No mundo em que tudo ganha dimensões exageradas, a diminuição de alguns núcleos urbanos parece um contrassenso
O que pensar de uma cidade com séculos de história e uma infraestrutura bem desenvolvida, mas que vê sua população minguar a ponto de bairros inteiros serem demolidos para dar lugar a propriedades rurais? Um lugar onde os cidadãos remanescentes têm medo de sair de casa porque podem deparar-se com atos de violência ou animais selvagens?
Meses atrás, visitei Cleveland, no estado de Ohio, que viveu seus dias de glória na virada do século XIX para o XX, quando era uma das capitais americanas da industrialização e do petróleo. Na época, a cidade florescia com as doações generosas de John D. Rockefeller, então o homem mais rico do mundo, que ao longo dos anos distribuiu US$ 3 milhões da época para projetos locais. A cidade, que chegou a ter quase 1 milhão de habitantes nos anos 1950, tem hoje apenas 478 mil. Em minha visita, vi ruas e mais ruas semiabandonadas. Vi buldôzers derrubando conjuntos habitacionais para dar lugar a sítios urbanos.
A decadência de Cleveland iniciou-se há tempos. Muitos entendem que ela começou quando, no princípio do século passado, a prefeitura pressionou Rockefeller para que pagasse mais impostos e se recusou a autorizar o enterro da sua mulher no mausoléu da família. Em resposta, ele decidiu transferir-se para Nova York, levando consigo a chave do cofre.
Mais tarde, nos anos 50 e 60, a cidade sofreu com a desindustrialização dos A debandada dos brancos que, vendo a população negra crescer, decidiram transferir as suas famílias para cidades vizinhas Estados Unidos e também com o chamado white flight[1]. Por fim, a recente crise global financeira ajudou a afundar a economia local.
[1] A debandada dos brancos que, vendo a população negra crescer, decidiram transferir as suas famílias para cidades vizinhas.
O que se vê em Cleveland não é um fenômeno isolado. Em várias partes do planeta, centros urbanos que tiveram dias melhores estão sendo abandonados, devido à queda de natalidade, à decadência dos setores que eram o esteio da sua economia e à depressão fi nanceira.
É o caso de Detroit, no estado de Michigan, que já foi a capital mundial da indústria automobilística americana e chegou a ter quase 2 milhões de habitantes nos anos 50. Hoje, como Cleveland, está reduzida a menos da metade. Em alguns bairros, é possível encontrar uma única casa ocupada por quarteirão. A cidade abriga algo em torno de 33.500 casas desocupadas e 91 mil lotes residenciais abandonados.
Dadas as circunstâncias, a prefeitura tem planos de derrubar quase um quarto da sua área construída para dar lugar a zonas rurais. Parte da população será obrigada a se mudar para os bairros que serão mantidos em pé. “O que era impensável está se tornando possível”, disse James W. Hughes, reitor da Escola de Planejamento e Políticas Públicas da Rutgers University, em declaração recente à Associated Press. “Começa-se a perceber que as glórias do passado não vão voltar nunca mais. Algumas pessoas podem não aceitar isso, mas é a realidade.”
O projeto deverá custar algumas centenas de milhões de dólares, vindos dos cofres federais, para a compra de imóveis, a demolição e a transferência dos moradores – já que a cidade está quebrada. Flint, outra cidade importante do estado de Michigan, está estudando uma estratégia bastante semelhante.
Cidades da antiga Alemanha Oriental têm enfrentado o mesmo quadro de decadência. Em alguns casos, a densidade demográfi ca está fi cando tão rarefeita pela emigração dos jovens, sobretudo as mulheres, que as ruas estão sendo tomadas por lobos e neonazistas. Uma comissão especial do governo alemão concluiu que, em 2000, pelo menos 1 milhão de casas da Alemanha Oriental tinham sido abandonadas – algo como 14% do total dos domicílios na região.
O encolhimento das cidades é um problema sério por várias razões. O primeiro é que a redução da população e do volume de dinheiro em circulação derruba a arrecadação de impostos. É menos dinheiro para manter uma estrutura que, mesmo sem ter a mesma demanda, precisa ser conservada para os gatos pingados que fi caram. Além disso, ruas desertas comprometem a segurança.
A Academia já despertou para o tema. Um grupo de cientistas sob a coordenação do Institute of Urban and Regional Development, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, vem estudando o fenômeno há seis anos. Um dos seus coordenadores é o urbanista brasileiro Sérgio Moraes, da Universidade do Vale do Itajaí.
Num mundo em que tudo, inclusive a população mundial, ganha dimensões exageradas, o encolhimento de algumas cidades parece um contrassenso. Mas é uma tendência forte e tem que ser acompanhada com atenção.
*Jornalista especializada em meio ambiente[:en]No mundo em que tudo ganha dimensões exageradas, a diminuição de alguns núcleos urbanos parece um contrassenso
O que pensar de uma cidade com séculos de história e uma infraestrutura bem desenvolvida, mas que vê sua população minguar a ponto de bairros inteiros serem demolidos para dar lugar a propriedades rurais? Um lugar onde os cidadãos remanescentes têm medo de sair de casa porque podem deparar-se com atos de violência ou animais selvagens?
Meses atrás, visitei Cleveland, no estado de Ohio, que viveu seus dias de glória na virada do século XIX para o XX, quando era uma das capitais americanas da industrialização e do petróleo. Na época, a cidade florescia com as doações generosas de John D. Rockefeller, então o homem mais rico do mundo, que ao longo dos anos distribuiu US$ 3 milhões da época para projetos locais. A cidade, que chegou a ter quase 1 milhão de habitantes nos anos 1950, tem hoje apenas 478 mil. Em minha visita, vi ruas e mais ruas semiabandonadas. Vi buldôzers derrubando conjuntos habitacionais para dar lugar a sítios urbanos.
A decadência de Cleveland iniciou-se há tempos. Muitos entendem que ela começou quando, no princípio do século passado, a prefeitura pressionou Rockefeller para que pagasse mais impostos e se recusou a autorizar o enterro da sua mulher no mausoléu da família. Em resposta, ele decidiu transferir-se para Nova York, levando consigo a chave do cofre.
Mais tarde, nos anos 50 e 60, a cidade sofreu com a desindustrialização dos A debandada dos brancos que, vendo a população negra crescer, decidiram transferir as suas famílias para cidades vizinhas Estados Unidos e também com o chamado white flight[1]. Por fim, a recente crise global financeira ajudou a afundar a economia local.
[1] A debandada dos brancos que, vendo a população negra crescer, decidiram transferir as suas famílias para cidades vizinhas.
O que se vê em Cleveland não é um fenômeno isolado. Em várias partes do planeta, centros urbanos que tiveram dias melhores estão sendo abandonados, devido à queda de natalidade, à decadência dos setores que eram o esteio da sua economia e à depressão fi nanceira.
É o caso de Detroit, no estado de Michigan, que já foi a capital mundial da indústria automobilística americana e chegou a ter quase 2 milhões de habitantes nos anos 50. Hoje, como Cleveland, está reduzida a menos da metade. Em alguns bairros, é possível encontrar uma única casa ocupada por quarteirão. A cidade abriga algo em torno de 33.500 casas desocupadas e 91 mil lotes residenciais abandonados.
Dadas as circunstâncias, a prefeitura tem planos de derrubar quase um quarto da sua área construída para dar lugar a zonas rurais. Parte da população será obrigada a se mudar para os bairros que serão mantidos em pé. “O que era impensável está se tornando possível”, disse James W. Hughes, reitor da Escola de Planejamento e Políticas Públicas da Rutgers University, em declaração recente à Associated Press. “Começa-se a perceber que as glórias do passado não vão voltar nunca mais. Algumas pessoas podem não aceitar isso, mas é a realidade.”
O projeto deverá custar algumas centenas de milhões de dólares, vindos dos cofres federais, para a compra de imóveis, a demolição e a transferência dos moradores – já que a cidade está quebrada. Flint, outra cidade importante do estado de Michigan, está estudando uma estratégia bastante semelhante.
Cidades da antiga Alemanha Oriental têm enfrentado o mesmo quadro de decadência. Em alguns casos, a densidade demográfi ca está fi cando tão rarefeita pela emigração dos jovens, sobretudo as mulheres, que as ruas estão sendo tomadas por lobos e neonazistas. Uma comissão especial do governo alemão concluiu que, em 2000, pelo menos 1 milhão de casas da Alemanha Oriental tinham sido abandonadas – algo como 14% do total dos domicílios na região.
O encolhimento das cidades é um problema sério por várias razões. O primeiro é que a redução da população e do volume de dinheiro em circulação derruba a arrecadação de impostos. É menos dinheiro para manter uma estrutura que, mesmo sem ter a mesma demanda, precisa ser conservada para os gatos pingados que fi caram. Além disso, ruas desertas comprometem a segurança.
A Academia já despertou para o tema. Um grupo de cientistas sob a coordenação do Institute of Urban and Regional Development, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, vem estudando o fenômeno há seis anos. Um dos seus coordenadores é o urbanista brasileiro Sérgio Moraes, da Universidade do Vale do Itajaí.
Num mundo em que tudo, inclusive a população mundial, ganha dimensões exageradas, o encolhimento de algumas cidades parece um contrassenso. Mas é uma tendência forte e tem que ser acompanhada com atenção.
*Jornalista especializada em meio ambiente