O primeiro ministro australiano Kevin Rudd anunciou essa semana que não quer mais brincar: vai engavetar o plano do governo de estabelecer um esquema de cap-and-trade para as emissões de carbono, o Carbon Pollution Reduction Scheme (CPRS).
No parlatório oficial, Rudd disse que o projeto foi atrasado até 2013, quando encerra-se o compromisso do Protocolo de Kyoto e a Austrália poderá avaliar melhor o que o resto do mundo pretende fazer em relação às mudanças climáticas. Mas até lá Rudd poderá ter perdido a capacidade de decidir como e quando o país vai agir na questão do clima. Ainda favorito nas eleições nacionais desse ano, o primeiro-ministro tem recebido uma saraivada de críticas, especialmente pelo recuo na questão do clima, que foi central para sua eleição em 2007. Se o vencedor do próximo pleito for Tony Abbott, líder do Partido Liberal, dificilmente haverá CPRS, seja em 2013 ou depois.
O recuo australiano é mais um elemento no que a revista The Economist chamou de “o declínio” do cap-and-trade – a ideia de limitar as emissões de carbono ao leiloar permissões que podem ser negociadas em mercado. O cap-and-trade funcionou no caso da chuva ácida nos EUA, mas opera aos trancos e barrancos na Europa para as emissões de carbono e vem perdendo terreno com a crise financeira mundial, o fiasco da reunião do clima em Copenhague em dezembro passado e a relutância do Congresso americano em aprovar legislação centrada no mecanismo. Ainda não está claro o que poderia substituir o cap-and-trade como legislação da hora para o imbróglio climático: um potpourri de medidas para garantir receita e investimento em novas energias, o chamado cap-and-dividend – em que a receita levantada retorna para os contribuintes –, a volta às ações de comando-e-controle.
O Senado australiano rejeitou o projeto do CPRS duas vezes, o que dá a Rudd a possibilidade de dissolver o Parlamento e chamar eleições antecipadas para resolver a questão. A alternativa seria elevar as metas de redução de emissões, negociar com o Partido Verde e, com alguns votos a mais, tentar aprovar a matéria. Em vez dessas opções, o primeiro-ministro escolheu abandonar o assunto que o elegeu em 2007 e que ele mesmo chamou de “o maior desafio moral, social e econômico da nossa era”. Rudd disse que a culpa é da oposição por rejeitar o CPRS – Abbott chamou o projeto de “um grande imposto sobre tudo” e propôs um programa de “ação direta” para controlar as emissões. Para analistas, diante de pesquisas mostrando que a ação contra as mudanças climáticas já não é prioridade para o eleitorado, Rudd preferiu mudar o foco para a saúde.
Intensamente criticado por vários setores e até por ambientalistas devido às metas pouco ambiciosas – redução das emissões de 5% a 15% até 2020 –, às enormes compensações a setores industriais e exportadores e à complexidade na operação, o CPRS proposto pelo governo é, mesmo assim, amplamente visto como o primeiro passo para enfrentar a difícil tarefa de controlar as emissões. Sem ele – ou qualquer outro plano –, o carbono segue sem preço, o setor corporativo permanece na incerteza sobre como e quando esse preço virá, e os investimentos em energias alternativas ficam ameaçados.
Mas talvez o maior prejuízo seja em termos de reputação. A Austrália irá às próximas reuniões internacionais sobre o clima para demandar que os demais países ajam, mas sem contar com legislação própria. E, afinal, foi o próprio Kevin Rudd que disse: “o argumento de que não devemos agir até os outros o façam é um argumento usado por políticos covardes desde tempos imemoriais – tanto de esquerda como de direita”.