O longo caminho entre a natureza e as prateleiras
A aspirina nasceu do salgueiro, o captopril saiu do veneno da jararaca, o juazeiro é usado para fazer creme dental. Como estes, muitos produtos disponíveis atualmente nasceram da observação da natureza ou do uso que grupos étnicos fazem dela desde tempos imemoriais. Daí se poderia concluir que a diversidade biológica é fundamental para o estilo de vida moderno, mas a realidade não é tão simples. Os dados sobre o aproveitamento da biodiversidade pelos setores de cosméticos e medicamentos são imprecisos e não mostram claramente o valor dos recursos naturais em seus negócios.
Um levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2008 mostra que há 512 medicamentos fitoterápicos registrados no País. Destes, cerca de 130 utilizam plantas nativas da América do Sul. Apesar de expressivo, o número não significa aproveitamento da diversidade. Três plantas brasileiras somam 39 registros: o guaco, o guaraná e a espinheira-santa. O pesquisador Samuel Almeida, do Museu Emílio Goeldi, no Pará, acredita que a biodiversidade brasileira tem participação inexpressiva no faturamento industrial, embora isso esteja melhorando. Ele calcula que apenas 50 espécies amazônicas são utilizadas mais amplamente, e ressalta que é difícil estimar com precisão, pois os usos abrangem desde fitofármacos artesanais até a indústria de grande porte.
Por que tão pouco aproveitamento econômico no país que abriga cerca de 15% da diversidade biológica do planeta? As muitas lacunas no conhecimento que temos sobre nossos biomas são uma parte da resposta. A experiência de quem trabalha com desenvolvimento de novos produtos sugere outra parte: as empresas brasileiras não estão preparadas, não têm tempo nem recursos para investir no potencial das espécies nativas.
Segundo Cristina Ropke, da empresa de pesquisa e desenvolvimento Ybios, do total de espécies em seu portfolio, 40% são nativas. “Muitos clientes preferem trabalhar com insumos da biodiversidade mundial, já que para as espécies nativas é preciso atender a uma legislação específica que aumenta o tempo de trabalho.”
No Brasil, o uso dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados é regulado pela Medida Provisória 2.186/01, que instituiu regras para o acesso e a repartição de benefícios. A partir daí, pesquisas, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção [1] desses recursos devem ser autorizados pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
[1] Atividade que visa identificar um componente do patrimônio genético e/ou informação sobre conhecimento tradicional associado a esse patrimônio com potencial de uso comercial.
Uma visita ao site do Cgen mostra que apenas 16 dos 91 processos aprovados entre 2003 e 2009 são de empresas privadas. Todos os outros são de universidades e centros de pesquisa. Um dado no mínimo curioso se considerarmos a avalanche de sabonetes, cremes e xampus à base de guaraná, cupuaçu e açaí, entre outros, que invadiram o mercado nos últimos anos.
Sem tradução
O Brasil é o terceiro maior consumidor de produtos de beleza e higiene pessoal, mercado que atingiu faturamento de R$ 24,9 bilhões em 2009, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). O mercado interno de fitoterápicos, pouco menos de 3% do mundial, movimenta mais de R$ 700 milhões ao ano, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico (Abifisa). Num levantamento publicado em 2003, o pesquisador João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), aponta que 40% dos medicamentos disponíveis no mundo foram desenvolvidos de fontes naturais, dos quais 25% de plantas, 13% de microorganismos e 3% de animais.
Entretanto, essas cifras não se traduzem em melhor aproveitamento do potencial da natureza, tampouco em mais investimentos em conservação e manejo sustentável. Cristina Simonetti, da consultoria ambiental ERM, lida com processos de licenciamento há quase 20 anos. Segundo ela, muitas empresas já estão preocupadas em se desvencilhar de imagens ecologicamente negativas, mas são poucas as que vão além das exigências legais.
Um estudo da União para o Biocomércio Ético [2], divulgado em maio, aponta que 21 das 100 maiores empresas de cosméticos do mundo possuem políticas de proteção à biodiversidade, e somente 12 afirmam preocupar-se com isso em suas práticas de abastecimento. Temas mais complexos, como uso do conhecimento tradicional e repartição dos benefícios, fazem parte das preocupações de apenas 3 delas.
[2] A UEBT foi criada em 2007. Seus membros comprometem-se a assegurar progressivamente que as suas práticas de abastecimento promoverão a conservação da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais, e a partilha equitativa dos benefícios ao longo de toda a cadeia de abastecimento (mais aqui).
Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura, analisa que a degradação ambiental ameaça não só os ecossistemas. “É difícil quantificar, mas qualquer redução na oferta daquilo que representa nossa diferença competitiva ameaça a longevidade dos negócios.”
Hoje, a Natura compra óleos e essências cultivados ou coletados por mais de 2 mil famílias. No início deste ano, elas receberam juntas R$ 5,5 milhões. Um modelo de negócios inovador, mas que está longe de ser isento de problemas. Em 2006, por exemplo, vendedoras de ervas do Ver-o-Peso, em Belém, exigiram na Justiça a repartição de benefícios com a venda de produtos à base de priprioca, breu-branco e cumaru.
Segundo Vaz, o uso sustentável dos recursos naturais alavanca o próprio crescimento da empresa. “Na diversidade existem soluções técnicas para grande parte dos problemas da humanidade, bem como potenciais de inovação no mercado”, diz. A empresa traduz isso em ações que abrangem todo o processo produtivo. Atualmente, a Natura investe em estudos de manejo para as espécies que não são cultivadas, como a castanha-do-Brasil, e no que chama de vegetalização, ou seja, substituição de recursos não renováveis, como os minerais utilizados em maquiagens.
Entre o laboratório e o produto
O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Pedro Petrovick reforça que o conhecimento sobre nossa biodiversidade é indispensável à inovação, embora não se possa esquecer que as pesquisas com genética e nanotecnologia venham crescendo. “É interessante trabalhar com plantas, porque elas já têm moléculas prontas que podemos usar como tais, ou melhorá-las. Você analisa, vê como funciona, isola e percebe que não conseguiria imaginar uma molécula com aquela complexidade”, afirma.
Mas esse processo é longo e custa caro [3]. Para piorar, o Brasil não possui um modelo maduro de parceria entre universidades e empresas. Há alguns ensaios, como a própria Ybios, criada para facilitar esse tipo de parceria.
[3]Leva-se de três a cinco anos para concluir uma nova aplicação no setor de cosméticos e nutracêuticos. Com fármacos, o processo é ainda mais longo, devido à necessidade de estudos clínicos.
Outro gargalo para a introdução de novos produtos em escala industrial é a ausência de pesquisas para domesticação de espécies que já são utilizadas. “A maioria das variedades e espécies amazônicas domesticadas foi produzida por indígenas e povos pré-colombianos. Apesar dos avanços da biotecnologia e da genética, estamos ainda muito defasados nesse aspecto. Faltam mais instituições, pesquisadores e recursos”, diz Almeida, do Goeldi.
Para Elzo Velani, presidente da Abifisa, essa seria a melhor estratégia de conservação, mas o mercado ainda não estimula seu desenvolvimento. “Precisamos ter uma demanda que justifique o cultivo de plantas nativas e usar florestas apenas para estudos”.
Na visão de Cristina, da ERM, o déficit de pesquisas é um problema crucial a ser enfrentado, para melhorar o aproveitamento dos recursos naturais de forma responsável. “As pesquisas não conseguem responder boa parte das perguntas que temos para evitar danos irreparáveis à biodiversidade”, analisa a consultora.
Almeida reconhece que muitos pesquisadores, principalmente na Amazônia, atuam deslocados do mercado, mas afirma que também existe apropriação indevida do conhecimento gerado nas universidades, em geral, despreparadas para se proteger. Para o sucesso dos negócios, as empresas precisam de sigilo, o que destoa da prática acadêmica de medir a produtividade por meio de publicações científicas.
Pedro Petrovick reconhece essas dificuldades, mas aponta avanços. “Hoje já se aceitam patentes como valor agregado à produção do pesquisador, mas qualquer documento de patente leva a limitações sobre o número de publicações.” Mesmo assim, patente não resolve tudo. “Há muitas pesquisas que não passam da patente, pois o valor de transposição para escala comercial é elevado e nem sempre as empresas avaliam que o retorno compensará os investimentos.”
O caso do Acheflan, primeiro fitofármaco totalmente criado no País, é um raro exemplo de sucesso. Foram sete anos de pesquisa e mais de R$ 15 milhões até transformar o extrato da ervabaleeira, ou catinga-de-preto, famosa em garrafadas vendidas para esportistas de fim de semana contundidos, em um medicamento aprovado pela Anvisa. O remédio é resultado da parceria entre a Aché e quatro universidades brasileiras: Unicamp, Unifesp, PUCCampinas e UFSC. Há dois anos, o extrato chegou aos mercados dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão.
Empresas têm dificuldade em avaliar riscos ambientais
Estima-se que a cada ano se percam serviços ambientais equivalentes a 50 bilhões de euros, considerando-se apenas os ecossistemas terrestres. Um número que mostra os riscos para a viabilidade a longo prazo das empresas que dependem desses serviços. Porém, poucas parecem ter clareza sobre o grau de riscos a que estão expostas.
Pensando nisso, a ONG Fauna & Flora International, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Gvces criaram a Iniciativa Valor Natural. O objetivo é desenvolver ferramentas para capacitar investidores a adquirirem maior conhecimento a respeito do impacto de seus investimentos sobre a biodiversidade e os serviços ambientais (BSA), bem como no tocante à dependência diante desses aspectos.
Uma dessas ferramentas é o Ecosystem Services Benchmark, modelada para os setores de alimentos, bebidas e tabaco (acesse aqui).
A ferramenta foi testada em 31 empresas, em 2009. Os resultados mostram que, embora todas possuam atividades voltadas para a gestão de BSA, a maioria atua de forma reativa, limita-se a uma pequena parcela da cadeia de suprimentos e não possui estratégias para o longo prazo.
Ainda que 65% das empresas analisadas tenham algum programa-piloto implantado ou participem de iniciativas como mesas-redondas setoriais, a maioria era pequenas proposições locais e não amplos esquemas que permitam lidar com as questões em escala equivalente à sua pegada global.
Sem um claro esquema de ação orientado por uma análise abrangente dos impactos e da dependência da empresa em relação aos serviços ambientais, é difícil adotar uma atitude proativa.[:en]O longo caminho entre a natureza e as prateleiras
A aspirina nasceu do salgueiro, o captopril saiu do veneno da jararaca, o juazeiro é usado para fazer creme dental. Como estes, muitos produtos disponíveis atualmente nasceram da observação da natureza ou do uso que grupos étnicos fazem dela desde tempos imemoriais. Daí se poderia concluir que a diversidade biológica é fundamental para o estilo de vida moderno, mas a realidade não é tão simples. Os dados sobre o aproveitamento da biodiversidade pelos setores de cosméticos e medicamentos são imprecisos e não mostram claramente o valor dos recursos naturais em seus negócios.
Um levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2008 mostra que há 512 medicamentos fitoterápicos registrados no País. Destes, cerca de 130 utilizam plantas nativas da América do Sul. Apesar de expressivo, o número não significa aproveitamento da diversidade. Três plantas brasileiras somam 39 registros: o guaco, o guaraná e a espinheira-santa. O pesquisador Samuel Almeida, do Museu Emílio Goeldi, no Pará, acredita que a biodiversidade brasileira tem participação inexpressiva no faturamento industrial, embora isso esteja melhorando. Ele calcula que apenas 50 espécies amazônicas são utilizadas mais amplamente, e ressalta que é difícil estimar com precisão, pois os usos abrangem desde fitofármacos artesanais até a indústria de grande porte.
Por que tão pouco aproveitamento econômico no país que abriga cerca de 15% da diversidade biológica do planeta? As muitas lacunas no conhecimento que temos sobre nossos biomas são uma parte da resposta. A experiência de quem trabalha com desenvolvimento de novos produtos sugere outra parte: as empresas brasileiras não estão preparadas, não têm tempo nem recursos para investir no potencial das espécies nativas.
Segundo Cristina Ropke, da empresa de pesquisa e desenvolvimento Ybios, do total de espécies em seu portfolio, 40% são nativas. “Muitos clientes preferem trabalhar com insumos da biodiversidade mundial, já que para as espécies nativas é preciso atender a uma legislação específica que aumenta o tempo de trabalho.”
No Brasil, o uso dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados é regulado pela Medida Provisória 2.186/01, que instituiu regras para o acesso e a repartição de benefícios. A partir daí, pesquisas, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção [1] desses recursos devem ser autorizados pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
[1] Atividade que visa identificar um componente do patrimônio genético e/ou informação sobre conhecimento tradicional associado a esse patrimônio com potencial de uso comercial.
Uma visita ao site do Cgen mostra que apenas 16 dos 91 processos aprovados entre 2003 e 2009 são de empresas privadas. Todos os outros são de universidades e centros de pesquisa. Um dado no mínimo curioso se considerarmos a avalanche de sabonetes, cremes e xampus à base de guaraná, cupuaçu e açaí, entre outros, que invadiram o mercado nos últimos anos.
Sem tradução
O Brasil é o terceiro maior consumidor de produtos de beleza e higiene pessoal, mercado que atingiu faturamento de R$ 24,9 bilhões em 2009, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). O mercado interno de fitoterápicos, pouco menos de 3% do mundial, movimenta mais de R$ 700 milhões ao ano, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico (Abifisa). Num levantamento publicado em 2003, o pesquisador João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), aponta que 40% dos medicamentos disponíveis no mundo foram desenvolvidos de fontes naturais, dos quais 25% de plantas, 13% de microorganismos e 3% de animais.
Entretanto, essas cifras não se traduzem em melhor aproveitamento do potencial da natureza, tampouco em mais investimentos em conservação e manejo sustentável. Cristina Simonetti, da consultoria ambiental ERM, lida com processos de licenciamento há quase 20 anos. Segundo ela, muitas empresas já estão preocupadas em se desvencilhar de imagens ecologicamente negativas, mas são poucas as que vão além das exigências legais.
Um estudo da União para o Biocomércio Ético [2], divulgado em maio, aponta que 21 das 100 maiores empresas de cosméticos do mundo possuem políticas de proteção à biodiversidade, e somente 12 afirmam preocupar-se com isso em suas práticas de abastecimento. Temas mais complexos, como uso do conhecimento tradicional e repartição dos benefícios, fazem parte das preocupações de apenas 3 delas.
[2] A UEBT foi criada em 2007. Seus membros comprometem-se a assegurar progressivamente que as suas práticas de abastecimento promoverão a conservação da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais, e a partilha equitativa dos benefícios ao longo de toda a cadeia de abastecimento (mais aqui).
Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura, analisa que a degradação ambiental ameaça não só os ecossistemas. “É difícil quantificar, mas qualquer redução na oferta daquilo que representa nossa diferença competitiva ameaça a longevidade dos negócios.”
Hoje, a Natura compra óleos e essências cultivados ou coletados por mais de 2 mil famílias. No início deste ano, elas receberam juntas R$ 5,5 milhões. Um modelo de negócios inovador, mas que está longe de ser isento de problemas. Em 2006, por exemplo, vendedoras de ervas do Ver-o-Peso, em Belém, exigiram na Justiça a repartição de benefícios com a venda de produtos à base de priprioca, breu-branco e cumaru.
Segundo Vaz, o uso sustentável dos recursos naturais alavanca o próprio crescimento da empresa. “Na diversidade existem soluções técnicas para grande parte dos problemas da humanidade, bem como potenciais de inovação no mercado”, diz. A empresa traduz isso em ações que abrangem todo o processo produtivo. Atualmente, a Natura investe em estudos de manejo para as espécies que não são cultivadas, como a castanha-do-Brasil, e no que chama de vegetalização, ou seja, substituição de recursos não renováveis, como os minerais utilizados em maquiagens.
Entre o laboratório e o produto
O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Pedro Petrovick reforça que o conhecimento sobre nossa biodiversidade é indispensável à inovação, embora não se possa esquecer que as pesquisas com genética e nanotecnologia venham crescendo. “É interessante trabalhar com plantas, porque elas já têm moléculas prontas que podemos usar como tais, ou melhorá-las. Você analisa, vê como funciona, isola e percebe que não conseguiria imaginar uma molécula com aquela complexidade”, afirma.
Mas esse processo é longo e custa caro [3]. Para piorar, o Brasil não possui um modelo maduro de parceria entre universidades e empresas. Há alguns ensaios, como a própria Ybios, criada para facilitar esse tipo de parceria.
[3]Leva-se de três a cinco anos para concluir uma nova aplicação no setor de cosméticos e nutracêuticos. Com fármacos, o processo é ainda mais longo, devido à necessidade de estudos clínicos.
Outro gargalo para a introdução de novos produtos em escala industrial é a ausência de pesquisas para domesticação de espécies que já são utilizadas. “A maioria das variedades e espécies amazônicas domesticadas foi produzida por indígenas e povos pré-colombianos. Apesar dos avanços da biotecnologia e da genética, estamos ainda muito defasados nesse aspecto. Faltam mais instituições, pesquisadores e recursos”, diz Almeida, do Goeldi.
Para Elzo Velani, presidente da Abifisa, essa seria a melhor estratégia de conservação, mas o mercado ainda não estimula seu desenvolvimento. “Precisamos ter uma demanda que justifique o cultivo de plantas nativas e usar florestas apenas para estudos”.
Na visão de Cristina, da ERM, o déficit de pesquisas é um problema crucial a ser enfrentado, para melhorar o aproveitamento dos recursos naturais de forma responsável. “As pesquisas não conseguem responder boa parte das perguntas que temos para evitar danos irreparáveis à biodiversidade”, analisa a consultora.
Almeida reconhece que muitos pesquisadores, principalmente na Amazônia, atuam deslocados do mercado, mas afirma que também existe apropriação indevida do conhecimento gerado nas universidades, em geral, despreparadas para se proteger. Para o sucesso dos negócios, as empresas precisam de sigilo, o que destoa da prática acadêmica de medir a produtividade por meio de publicações científicas.
Pedro Petrovick reconhece essas dificuldades, mas aponta avanços. “Hoje já se aceitam patentes como valor agregado à produção do pesquisador, mas qualquer documento de patente leva a limitações sobre o número de publicações.” Mesmo assim, patente não resolve tudo. “Há muitas pesquisas que não passam da patente, pois o valor de transposição para escala comercial é elevado e nem sempre as empresas avaliam que o retorno compensará os investimentos.”
O caso do Acheflan, primeiro fitofármaco totalmente criado no País, é um raro exemplo de sucesso. Foram sete anos de pesquisa e mais de R$ 15 milhões até transformar o extrato da ervabaleeira, ou catinga-de-preto, famosa em garrafadas vendidas para esportistas de fim de semana contundidos, em um medicamento aprovado pela Anvisa. O remédio é resultado da parceria entre a Aché e quatro universidades brasileiras: Unicamp, Unifesp, PUCCampinas e UFSC. Há dois anos, o extrato chegou aos mercados dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão.
Empresas têm dificuldade em avaliar riscos ambientais
Estima-se que a cada ano se percam serviços ambientais equivalentes a 50 bilhões de euros, considerando-se apenas os ecossistemas terrestres. Um número que mostra os riscos para a viabilidade a longo prazo das empresas que dependem desses serviços. Porém, poucas parecem ter clareza sobre o grau de riscos a que estão expostas.
Pensando nisso, a ONG Fauna & Flora International, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Gvces criaram a Iniciativa Valor Natural. O objetivo é desenvolver ferramentas para capacitar investidores a adquirirem maior conhecimento a respeito do impacto de seus investimentos sobre a biodiversidade e os serviços ambientais (BSA), bem como no tocante à dependência diante desses aspectos.
Uma dessas ferramentas é o Ecosystem Services Benchmark, modelada para os setores de alimentos, bebidas e tabaco (acesse aqui).
A ferramenta foi testada em 31 empresas, em 2009. Os resultados mostram que, embora todas possuam atividades voltadas para a gestão de BSA, a maioria atua de forma reativa, limita-se a uma pequena parcela da cadeia de suprimentos e não possui estratégias para o longo prazo.
Ainda que 65% das empresas analisadas tenham algum programa-piloto implantado ou participem de iniciativas como mesas-redondas setoriais, a maioria era pequenas proposições locais e não amplos esquemas que permitam lidar com as questões em escala equivalente à sua pegada global.
Sem um claro esquema de ação orientado por uma análise abrangente dos impactos e da dependência da empresa em relação aos serviços ambientais, é difícil adotar uma atitude proativa.