Importante meio de comunicação sobre sustentabilidade, a publicação desperta críticas e começa a rever formato e conteúdo
Chegam meados do ano e começa a temporada de divulgação dos relatórios de sustentabilidade. Quem está incluído nos canais de distribuição acumula em sua mesa várias publicações muito bem desenhadas, algumas com mais de 100 páginas de um conteúdo que procura mapear os compromissos e ações de sustentabilidade das empresas ao longo do ano anterior.
Em geral, o processo de elaboração de um relatório de sustentabilidade engloba todos os setores-chave das empresas no mapeamento do desempenho social, ambiental e econômico ao longo do ano. O modelo de preparação mais disseminado mundialmente é o desenvolvido no âmbito da Global Reporting Initiative (GRI). Em 2009, 1.382 empresas registraram na GRI seus relatórios produzidos segundo esses parâmetros.
O Brasil tem-se destacado na produção de relatórios de sustentabilidade, chegando ao ponto de apenas empresas brasileiras terem ganhado em todas as seis categorias da edição de 2010 do Readers’ Choice Award, prêmio concedido pela GRI. Isso também pode ser percebido no aumento constante de empresas brasileiras que desenvolvem seus relatórios segundo os padrões da GRI: de apenas 5, em 2002, para 65, em 2009.
É inegável que a preparação e a divulgação dos relatórios de sustentabilidade representam uma tendência que chegou para ficar. Mas, à medida que eles se multiplicam, começam também a surgir críticas aos formatos usados e sua relevância para os leitores. Afinal, faz sentido investir tanto tempo, trabalho e recursos financeiros e naturais para desenvolver documentos cujo destino final, muitas vezes, é servir de enfeite de mesa ou peso de papel?
Para as pessoas e instituições ouvidas por Página22 a resposta é sim. Sonia Favaretto, diretora de Sustentabilidade da BM&FBovespa, defende que o relatório de sustentabilidade é uma peça fundamental no processo de transparência das empresas. “É um instrumento pelo qual elas podem dialogar com a sociedade sobre suas políticas, metas e planos. Por isso, o espaço conquistado pelos relatórios de sustentabilidade não tem volta.”
Luciana Alvarez, gerente de comunicação externa e responsabilidade social da AES Eletropaulo, chama atenção para o aspecto de ferramenta auxiliar no processo de gestão da sustentabilidade. “Na hora em que levantamos os dados e os relatamos, conseguimos ver com mais clareza os pontos fortes e aqueles que devem ser melhorados, temos uma noção mais clara de metas e indicadores, entendemos como podemos melhorar a cada ação concluída e, assim, nós nos aprimoramos ano a ano.”
Longos e penosos de ler
Se a importância dos relatórios de sustentabilidade não é questionada, o que dizer dos conteúdos e formas de apresentação? Eles facilitam ou dificultam a leitura?
Uma pista de resposta a essa pergunta pode ser encontrada em uma pesquisa feita pelo Coppead/UFRJ, em 2007, em relatórios de sustentabilidade preparados por bancos brasileiros. A análise mostrou que eles tinham em média 128 páginas. Ou seja, eram “longos, penosos de ser lidos e com mais de dez vezes o número de páginas de um relatório de analista de investimento”.
Além disso, apenas 5% das informações referiam-se aos benefícios financeiros, significando, em consequência, que “o esforço da leitura dos relatórios não compensa tanto quanto deveria para um leitor do mercado financeiro”.
Nesse contexto, a busca por mais objetividade, por produzir documentos menores nos quais a materialidade [1] das ações de sustentabilidade esteja evidente para os leitores representa um desafio importante para as empresas.
[1] A materialidade procura demonstrar o grau de relevância da informação de acordo com os públicos de interesse.
Associada a isso vem a tendência cada vez maior de uso de versões puramente digitais. Este ano a AES, por exemplo, disponibilizou apenas pela internet os relatórios das seis empresas do grupo. ”Houve um consenso entre as diversas áreas da empresa e da diretoria no sentido de não produzir um relatório físico. Optamos somente pela versão virtual e usamos instrumentos como o Twitter e mailing list para fazer a divulgação. Vamos seguir avaliando a receptividade ao longo do segundo semestre, mas em princípio a fórmula está funcionando bem”, diz Luciana Alvarez.
A força do engajamento
Mas escrever relatórios menores e com formato atraente não é o bastante para garantir o engajamento dos públicos de interesse. Álvaro Almeida, diretor da Report Comunicação, umas das empresas pioneiras no desenvolvimento de relatórios de sustentabilidade no Brasil, chama atenção para a importância da materialidade associada ao diálogo.
“A definição da materialidade das ações de sustentabilidade exige um exercício permanente de diálogo das empresas com a sociedade, com os stakeholders. E para muitas empresas este é um grande desafio, porque implica mudar uma cultura de olhar apenas para si mesma, e voltar-se para fora. O passo seguinte é trazer esse conhecimento do que os públicos querem, do que o mercado demanda, para a própria gestão da sustentabilidade, com métricas claras e objetivas.”
Promover processos de diálogo e aprendizagem com os públicos de interesse nem sempre é um processo fácil e há diversas fórmulas sendo aplicadas. Sonia Favaretto defende um processo permanente, no qual todas as oportunidades de interação sejam aproveitadas. “Não acho que tenhamos de fazer um processo específico de consulta para o relatório. O que devemos buscar é aproveitar as interações que as várias áreas da empresa já desenvolvem ao longo do ano.”
A Natura criou um espaço virtual usando uma plataforma wiki [2] para garantir a participação ativa dos diversos públicos de interesse. As pessoas se inscreveram no espaço virtual, informaram a que público pertenciam e eram estimuladas a debater os temas prioritários da agenda de sustentabilidade da empresa. Essas contribuições e discussões foram consolidadas em um documento publicado no site da empresa e no relatório de sustentabilidade impresso. “É como se fosse uma carta de comentários e sugestões de melhorias destes públicos”, diz Rodolfo Gutilla, diretor de assuntos corporativos da Natura.
[2] “Wiki wiki” significa “muito rápido” no idioma havaiano. Uma Web Wiki permite que os documentos sejam editados coletivamente com uma linguagem de marcação simples e eficaz, por meio de um navegador web. O exemplo mais conhecido de uso da ferramenta é a Wikipédia.
A SAP, líder mundial de software voltado para a gestão empresarial, é outro exemplo. A empresa, sediada na Alemanha, acaba de divulgar seu relatório de sustentabilidade de 2009 totalmente baseado na internet (acesse-o aqui), que permite interação com o público, investidores e clientes, parceiros e funcionários.
Uma só língua
Depois de relatórios mais curtos e objetivos, que usem os canais digitais para divulgação e interação e que promovam um engajamento real dos públicos de interesse com uma materialidade efetiva das ações de sustentabilidade, a outra grande tendência é o desenvolvimento dos relatórios integrados. O que se busca é integrar em um único documento a análise econômico-financeira, a social e a ambiental, evidenciando as correlações de causa-efeito entre as três áreas.
Para Álvaro Almeida, o desafio é grande porque são mundos distintos. “Por um lado, temos uma área de relações com investidores habituada a números e resultados concretos e para a qual a sustentabilidade, quando aparece, fica restrita a um slide no fim de uma apresentação”, diz. “De outro, o mundo da sustentabilidade precisa se aproximar da gestão do negócio, para evitar falar línguas diferentes. Ou seja, as iniciativas de sustentabilidade precisam quantificar seus impactos econômicos e as iniciativas que envolvem o mercado precisam ser transformadas em indicadores sociais e ambientais. E tudo isso precisa ser contemplado em um único relatório.”
Se as empresas ainda estão procurando formas de produzir relatórios de sustentabilidade que sejam relevantes para seus públicos de interesse e para a sociedade, a GRI projeta apenas para 2020 a existência de um padrão global de relatório integrado. Enquanto isso, algumas iniciativas para puxar essa discussão já despontam, como a liderada pelo professor de Harvard Robert G. Eccles, coautor do livro One Report – Integrated reporting for a sustainable society (mais aqui).
Um dos casos apresentados na publicação é o da Natura, que desde 2002 desenvolve relatórios únicos, trazendo juntas as análises econômico-financeiras, ambientais e sociais. “Estamos ainda longe de ter um relatório realmente integrado. Temos consciência de que fazer essa integração é um processo de aprendizagem, não é trivial. Mas estamos caminhando nesse sentido”, diz Rodolfo Gutilla.
_______________________________________
O que dizem alguns especialistas
Ernst Ligteringen, diretor-executivo da GRI: “Os relatórios de sustentabilidade beneficiam-se de um sólido engajamento dos públicos de interesse, já que isso ajuda a desenvolver uma avaliação eficaz da materialidade e a reportá-la de maneira equilibrada. A relevância é alcançada quando o relatório tem um valor demonstrável para a companhia e para os públicos de interesse como uma peça de comunicação, como uma base para discussão sobre os impactos econômico, ambiental e social da empresa e como um registro das ações da empresa voltadas para a criação de valor e gerenciamento de risco de longo prazo.”
Natalya Sverjensky, da agência de comunicação britânica Futerra, especializada em sustentabilidade: “Não pense em produzir um relatório até que tenha clareza sobre a quem você quer que a informação chegue. Uma vez que tiver esse forte e claro objetivo em mente, poderá determinar o formato e conteúdo mais adequados ao seu relatório – que, espero, não será um PDF.” Abaixo, alguns exemplos de boa comunicação, na opinião de Natalya:
• Engajamento de públicos de interesse: Timberland’s Earthkeepers Voices of Challenge (mais aqui)
• Ferramenta digital alinhada com a marca: o showcase da L’Oréal sobre iniciativas locais de sustentabilidade ao redor do mundo.
• Entendendo a audiência: o relatório Dear Cadbury, de 2008, é considerado um marco
• Uso de mídias sociais: o canal da Siemens no YouTube