Na estética dominante do high-tech, estaria a ética da sustentabilidade ficando para trás?
Quem se lembra do videocassete? Saiu de moda. Como assim, saiu de moda? Quem se lembra do Chevette bege-claro? Saiu de moda. Também? Também saiu. Pegou carona com o pretérito perfeito, nos rumos da estrada do tempo. Não era a de Santos? Essa já era. Qual foi o destino do carro? Deixou a linha de montagem. E o bege-claro? Bom, o bege-claro parece cor de quem passou as férias sem tomar sol. É um tom démodé, mas démodé ninguém fala mais. Então, fala o quê? Out, a moda é falar inglês, brother. Não era chinês? Ainda será. Chinês, por enquanto, é pastel com caldo de cana. E inglês? Hamburguer do McDonald’s, hot dog na padaria da esquina, Coca-Cola para matar a sede e um ótimo filme hollywoodiano.
Afinal, qual é a moda? Vê se understand. A moda hoje é você compra ou você vende. A empresa faz pequenos ajustes nos componentes eletrônicos de um produto, desenvolve a tecnologia em certa medida, transforma o design e, em três meses, o que era lançamento na prateleira das lojas se torna coleção na estante do museu. O ciclo de vida de determinados bens, principalmente os que envolvem avanços tecnológicos, reduz-se cada vez mais. Um fabricante de telefone celular que há uma década estreava dois modelos por ano, agora é capaz de levar ao mercado mais de 40, nos 12 meses. Haja recursos naturais para suportar.
Na análise de Lenivaldo Gomes, professor do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a sociedade, em geral, sustenta-se no eixo produção, acúmulo e consumo. Um dos principais discursos que reforçam essa lógica e movem o desejo das pessoas, nesse caminho, é o high-tech – ou, tecnologia de ponta.
Estar conectado por um tempo longo, com aumento da diversidade de recursos disponíveis e velocidade mais alta, é sinônimo de sucesso. Quem estabelece maior quantidade de conexões está à frente do restante da humanidade. Mais amigos ou seguidores no Twitter, Facebook, Orkut. Há o telefone celular, e-mail 24 horas no BlackBerry, acesso à internet sem fio. As opções são muitas, e não bastam.
É preciso ir além. Ter em mãos as tecnologias de última geração, aparelhos avançados ou os equipamentos mais ágeis. Quanto mais desenvolvido o produto, mais valorizado (e, geralmente, caro) ele é. Desse modo, a tecnologia de ponta tornou-se um meio de distinção social. E o design busca reforçar o caráter high-tech do que chega às lojas, seja por cor, formato, seja por outros recursos.
Nesse contexto, itens como Tvs, rádios, telefones celulares, veículos e até mesmo calçados ganham uma imagem futurista, adquirindo semelhanças entre si. Em 2008, a Motorola lançou, no Brasil, um telefone celular inspirado nas linhas aerodinâmicas do Maserati Birdcage 75th, luxuoso modelo de automóvel de uma empresa italiana. Na divulgação para a imprensa, a fabricante ressaltou que o aparelho “combina estilo com funcionalidade”. E que a novidade serviu para “agradar aos amantes da velocidade”.
Ainda será preciso tomar cuidado para não estacionar o celular no shopping, ou botar o carro no ouvido e sair falando por aí.
Preto ou prata
O indivíduo que aumenta sua capacidade de consumo e passa a ter condições de adquirir o primeiro computador, por exemplo, pode se contentar com o modelo básico. Conforme seus ganhos aumentam, é comum começar a avaliar novos quesitos, além da utilidade da máquina. Ele olha atributos que incrementam o preço e transmitem valores que não têm a ver, necessariamente, com o desempenho técnico. Liquidificadores constituem-se em exemplo. Entre um protótipo e outro, nada muito diferente de ser útil para cortar alimentos e transformá-los, em conjunto com água ou leite, em sucos, vitaminas e sopas.
Assim, o trabalho de desenhar uma novidade é diferencial. Aí entram em jogo cor, elegância, formas, material. A produção de eletrônicos da Apple é um dos maiores destaques nessa linha, prezando por formas delicadas, suaves e cores claras. Transmitem ao consumidor muito mais do que uma ideia de boa utilidade. “A função primária de um produto é a utilidade. Substituir a força humana, os braços, os olhos, a memória. À medida que uma pessoa ascende socialmente, é grande a possibilidade de ela mudar também alguns conceitos, fazendo da estética (no sentido estrito de beleza) a função primária. A utilidade, embora ainda levada em consideração, cai para segundo plano”, diz o professor da PUC.
Sob essa ótica, o automóvel nada mais seria do que uma ferramenta que permite a seu condutor ou condutora chegar mais rápido ao destino desejado, em comparação aos métodos de percorrer o trajeto andando, de simples bicicleta ou de carroça. Mas entre um modelo 1.0 e uma BMW lá se vão quilômetros de distância, confirmando a cultura da ostentação na sociedade moderna.
O BMW é mais veloz, dotado de recursos tecnológicos complexos. As próprias características físicas do produto contribuem para reforçar esses valores. “Consumir é comunicar, ainda que essa comunicação seja inconsciente ou não. E quem tem maior poder aquisitivo pode mais”, acrescenta Gomes.
Não é coincidência que, em uma capital como São Paulo, o predomínio das cores dos carros nas ruas seja dividido por preto, cinza, chumbo ou prata. Elas são escolhidas pelas montadoras com base na preferência do consumidor, indicada por meio de estatísticas. De acordo com André Marcolino, sócio da agência M2L e coordenador do curso de Design Transportation, do Instituto Europeu de Design de São Paulo (IED), a cor prata remete à ideia de tecnologia e inovação. O preto está relacionado a poder.
Na Europa, é mais comum encontrar veículos de outras cores, já que as cidades apresentam tons mais escuros do que os observados no Brasil. O próprio clima frio e o céu, nublado com maior frequência, influenciam as escolhas dos compradores. Isso significa que o discurso high-tech não é o único fator a contribuir para a evolução do desenho e das demais características dos produtos.
Se a indústria de telefones celulares recorreu ao design de automóveis para elaborar modelos lançados no mercado, a de veículos também procura interagir de maneira multidisciplinar. Estilistas famosos prestam consultoria às marcas. Além do desenvolvimento de tecidos para os assentos, há um uso cada vez mais popular do couro ecológico, que ajuda a diminuir o aquecimento dentro do carro.
Ainda segundo o coordenador do curso do IED, a preocupação do setor de automóveis e peças, na questão relacionada à redução de impactos ambientais, é forte. Uma delas é a substituição do plástico tradicional por fibras de bananeira no material que constitui apoiadores de braço das portas, botões e compartimentos, além de iniciativas mais impactantes na direção do uso de fontes de energia renováveis.
Quem tem mais pode mais
No discurso da sustentabilidade, o coletivo torna-se protagonista da história. O indivíduo escolhe os objetos de consumo tendo em mente que suas decisões alteram a ordem do que pode acontecer com o planeta e seus habitantes, e aí estamos falando de ética. A conscientização entra na agenda, mas o discurso não foge à lógica da distinção social. Há uma parcela da sociedade com maiores condições de manter práticas saudáveis do que outra.
As classes do topo da pirâmide têm acesso facilitado ao conhecimento sobre o cuidado com a saúde do corpo humano e do planeta. São elas que apresentam também mais oportunidades de se matricular em academias de ginástica, associar-se a clubes e consultar profissionais da área médica. O aspecto econômico favorece, inclusive, o consumo de itens da lista da sustentabilidade, como alimentos orgânicos, cultivados sem agrotóxicos.
Em geral, no fim do mês, o cardápio orgânico tem peso maior no bolso de quem vai ao supermercado, comparado a produtos sem essa preocupação. Quem tem mais dinheiro acaba reunindo mais condições de se diferenciar dos demais, mantendo a tradicional linha da diferenciação pelo acúmulo de capitais. Uma forma de distinção entre as classes, por meio de atitudes e comportamentos.
Gomes, da PUC-Rio, analisa também traços em determinados produtos que demonstram certas características estéticas da sustentabilidade. “Existe um tipo que é o confronto direto com o high-tech. Destaca o material como opção do próprio designer, lembrando ter ocorrido ali o processo de reaproveitamento. Um exemplo são as cadeiras de papelão que não escondem sua composição”, aponta.
Há também o confronto indireto, com valorização maior da forma do que do material. É o caso de quem adquire uma cadeira para o escritório. E, em vez de assento montado com garrafas PET, escolhe um móvel feito de madeira certificada, com o material meticulosamente trabalhado. Não fosse um selo indicativo, a linha sustentável do objeto passaria despercebida.
O certo “elitismo” penaliza até mesmo as pequenas empresas. Cyntia Malaguti, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (FAU/USP), explica que pode haver diferenças na forma com que uma empresa de grande ou pequeno porte se planeja para entrar na era da sustentabilidade. Segundo ela, que escreveu um manual técnico de requisitos ambientais para o desenvolvimento de produtos, empresas menores costumam ter menos capacidade de investimento em pesquisas para o desenvolvimento de materiais inéditos, que revolucionem seus setores.
Uma solução é propor parcerias com o meio universitário, onde é possível encontrar projetos a custo mais acessível e equipes pensando no tema constantemente. Estratégia adicional é obter a contribuição do próprio design para transmitir ao consumidor o conceito de sustentabilidade, por exemplo, na escolha dos materiais e das características da embalagem dos produtos.
De produtos a cidades
As aparências não enganam. A estética de uma cidade, por exemplo, reflete dramas, sentimentos e valores de uma sociedade e seus habitantes. Os grandes centros expressam fisicamente os problemas de relacionamento entre os indivíduos. A insegurança empurra as pessoas para locais específicos. Condomínios fechados, shoppings. O individualismo dificulta as relações humanas nos lugares públicos, a desconfiança dos centros urbanos afasta. O outro é um perigoso estranho.
A rua se torna mero local de passagem, em vez de espaço para o relacionamento. Ali as pessoas não vivem, apenas transitam. Na cidade do movimento, as fachadas dos prédios são espelhadas. Os letreiros se tornam enormes, para que possam ser lidos por quem passa de carro, à distância. É o contrário de um centro antigo, onde a arquitetura é mais bem trabalhada. Ambiente próprio para quem anda a pé e tem tempo de apreciar, de perto, as construções.
Com isso, as grandes cidades estão perdendo sua identidade. O indivíduo está em um lugar que poderia ser qualquer lugar do mundo. Prédio sobre prédio, pedra sobre pedra, há especialistas que apontam um caminho mais sustentável, amenizando impactos como os da falta de permeabilidade do solo, capazes de tornar as enchentes um problema cada vez pior.
Uma das soluções seria a construção da infraestrutura verde, descrita por um artigo da paisagista Cecilia Polacow Herzog, publicado no jornal O Globo, em abril, como “rede interconectada de espaços abertos vegetados (de preferência arborizados) que restabelece a estrutura da paisagem. A ideia é que a cidade funcione como uma esponja, que seja o mais permeável possível”. Permeável em todos os sentidos, até de relacionamento interpessoal.
O concreto dificulta o escoamento da água da chuva. Entretanto, é ele que predomina no horizonte, e contribui para que a cidade domestique a natureza. “Na Alemanha, a população preserva o mínimo espaço em que nasce um matinho. Aqui, joga-se veneno para matar a planta. No caso de córregos da cidade, não é mais possível identificar muitos, que estão escondidos em galerias”, observa Cecilia, diretora também da ONG Inverde e mestre em Urbanismo.
Em uma floresta, a água da chuva infiltra 90% no solo. Há regiões das cidades em que a infiltração é zero. A água busca saídas e, nesse encaminho, entope bueiros, carrega lixo e acumula em áreas onde não tem por onde escoar.
Na Coreia do Sul, o principal rio da capital, Seul, foi despoluí do e virou símbolo da recuperação de áreas degradadas. O viaduto, que passava sobre o curso d’água, acabou demolido. No entorno, foram construídos parques, com resgate da biodiversidade. O transporte público foi remodelado, o esgoto a céu aberto fechou e a qualidade do ar melhorou. A revitalização ocorreu em apenas quatro anos.
A sustentabilidade, mal ou bem, vem alterando o modo de planejar cidades e produtos. No design, por exemplo, o termo eco se refere a uma categoria específica de projetos que levam em consideração a questão ecológica. “Em algum tempo, não haverá o termo ecodesign para apontar essa categoria. Qualquer produto terá como pré-requisito o pensamento sustentável. Tudo será muito diferente do presente. O jeito como foi feito até agora nos trouxe até aqui, mas, certamente, não nos levará ao futuro”, prevê Fred Gelli, sócio-fundador da agência Tátil e professor do Departamento de Artes & Design, da PUC-Rio.
A biomimética, em vez de destruir, estuda a natureza para ter inspiração na elaboração de novos modelos de produto, serviço ou negócios. O planeta Terra parece cada vez mais estar na moda. E a torcida é para que a moda não seja substituída no próximo verão.
Leia mais sobre biomimética e tendências do design na era da sustentabilidade
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Mangas removíveis, jeans no congelador. O tom é diversificar
Qual é o design dos produtos sustentáveis? Sobretudo, variado, na opinião de Cyntia Malaguti, da FAU-USP. “Não dá para ter uma linguagem única. Depende do público. Estamos em um momento de customização massiva, o contrário da padronização. A diversidade do uso de matérias-primas também é boa para a natureza. Melhor do que dispor de um material para fazer tudo.”
Antes da reciclagem, também é possível trabalhar com a ideia de reaproveitamento ou economia. O desenho de uma roupa que leva em consideração essas noções pode fazer das mangas longas de uma blusa peças removíveis. Assim, a vestimenta oferece condições de ser usada tanto em temperaturas amenas quanto no calor, eliminando a necessidade de comprar um modelo para cada estação.
No começo de 2009, Jandira Barone, diretora da confecção Tristar, lançou em vitrines brasileiras o Eco Jeans, produzido com algodão plantado em áreas livres de agrotóxicos há, pelo menos, cinco anos. Com respeito à biodiversidade e a partir de uma ideia inusitada.
As peças comercializadas pela empresa podem ser usadas dos dois lados. Além disso, em vez de lavá-las, basta colocar as calças ou saias dentro de uma sacola plástica e levá-las ao congelador por 24 horas. A sacola evita que o cheiro de alimentos fique impregnado no tecido.
O processo elimina bactérias e odores do uso cotidiano, deixando a vestimenta pronta para ser usada de novo. “Uso minha calça toda semana, há nove meses, para trabalhar ou viajar. Nesse período, a lavagem jamais foi realizada de forma tradicional. Ela foi feita no congelador”, conta Jandira. Em exemplos como este, a tecnologia vira uma aliada.[:en]Na estética dominante do high-tech, estaria a ética da sustentabilidade ficando para trás?
Quem se lembra do videocassete? Saiu de moda. Como assim, saiu de moda? Quem se lembra do Chevette bege-claro? Saiu de moda. Também? Também saiu. Pegou carona com o pretérito perfeito, nos rumos da estrada do tempo. Não era a de Santos? Essa já era. Qual foi o destino do carro? Deixou a linha de montagem. E o bege-claro? Bom, o bege-claro parece cor de quem passou as férias sem tomar sol. É um tom démodé, mas démodé ninguém fala mais. Então, fala o quê? Out, a moda é falar inglês, brother. Não era chinês? Ainda será. Chinês, por enquanto, é pastel com caldo de cana. E inglês? Hamburguer do McDonald’s, hot dog na padaria da esquina, Coca-Cola para matar a sede e um ótimo filme hollywoodiano.
Afinal, qual é a moda? Vê se understand. A moda hoje é você compra ou você vende. A empresa faz pequenos ajustes nos componentes eletrônicos de um produto, desenvolve a tecnologia em certa medida, transforma o design e, em três meses, o que era lançamento na prateleira das lojas se torna coleção na estante do museu. O ciclo de vida de determinados bens, principalmente os que envolvem avanços tecnológicos, reduz-se cada vez mais. Um fabricante de telefone celular que há uma década estreava dois modelos por ano, agora é capaz de levar ao mercado mais de 40, nos 12 meses. Haja recursos naturais para suportar.
Na análise de Lenivaldo Gomes, professor do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a sociedade, em geral, sustenta-se no eixo produção, acúmulo e consumo. Um dos principais discursos que reforçam essa lógica e movem o desejo das pessoas, nesse caminho, é o high-tech – ou, tecnologia de ponta.
Estar conectado por um tempo longo, com aumento da diversidade de recursos disponíveis e velocidade mais alta, é sinônimo de sucesso. Quem estabelece maior quantidade de conexões está à frente do restante da humanidade. Mais amigos ou seguidores no Twitter, Facebook, Orkut. Há o telefone celular, e-mail 24 horas no BlackBerry, acesso à internet sem fio. As opções são muitas, e não bastam.
É preciso ir além. Ter em mãos as tecnologias de última geração, aparelhos avançados ou os equipamentos mais ágeis. Quanto mais desenvolvido o produto, mais valorizado (e, geralmente, caro) ele é. Desse modo, a tecnologia de ponta tornou-se um meio de distinção social. E o design busca reforçar o caráter high-tech do que chega às lojas, seja por cor, formato, seja por outros recursos.
Nesse contexto, itens como Tvs, rádios, telefones celulares, veículos e até mesmo calçados ganham uma imagem futurista, adquirindo semelhanças entre si. Em 2008, a Motorola lançou, no Brasil, um telefone celular inspirado nas linhas aerodinâmicas do Maserati Birdcage 75th, luxuoso modelo de automóvel de uma empresa italiana. Na divulgação para a imprensa, a fabricante ressaltou que o aparelho “combina estilo com funcionalidade”. E que a novidade serviu para “agradar aos amantes da velocidade”.
Ainda será preciso tomar cuidado para não estacionar o celular no shopping, ou botar o carro no ouvido e sair falando por aí.
Preto ou prata
O indivíduo que aumenta sua capacidade de consumo e passa a ter condições de adquirir o primeiro computador, por exemplo, pode se contentar com o modelo básico. Conforme seus ganhos aumentam, é comum começar a avaliar novos quesitos, além da utilidade da máquina. Ele olha atributos que incrementam o preço e transmitem valores que não têm a ver, necessariamente, com o desempenho técnico. Liquidificadores constituem-se em exemplo. Entre um protótipo e outro, nada muito diferente de ser útil para cortar alimentos e transformá-los, em conjunto com água ou leite, em sucos, vitaminas e sopas.
Assim, o trabalho de desenhar uma novidade é diferencial. Aí entram em jogo cor, elegância, formas, material. A produção de eletrônicos da Apple é um dos maiores destaques nessa linha, prezando por formas delicadas, suaves e cores claras. Transmitem ao consumidor muito mais do que uma ideia de boa utilidade. “A função primária de um produto é a utilidade. Substituir a força humana, os braços, os olhos, a memória. À medida que uma pessoa ascende socialmente, é grande a possibilidade de ela mudar também alguns conceitos, fazendo da estética (no sentido estrito de beleza) a função primária. A utilidade, embora ainda levada em consideração, cai para segundo plano”, diz o professor da PUC.
Sob essa ótica, o automóvel nada mais seria do que uma ferramenta que permite a seu condutor ou condutora chegar mais rápido ao destino desejado, em comparação aos métodos de percorrer o trajeto andando, de simples bicicleta ou de carroça. Mas entre um modelo 1.0 e uma BMW lá se vão quilômetros de distância, confirmando a cultura da ostentação na sociedade moderna.
O BMW é mais veloz, dotado de recursos tecnológicos complexos. As próprias características físicas do produto contribuem para reforçar esses valores. “Consumir é comunicar, ainda que essa comunicação seja inconsciente ou não. E quem tem maior poder aquisitivo pode mais”, acrescenta Gomes.
Não é coincidência que, em uma capital como São Paulo, o predomínio das cores dos carros nas ruas seja dividido por preto, cinza, chumbo ou prata. Elas são escolhidas pelas montadoras com base na preferência do consumidor, indicada por meio de estatísticas. De acordo com André Marcolino, sócio da agência M2L e coordenador do curso de Design Transportation, do Instituto Europeu de Design de São Paulo (IED), a cor prata remete à ideia de tecnologia e inovação. O preto está relacionado a poder.
Na Europa, é mais comum encontrar veículos de outras cores, já que as cidades apresentam tons mais escuros do que os observados no Brasil. O próprio clima frio e o céu, nublado com maior frequência, influenciam as escolhas dos compradores. Isso significa que o discurso high-tech não é o único fator a contribuir para a evolução do desenho e das demais características dos produtos.
Se a indústria de telefones celulares recorreu ao design de automóveis para elaborar modelos lançados no mercado, a de veículos também procura interagir de maneira multidisciplinar. Estilistas famosos prestam consultoria às marcas. Além do desenvolvimento de tecidos para os assentos, há um uso cada vez mais popular do couro ecológico, que ajuda a diminuir o aquecimento dentro do carro.
Ainda segundo o coordenador do curso do IED, a preocupação do setor de automóveis e peças, na questão relacionada à redução de impactos ambientais, é forte. Uma delas é a substituição do plástico tradicional por fibras de bananeira no material que constitui apoiadores de braço das portas, botões e compartimentos, além de iniciativas mais impactantes na direção do uso de fontes de energia renováveis.
Quem tem mais pode mais
No discurso da sustentabilidade, o coletivo torna-se protagonista da história. O indivíduo escolhe os objetos de consumo tendo em mente que suas decisões alteram a ordem do que pode acontecer com o planeta e seus habitantes, e aí estamos falando de ética. A conscientização entra na agenda, mas o discurso não foge à lógica da distinção social. Há uma parcela da sociedade com maiores condições de manter práticas saudáveis do que outra.
As classes do topo da pirâmide têm acesso facilitado ao conhecimento sobre o cuidado com a saúde do corpo humano e do planeta. São elas que apresentam também mais oportunidades de se matricular em academias de ginástica, associar-se a clubes e consultar profissionais da área médica. O aspecto econômico favorece, inclusive, o consumo de itens da lista da sustentabilidade, como alimentos orgânicos, cultivados sem agrotóxicos.
Em geral, no fim do mês, o cardápio orgânico tem peso maior no bolso de quem vai ao supermercado, comparado a produtos sem essa preocupação. Quem tem mais dinheiro acaba reunindo mais condições de se diferenciar dos demais, mantendo a tradicional linha da diferenciação pelo acúmulo de capitais. Uma forma de distinção entre as classes, por meio de atitudes e comportamentos.
Gomes, da PUC-Rio, analisa também traços em determinados produtos que demonstram certas características estéticas da sustentabilidade. “Existe um tipo que é o confronto direto com o high-tech. Destaca o material como opção do próprio designer, lembrando ter ocorrido ali o processo de reaproveitamento. Um exemplo são as cadeiras de papelão que não escondem sua composição”, aponta.
Há também o confronto indireto, com valorização maior da forma do que do material. É o caso de quem adquire uma cadeira para o escritório. E, em vez de assento montado com garrafas PET, escolhe um móvel feito de madeira certificada, com o material meticulosamente trabalhado. Não fosse um selo indicativo, a linha sustentável do objeto passaria despercebida.
O certo “elitismo” penaliza até mesmo as pequenas empresas. Cyntia Malaguti, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (FAU/USP), explica que pode haver diferenças na forma com que uma empresa de grande ou pequeno porte se planeja para entrar na era da sustentabilidade. Segundo ela, que escreveu um manual técnico de requisitos ambientais para o desenvolvimento de produtos, empresas menores costumam ter menos capacidade de investimento em pesquisas para o desenvolvimento de materiais inéditos, que revolucionem seus setores.
Uma solução é propor parcerias com o meio universitário, onde é possível encontrar projetos a custo mais acessível e equipes pensando no tema constantemente. Estratégia adicional é obter a contribuição do próprio design para transmitir ao consumidor o conceito de sustentabilidade, por exemplo, na escolha dos materiais e das características da embalagem dos produtos.
De produtos a cidades
As aparências não enganam. A estética de uma cidade, por exemplo, reflete dramas, sentimentos e valores de uma sociedade e seus habitantes. Os grandes centros expressam fisicamente os problemas de relacionamento entre os indivíduos. A insegurança empurra as pessoas para locais específicos. Condomínios fechados, shoppings. O individualismo dificulta as relações humanas nos lugares públicos, a desconfiança dos centros urbanos afasta. O outro é um perigoso estranho.
A rua se torna mero local de passagem, em vez de espaço para o relacionamento. Ali as pessoas não vivem, apenas transitam. Na cidade do movimento, as fachadas dos prédios são espelhadas. Os letreiros se tornam enormes, para que possam ser lidos por quem passa de carro, à distância. É o contrário de um centro antigo, onde a arquitetura é mais bem trabalhada. Ambiente próprio para quem anda a pé e tem tempo de apreciar, de perto, as construções.
Com isso, as grandes cidades estão perdendo sua identidade. O indivíduo está em um lugar que poderia ser qualquer lugar do mundo. Prédio sobre prédio, pedra sobre pedra, há especialistas que apontam um caminho mais sustentável, amenizando impactos como os da falta de permeabilidade do solo, capazes de tornar as enchentes um problema cada vez pior.
Uma das soluções seria a construção da infraestrutura verde, descrita por um artigo da paisagista Cecilia Polacow Herzog, publicado no jornal O Globo, em abril, como “rede interconectada de espaços abertos vegetados (de preferência arborizados) que restabelece a estrutura da paisagem. A ideia é que a cidade funcione como uma esponja, que seja o mais permeável possível”. Permeável em todos os sentidos, até de relacionamento interpessoal.
O concreto dificulta o escoamento da água da chuva. Entretanto, é ele que predomina no horizonte, e contribui para que a cidade domestique a natureza. “Na Alemanha, a população preserva o mínimo espaço em que nasce um matinho. Aqui, joga-se veneno para matar a planta. No caso de córregos da cidade, não é mais possível identificar muitos, que estão escondidos em galerias”, observa Cecilia, diretora também da ONG Inverde e mestre em Urbanismo.
Em uma floresta, a água da chuva infiltra 90% no solo. Há regiões das cidades em que a infiltração é zero. A água busca saídas e, nesse encaminho, entope bueiros, carrega lixo e acumula em áreas onde não tem por onde escoar.
Na Coreia do Sul, o principal rio da capital, Seul, foi despoluí do e virou símbolo da recuperação de áreas degradadas. O viaduto, que passava sobre o curso d’água, acabou demolido. No entorno, foram construídos parques, com resgate da biodiversidade. O transporte público foi remodelado, o esgoto a céu aberto fechou e a qualidade do ar melhorou. A revitalização ocorreu em apenas quatro anos.
A sustentabilidade, mal ou bem, vem alterando o modo de planejar cidades e produtos. No design, por exemplo, o termo eco se refere a uma categoria específica de projetos que levam em consideração a questão ecológica. “Em algum tempo, não haverá o termo ecodesign para apontar essa categoria. Qualquer produto terá como pré-requisito o pensamento sustentável. Tudo será muito diferente do presente. O jeito como foi feito até agora nos trouxe até aqui, mas, certamente, não nos levará ao futuro”, prevê Fred Gelli, sócio-fundador da agência Tátil e professor do Departamento de Artes & Design, da PUC-Rio.
A biomimética, em vez de destruir, estuda a natureza para ter inspiração na elaboração de novos modelos de produto, serviço ou negócios. O planeta Terra parece cada vez mais estar na moda. E a torcida é para que a moda não seja substituída no próximo verão.
Leia mais sobre biomimética e tendências do design na era da sustentabilidade
————————————————————————————————————————————————-
Mangas removíveis, jeans no congelador. O tom é diversificar
Qual é o design dos produtos sustentáveis? Sobretudo, variado, na opinião de Cyntia Malaguti, da FAU-USP. “Não dá para ter uma linguagem única. Depende do público. Estamos em um momento de customização massiva, o contrário da padronização. A diversidade do uso de matérias-primas também é boa para a natureza. Melhor do que dispor de um material para fazer tudo.”
Antes da reciclagem, também é possível trabalhar com a ideia de reaproveitamento ou economia. O desenho de uma roupa que leva em consideração essas noções pode fazer das mangas longas de uma blusa peças removíveis. Assim, a vestimenta oferece condições de ser usada tanto em temperaturas amenas quanto no calor, eliminando a necessidade de comprar um modelo para cada estação.
No começo de 2009, Jandira Barone, diretora da confecção Tristar, lançou em vitrines brasileiras o Eco Jeans, produzido com algodão plantado em áreas livres de agrotóxicos há, pelo menos, cinco anos. Com respeito à biodiversidade e a partir de uma ideia inusitada.
As peças comercializadas pela empresa podem ser usadas dos dois lados. Além disso, em vez de lavá-las, basta colocar as calças ou saias dentro de uma sacola plástica e levá-las ao congelador por 24 horas. A sacola evita que o cheiro de alimentos fique impregnado no tecido.
O processo elimina bactérias e odores do uso cotidiano, deixando a vestimenta pronta para ser usada de novo. “Uso minha calça toda semana, há nove meses, para trabalhar ou viajar. Nesse período, a lavagem jamais foi realizada de forma tradicional. Ela foi feita no congelador”, conta Jandira. Em exemplos como este, a tecnologia vira uma aliada.