Por José Alberto Gonçalves Pereira
Até o dia 5 de fevereiro último, 65 países haviam se associado ao Acordo de Copenhague, representando mais de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa. Outros 30 países enviaram comunicações manifestando intenção de integrar o acordo, mas sem detalhar seus planos de mitigação de gases-estufa. Uma ausência esperada nas listas divulgadas pelo Secretariado da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) foi a dos países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), liderada pela Venezuela. Eles se manifestaram em Copenhague contra a adoção do acordo como uma decisão da COP15. As listas dos países que aderiram ao acordo bem como seus compromissos voluntários de redução nas emissões podem ser conferidas no sítio da UNFCCC. Comentamos a seguir os principais pontos do Acordo de Copenhague.
Teto para a temperatura
Foi positivo assumir 2ºC como teto para o aumento na temperatura do planeta, embora os países-ilhas defendam 1,5ºC como único limite aceitável para impedir que o nível do mar suba a ponto de submergi-los. O problema é que, por pressão da China e da Índia e desinteresse dos Estados Unidos, foi removida da versão final do acordo a meta para 2050, que previa a redução pela metade das emissões globais e de 80% nas emissões dos países desenvolvidos em comparação com os níveis de 1990. São cortes dessa ordem que poderão diminuir a chance de que a temperatura suba além de 2ºC, o que levaria a um descontrole no clima da Terra.
Afora isso, a redação pouco precisa do acordo não esclarece que o limite citado no 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2007, refere-se a um incremento em relação à temperatura média do planeta no período imediatamente anterior ao início da Revolução Industrial (por volta de 1750). Nem esclarece o período no qual o limite de 2ºC deveria ser alcançado. Provavelmente, relaciona-se a um aumento até 2100.
Pico para as emissões
Não basta definir um teto para o acréscimo na temperatura nem metas de médio e longo prazo para a diminuição nas emissões de gases-estufa. Para assegurar que as metas serão cumpridas, é necessário estabelecer quando as emissões atingirão seu ponto máximo (pico) e iniciarão trajetória declinante. Segundo o IPCC, o pico das emissões nos países ricos deveria ocorrer antes de 2020. Pelo andar das negociações antes e durante a COP 15, parecia que o acordo final da reunião, mesmo na forma de declaração política, incluiria o pico das emissões, pelo menos para os países desenvolvidos. Isso não aconteceu. No Acordo de Copenhague, a alusão ao tema é mais que açucarada. Fala em “alcançar o pico das emissões nacionais e globais tão logo quanto possível, reconhecendo que o prazo para o pico será mais longo nos países em desenvolvimento”. Sem metas compulsórias de médio (2020) e longo prazo (2050), perde força a discussão sobre o pico das emissões. De outro lado, países em desenvolvimento temem que a menção a um ano específico para esse pico, ainda que se restringisse aos países ricos, comprometa-os no futuro próximo a também serem constrangidos a atingir o nível máximo de emissões antes, digamos, de 2030.
Metas do Anexo 1
É um dos pontos mais frágeis do Acordo de Copenhague, que prevê genericamente a implementação de metas de redução nas emissões até 2020 pelos países do Anexo 1 da Convenção do Clima, sem definir percentual médio de corte para esse grupo nem estabelecer obrigações e penalidades para quem descumprir sua meta. Voluntárias, as metas deveriam ser registradas no Apêndice 1 do acordo até 31 de janeiro passado, embora Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima, tenha admitido que os países poderão aderir ao acordo mesmo depois do prazo inicialmente estabelecido.
O Apêndice 1 teve a adesão até o final de janeiro de 38 países -Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Noruega, os 27 membros da União Europeia e a Rússia, entre outros. Segundo cálculo efetuado pelo Instituto dos Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, a meta agregada de corte nas emissões desses países varia de 12% a 19% até 2020 ante 1990, levando em conta os compromissos declarados no Acordo de Copenhague. Para a entidade, a redução é insuficiente para estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera em 450 partes por milhão (PPM) de CO2 equivalente, patamar que, ainda assim, está associado a um risco de 26% a 78% de que a temperatura do planeta ultrapasse 2ºC. Em seu relatório de 2007, o painel de cientistas da ONU recomendou corte de 25% a 40% nas emissões dos países do Anexo 1 em relação a 1990.
A União Europeia manteve sua proposta de reduzir em 20% suas emissões de gases-estufa na comparação com 1990. Aumentaria para 30% se os outros países desenvolvidos também fizessem o mesmo. Os Estados Unidos registraram a meta anunciada pelo presidente Barack Obama em Copenhague de cortar em 17% as emissões dos Estados Unidos na comparação com 2005, o que significa diminuição de apenas 4% sobre 1990. Mesmo assim, o país declara no Apêndice 1 do acordo que o compromisso depende da tramitação do projeto da lei de clima e energia no Congresso. O Japão reiterou sua meta de cortar em 25% suas emissões até 2020 em relação a 1990, mas a condiciona à conclusão de um acordo com metas ambiciosas, que inclua também as grandes economias emergentes.
Metas dos países em desenvolvimento
Ao não assumir metas compulsórias ambiciosas, sobretudo os Estados Unidos, o grupo do Anexo 1 favoreceu a resistência dos países em desenvolvimento, especialmente China e Índia, em aceitar a inclusão de metas para diminuir o ritmo de crescimento em suas emissões. O Ministério do Meio Ambiente brasileiro mostrava-se favorável à proposta da União Europeia de que as emissões totais dos países em desenvolvimento fossem reduzidas de 15% a 30% em relação ao cenário projetado hoje para 2020 (se nada fosse feito para diminuí-las). Já o Itamaraty não partilha da mesma posição por entender que a meta poderia engessar as políticas de desenvolvimento dos países pobres.
No final das contas, o cordo de Copenhague tem o mérito de ao menos incluir publicamente, em uma declaração negociada na Convenção do Clima, os países em desenvolvimento nos esforços de mitigação dos gases-estufa. As Ações Nacionais Apropriadas de Mitigação (Namas, na sigla em inglês) de 27 países em desenvolvimento foram registradas no Apêndice 2 do acordo até 31 de janeiro último a título de compromissos voluntários. Alguns, como Brasil, México, África do Sul e Coreia do Sul, definiram metas em relação ao cenário projetado para 2020, conhecido como “business as usual”. Outros, como China e Índia, estabeleceram metas de redução na intensidade de carbono de suas economias até 2020 ante 2005 (toneladas de gases-estufa liberadas na atmosfera para cada tonelada produzida). A falta de padronização na descrição de metas e ações e de precisão nas informações enviadas à UNFCCC dificulta uma análise comparativa entre os países.
Transparência
Há dois pesos e duas medidas no Acordo de Copenhague para os países integrantes e não-integrantes do Anexo 1 da Convenção do Clima. No caso dos primeiros, as reduções nas emissões deverão ser mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV no jargão das negociações). Não fica claro, porém, se o MRV do Anexo 1será incluído em um sistema ligado ao Secretariado da Convenção para que haja monitoramento público das políticas de corte nas emissões do Anexo 1. Bem mais extenso é o trecho do acordo dedicado à transparência dos dados dos países que não fazem parte do Anexo 1. A transparência desses países em suas informações sobre ações de mitigação dos gases-estufa foi um dos temas mais mencionados pelo presidente dos EUA, Barack Obama às vésperas e durante sua rápida e intensa participação na COP 15.
Segundo o acordo, Ações Nacionais Apropriadas de Mitigação (Namas, na sigla em inglês) e inventários nacionais de emissões dos países em desenvolvimento deverão ser comunicados ao Secretariado da Convenção do Clima a cada dois anos. A mudança é considerada pelos formadores de opinião na área climática como um dos principais e poucos avanços do Acordo de Copenhague. Atualmente, os países em desenvolvimento enviam sua comunicação nacional ao Secretariado a cada cinco ou mais anos, o que torna muito complicado acompanhar a evolução das emissões, com prejuízo para o planejamento de atividades e captação de recursos para a implementação de projetos de baixo carbono. Nesse ponto, não houve barulho. A questão que mais produziu divergência entre EUA de um lado e o Basic de outro (especialmente China e Índia) foi a demanda de Obama para que os países em desenvolvimento pudessem ter seus programas de mitigação checados por auditorias externas independentes.
A solução encontrada para o impasse foi adotar linguagem mais branda que não colocasse em questão a autoridade dos governos nacionais. Em vez do modelo de auditorias, defendidas pelos EUA, mas vistas como ingerência externa nos assuntos domésticos pelo Basic, adotou-se a ideia de um sistema internacional de análise e consulta sobre ações de mitigação dos países em desenvolvimento. Ainda não há detalhes de como tal sistema funcionará. Por trás do tema da transparência, está a desconfiança dos EUA sobre os compromissos da China, que não é exatamente reconhecida como um Estado democrático e sujeito ao escrutínio de sua sociedade civil, e muito menos de organismos internacionais. Quanto às Namas à procura de recursos financeiros externos e apoio tecnológico e em capacitação, o acordo prevê que elas deverão ser inseridas em um sistema internacional de registro. As Namas apoiadas por recursos externos estarão sujeitas à mensuração, ao relato e à verificação internacional.
Financiamento
O acordo estipula ajuda emergencial de US$ 30 bilhões a ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento entre 2010 e 2012 (US$ 10 bilhões ao ano). No caso da adaptação, serão priorizados os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. A União Europeia anunciou que entrará com 7,3 bilhões de euros (cerca de US$ 10 bilhões), o Japão com US$ 15 bilhões (US$ 11 bilhões de fundos públicos e o restante de fontes privadas) e os Estados Unidos com US$ 3,6 bilhões. Em assistência financeira pública, haveria até o momento, portanto, menos de US$ 25 bilhões prometidos, valor que pode aumentar com ofertas da Austrália, Nova Zelândia, Noruega e Canadá.
No entanto, o mecanismo financeiro da Convenção do Clima ainda não foi instituído, o que complica a transferência do dinheiro de acordo com critérios estabelecidos pelo tratado. É provável, assim, que os recursos sejam aplicados via acordos bilaterais, embora o acordo preveja o estabelecimento imediato do Fundo Verde pelo Clima de Copenhague para prover ajuda financeira aos países em desenvolvimento. O fundo seria a entidade operacional do mecanismo financeiro da Convenção, com poder decisório dividido igualmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Os países ricos comprometeram-se no acordo a mobilizar US$ 100 bilhões ao ano de fontes públicas e privadas a partir de 2020 para apoiar ações dos países em desenvolvimento nas áreas de mitigação, adaptação e transferência de tecnologia, capacitação e Redd-plus (mecanismo para diminuir emissões nas florestas). Tanto a assistência emergencial como a solução para a governança do mecanismo financeiro representaram avanços significativos na negociação do tema do financiamento.
Há, porém, uma longa e pedregosa estrada no detalhamento de como funcionaria o Fundo Verde. Não se sabe, por exemplo, que fatia dos recursos viria de fontes públicas, que oferecem horizonte mais estável de contribuição do que o dinheiro privado, quando oriundo do mercado de carbono, suscetível a altas e baixas nos preços do gás. Nenhum país comprometeu-se, também, com cifras para essa ajuda de médio e longo prazo. Outro vácuo é o período de 2013 a 2019, quando o grosso das ações climáticas precisarão ser implementadas nos países em desenvolvimento. Na proposta formulada pela Comissão Europeia em setembro de 2009, a assistência financeira pública começaria em 2013 com o aporte de 9 bilhões a 13 bilhões de euros (US$ 12 bilhões a US$ 18 bilhões), aumentando progressivamente até alcançar 100 bilhões de euros em 2020 (US$ 137 bilhões). Mas o Acordo de Copenhague é omisso sobre o financiamento nesse espaço de sete anos.
Florestas
Nas negociações do acordo climático global, as ações em floresta foram agrupadas no mecanismo de Redd+ (sigla em inglês para redução das emissões por desmatamento e degradação mais ações de conservação, aumento nos estoques de carbono por reflorestamento com espécies nativas e manejo sustentável de florestas). O Acordo de Copenhague determina a criação imediata de um mecanismo para financiar ações dos países em desenvolvimento na redução das emissões de carbono nas florestas resultantes da atividade humana.
Não houve, porém, avanço em relação ao formato institucional desse mecanismo de Redd+. O acordo sugere que o Fundo Verde de Copenhague também destinaria recursos para financiar atividades de Redd+ em vez de ser criado um instrumento separado para o setor de florestas. Também não progrediu a negociação em torno do modelo de financiamento do Redd+, embora haja seja cada vez mais convergência sobre a adoção de um esquema misto que combinaria aportes públicos e dinheiro do mercado de carbono e a possibilidade de os países do Anexo 1 usarem créditos do Redd para abater parte de suas metas de corte nas emissões de carbono.
Paula Moreira, advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), destaca, ainda, a inclusão do conhecimento dos povos tradicionais e do papel da biodiversidade no Redd num dos documentos aprovados na COP 15 sobre o mecanismo. A participação dos povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas em geral) é um dos temas mais polêmicos na discussão sobre Redd.
* Jornalista e consultor especializado em sustentabilidade
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Leia aqui o artigo que o autor publicou na edição de fevereiro de Página22.