundo lugar, a secretária de Estado deixou claro que boa parte do fundo viria de recursos do mercado. Provavelmente, ela quis sugerir que parte do dinheiro deveria ser proveniente das transações no
mercado de carbono.
Certamente, o mercado de carbono poderá desempenhar papel muito relevante no fluxo financeiro do fundo climático global. É, porém, arriscado jogar parcela substancial da dotação do fundo nas costas do mercado de carbono, que não oferece a previsibilidade necessária para atender a necessidades de adaptação e mitigação de gases-estufa que oscilam mais em função das alterações no clima do que no mercado.
A carteira do Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto, por exemplo, é alimentada pela venda de créditos de carbono do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. A cada transação, 2% dos créditos são repassados ao Banco Mundial que os vende no mercado de carbono e transfere o dinheiro arrecadado ao fundo.
Se o preço do carbono sobe, o fundo recebe mais recursos. Se o preço cai, como ocorreu no final de 2008, em decorrência da crise financeira internacional, o fundo sofre com a diminuição no seu fluxo financeiro.
Transparência
O terceiro elemento foi o condicionamento da participação de seu país no fundo à concordância dos países emergentes com a demanda norte-americana por transparência nas informações sobre seus programas de redução nas emissões de gases-estufa.
Em outras palavras, Clinton sugeriu que os EUA contribuirão com o fundo, desde que China, Índia, África do Sul e Brasil abram seus sistemas de mitigação de gases à verificação internacional tanto na parte financiada por recursos domésticos como na parcela apoiada por dinheiro externo.
Até a última quarta-feira, esses países cerravam fileiras com a posição do G-77 de que apenas aceitariam auditoria internacional nos projetos financiados com capital externo. Nesta quinta-feira, entretanto, houve dois movimentos válidos de registro nesse grupo de países. Na entrevista coletiva que concedeu no início da noite, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, negociador-chefe do Brasil na COP-15, disse que, na parte da mitigação bancada com dinheiro nacional, o país efetuaria verificação interna dos resultados dos projetos de redução nas emissões de acordo com parâmetros internacionais e comuns para os países signatários da Convenção do Clima. Assegurou, ainda, que o Brasil abriria seus dados a qualquer país que levantasse dúvidas sobre os mesmos.
Em sincronia com o Brasil, a China também se mostrou aberta a oferecer esclarecimentos caso fossem levantadas questões e dúvidas sobre as informações de sua comunicação nacional sobre emissões. Se a Índia e a África do Sul, que compõem com Brasil e China o grupo Basics na COP-15, seguirem na mesma direção, em prol de maior transparência em seus programas de mitigação de gases-estufa, o caminho para o acordo climático ficará mais curto.
Atenção para o cronograma
Mas é necessário prestar atenção em detalhe normalmente esquecido no tema do financiamento, o cronograma de desembolso. Há suficiente clareza sobre o cronograma da ajuda emergencial de curto prazo, estimada em pelo menos US$ 30 bilhões no período de 2010 a 2013. Falta, porém, detalhamento do cronograma de médio e longo prazo.
A menção de Clinton a um fundo de US$ 100 bilhões em 2020, defendida pelo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, há alguns meses, não esclarece como seria a evolução da assistência a partir de 2013. Documento da Comissão Europeia (CE) divulgado em setembro passado aponta que a ajuda começaria com um valor entre US$ 13 bilhões a US$19 bilhões em 2013, subindo gradualmente até alcançar a oferta total em 2020.
A CE inclui países em desenvolvimento avançados na responsabilidade pela assistência financeira pública. Como muitas economias emergentes deverão continuar crescendo aceleradamente nos próximos anos, o financiamento de projetos de mitigação é uma demanda para ontem, a fim de diminuir a curva de emissões desses países o quanto antes seja possível.