Nenhuma novidade partidária escapará dessa máquina, se chegar ao poder. A menos que tenha como propósito central a modernização do Estado e a reforma política
O princípio era o MDB, o grande guardachuva político, ainda que precário, sob o qual se abrigavam, formal ou informalmente, todas as tendências e ideologias que se opunham à ditadura militar. Isso foi no tempo em que o bipartidarismo imposto nem sequer permitia que um grupamento desses se chamasse partido. Até o P (de partido) foi cassado. De 1966 a 1979, eram a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partidão da ditadura, e o Movimento Democrático Brasileiro, o partidão de quem lutava contra a ditadura pelas vias institucionais de então ou tentava proteger quem se aventurava por outros caminhos e atraía a repressão do regime.
Depois vieram as eleições de 1974, com uma vitória sobre a Arena que assustou a linha dura militar e forçou ainda mais a tal da abertura lenta e gradual. A Arena deu à luz outros partidos, principalmente o PFL, atual DEM. E o MDB virou PMDB, de onde surgiu o PSDB.
As características próprias da negociação que encerrou o período militar no Brasil e seus desdobramentos acidentais – como a ascensão de Sarney à Presidência da República – ajudaram a consolidar uma espécie de política intersticial, na qual há zonas escorregadias onde se interpenetram todas as ideologias e se acomodam todos os interesses, sob a égide do presidencialismo de coalizão. Que, a pretexto da governabilidade de resultados, tem feito a política partidária aparecer, aos olhos da população, como o poço de todos os pecados e de toda a corrupção. Se a crítica é principalmente moralista e movida a escândalos, não quer dizer que, no fundo, sua maior reivindicação não seja ética e legítima, ou seja, que o sistema, como um todo, recupere o seu compromisso fundamental com o interesse público.
O jogo gelatinoso em que se transformaram os acordos de governabilidade aprofunda-se, porém, na direção contrária do interesse público. Para usar uma expressão corrente, sabe-se como começa a busca de governabilidade, mas é melhor nem saber como termina. E, nesse contexto, o PMDB, do alto do cacife eleitoral que acumulou em todo o País desde a histórica vitória sobre a Arena em 1974, é o principal avalista do presidencialismo de coalizão.
Especializou-se em ser o fi el da balança, o partido do poder, seja quem estiver no poder. Tem virtudes, porque supostamente garante a sobrevivência de valores de centro e tende ao equilíbrio. E grandes pecados, pois continua sendo um guarda-chuva, mas para os diversos matizes de conservadorismo que puxam a política para trás, para a cultura do patrimonialismo e, indiretamente, da corrupção.
A tal ponto chegou a especialização do PMDB que nem causa mais espanto que o maior partido brasileiro, com a maior capilaridade em todo o território nacional, não se anime a lançar o seu próprio candidato à Presidência da República. O último foi Orestes Quércia, em 1994. Parece ter pragmaticamente decidido que é melhor governar de fato do que estar no trono. Ter o presidente sob controle e garantir o controle da parte que lhe toca no aparato do Estado.
Mas é inútil buscar uma suposta culpa do PMDB. O modelo vigente criou esse nicho que por circunstâncias históricas foi ocupado por ele. É cabível responsabilizá-lo e a maioria dos partidos pela prática nefasta de fazer do Estado uma partilha como se ele fosse os despojos de uma caça abatida ou a pilhagem de uma guerra. O ponto central não é esse. É como romper com aquilo em que se transformou o presidencialismo de coalizão no País: uma máquina de gerar corrupção e mau uso de recursos públicos, em cima de acordos de governabilidade.
Nenhuma novidade partidária – como um dia foi o PT – deixará de ser engolida por essa máquina, se chegar ao poder. A menos que seu propósito central, sua obsessão, seja uma modernização institucional do Estado e uma reforma do sistema político que, até mesmo, vá contra seu próprio poder presidencialista. Uma super-reforma destinada a trazer, de fato, para o centro das decisões, a democracia participativa de que tanto se fala, em vão. Com tamanha força, convicção e apoio social que, quando essa reforma for votada no Congresso, o PMDB esteja lá votando a favor dela. Sim, porque os muito pragmáticos têm apetite, mas, na hora H, também têm juízo.
Pergunta: Será que vai colar essa fi ssura digital que tomou conta dos candidatos? Será que não se está raciocinando muito em cima da realidade das eleições americanas? Nada contra, é positivo que se explorem as novas mídias, mas é preciso lembrar que apenas 27% das residências têm acesso à internet[1]. Já à televisão, são 98%. E aí, as regras eleitorais impõem uma tremenda desigualdade, fazendo quem já tem poder ser mais poderoso ainda e mais propenso a explorar as pirotecnias marqueteiras. Mas, é claro, sempre se pode contar com o imponderável para furar o bloqueio.
[1] Dados de 2009 da Pesquisa sobre Uso das Tecnologias de Informação no Brasil / TIC Domicialiar.
*Jornalista, socióloga e consultora independente[:en]Nenhuma novidade partidária escapará dessa máquina, se chegar ao poder. A menos que tenha como propósito central a modernização do Estado e a reforma política
O princípio era o MDB, o grande guardachuva político, ainda que precário, sob o qual se abrigavam, formal ou informalmente, todas as tendências e ideologias que se opunham à ditadura militar. Isso foi no tempo em que o bipartidarismo imposto nem sequer permitia que um grupamento desses se chamasse partido. Até o P (de partido) foi cassado. De 1966 a 1979, eram a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partidão da ditadura, e o Movimento Democrático Brasileiro, o partidão de quem lutava contra a ditadura pelas vias institucionais de então ou tentava proteger quem se aventurava por outros caminhos e atraía a repressão do regime.
Depois vieram as eleições de 1974, com uma vitória sobre a Arena que assustou a linha dura militar e forçou ainda mais a tal da abertura lenta e gradual. A Arena deu à luz outros partidos, principalmente o PFL, atual DEM. E o MDB virou PMDB, de onde surgiu o PSDB.
As características próprias da negociação que encerrou o período militar no Brasil e seus desdobramentos acidentais – como a ascensão de Sarney à Presidência da República – ajudaram a consolidar uma espécie de política intersticial, na qual há zonas escorregadias onde se interpenetram todas as ideologias e se acomodam todos os interesses, sob a égide do presidencialismo de coalizão. Que, a pretexto da governabilidade de resultados, tem feito a política partidária aparecer, aos olhos da população, como o poço de todos os pecados e de toda a corrupção. Se a crítica é principalmente moralista e movida a escândalos, não quer dizer que, no fundo, sua maior reivindicação não seja ética e legítima, ou seja, que o sistema, como um todo, recupere o seu compromisso fundamental com o interesse público.
O jogo gelatinoso em que se transformaram os acordos de governabilidade aprofunda-se, porém, na direção contrária do interesse público. Para usar uma expressão corrente, sabe-se como começa a busca de governabilidade, mas é melhor nem saber como termina. E, nesse contexto, o PMDB, do alto do cacife eleitoral que acumulou em todo o País desde a histórica vitória sobre a Arena em 1974, é o principal avalista do presidencialismo de coalizão.
Especializou-se em ser o fi el da balança, o partido do poder, seja quem estiver no poder. Tem virtudes, porque supostamente garante a sobrevivência de valores de centro e tende ao equilíbrio. E grandes pecados, pois continua sendo um guarda-chuva, mas para os diversos matizes de conservadorismo que puxam a política para trás, para a cultura do patrimonialismo e, indiretamente, da corrupção.
A tal ponto chegou a especialização do PMDB que nem causa mais espanto que o maior partido brasileiro, com a maior capilaridade em todo o território nacional, não se anime a lançar o seu próprio candidato à Presidência da República. O último foi Orestes Quércia, em 1994. Parece ter pragmaticamente decidido que é melhor governar de fato do que estar no trono. Ter o presidente sob controle e garantir o controle da parte que lhe toca no aparato do Estado.
Mas é inútil buscar uma suposta culpa do PMDB. O modelo vigente criou esse nicho que por circunstâncias históricas foi ocupado por ele. É cabível responsabilizá-lo e a maioria dos partidos pela prática nefasta de fazer do Estado uma partilha como se ele fosse os despojos de uma caça abatida ou a pilhagem de uma guerra. O ponto central não é esse. É como romper com aquilo em que se transformou o presidencialismo de coalizão no País: uma máquina de gerar corrupção e mau uso de recursos públicos, em cima de acordos de governabilidade.
Nenhuma novidade partidária – como um dia foi o PT – deixará de ser engolida por essa máquina, se chegar ao poder. A menos que seu propósito central, sua obsessão, seja uma modernização institucional do Estado e uma reforma do sistema político que, até mesmo, vá contra seu próprio poder presidencialista. Uma super-reforma destinada a trazer, de fato, para o centro das decisões, a democracia participativa de que tanto se fala, em vão. Com tamanha força, convicção e apoio social que, quando essa reforma for votada no Congresso, o PMDB esteja lá votando a favor dela. Sim, porque os muito pragmáticos têm apetite, mas, na hora H, também têm juízo.
Pergunta: Será que vai colar essa fi ssura digital que tomou conta dos candidatos? Será que não se está raciocinando muito em cima da realidade das eleições americanas? Nada contra, é positivo que se explorem as novas mídias, mas é preciso lembrar que apenas 27% das residências têm acesso à internet[1]. Já à televisão, são 98%. E aí, as regras eleitorais impõem uma tremenda desigualdade, fazendo quem já tem poder ser mais poderoso ainda e mais propenso a explorar as pirotecnias marqueteiras. Mas, é claro, sempre se pode contar com o imponderável para furar o bloqueio.
[1] Dados de 2009 da Pesquisa sobre Uso das Tecnologias de Informação no Brasil / TIC Domicialiar.
*Jornalista, socióloga e consultora independente