As espécies exóticas invasoras são o segundo maior fator de perda de biodiversidade. Mas somente a ação de uma espécie – a humana – poderá resolver o problema ela que provocou
A globalização, com comércio crescente e intensos fluxos de bens e pessoas, também facilitou a transferência de espécies exóticas invasoras. Elas causam a degradação de ambientes naturais e agrícolas, levam a grandes prejuízos econômicos e, segundo o Programa Global de Espécies Invasoras (Gisp, na sigla em inglês), já representam a segunda causa de perda da biodiversidade no planeta – atrás da destruição de habitats pela ação humana. Só no Brasil, foram identificadas mais de 380 espécies, catalogadas pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.
Um estudo conduzido pelos Estados Unidos avalia em US$ 137 bilhões o custo anual associado a uma gama de espécies exóticas invasoras só no seu território. Na publicação América Latina Invadida, de 2005, da The Nature Conservancy, que coordena o Programa de Espécies Invasoras para a América do Sul, a ONG estima que cerca de US$ 50 bilhões seriam gastos somente pelo Brasil a cada ano devido à presença de espécies exóticas em nossos ecossistemas.
Os custos econômicos vão além do controle dessas espécies: incluem a redução da produtividade das culturas agrícolas, a reparação de seus prejuízos em relação a água, solo e espécies nativas, o financiamento de métodos que possam desacelerar a invasão e os gastos em saúde pública.
Segundo Sílvia Ziller, representante na América Latina do Gisp e diretora do Instituto Hórus, as espécies só cruzam oceanos e cadeias de montanhas porque têm ajuda humana. “Por essa razão, o homem é responsável por trabalhar para reverter processos de invasão biológica, já que não são problemas que se resolvem por conta da natureza”, afirma. Para combater o problema, regulamentação, fiscalização e monitoramento em todos os âmbitos governamentais precisam ser implantados.
Conheça a trajetória de algumas dessas espécies, quais prejuízos causam e como podem ser combatidas:
1. Erva-do-Sião (Chromolaena odorata)
Origem: Extensão entre a Flórida e o Norte da Argentina.
Destinos: África, Sudeste da Ásia, e partes da Oceania.
Invade pastagens, lavouras e plantações, diminuindo a produtividade agrícola. Também tende a formar densos arvoredos, que sufoca a vegetação nativa e faz aumentar a frequência de incêndios. As folhas causam diarreia aguda no gado e o contato com os homens causa erupções na pele e irritação. Os métodos de controle utilizados dependem do tamanho da planta e do tipo de vegetação infestada (vão de herbicidas a queimadas anuais). Agentes biológicos também estão sendo investigados, como a mosca Cecidochares connexa, com sucesso na Indonésia.
2. Capim-annoni (Eragrostis plana)
Origem: África do Sul.
Destinos: Brasil, Uruguai, Argentina, EUA.
Inibe a germinação e o crescimento de outras plantas por meio da liberação de substâncias químicas no solo. A espécie é rejeitada pelos rebanhos por ser de difícil digestão. Provoca o desgaste prematuro dos dentes e, por não ser consumida, diminui a área pastejada e não engorda o gado. Isso aumenta a pressão dos animais sobre as espécies nativas e facilita ainda mais a invasão dos campos pela espécie exótica. Perdese também na produtividade e na renda do produtor.
A principal forma de controle é o uso de herbicidas, mas estes matam as espécies nativas também. Outra medida é a conversão da área infestada em outras culturas, o que requer de quatro a seis anos consecutivos de cultivo. O controle biológico é a melhor – e talvez a única – solução viável para reduzir as áreas invadidas nos campos sulinos, que já possuem 20% de sua área coberta por capim-annoni.
3. Porcos asselvajados (os domésticos que, quando soltos em ambiente natural, adquirem comportamento selvagem)
Origem: Eurásia e Norte da África.
Destinos: Países das Américas Central e do Sul.
Causa danos à vegetação, em razão da grande quantidade de frutas, sementes, brotos, raízes e bulbos que consome, além de minhocas e cobras. Assim, não apenas reduz os alimentos disponíveis para outros animais, como também impede a regeneração da vegetação, arrancando mudas e escavando o solo. Danifica áreas de cultivos e ataca cordeiros, cabras e bezerros jovens. Dissemina doenças como a leptospirose e a febre aftosa.
O controle se dá com o incentivo à caça, o uso de armadilhas para captura e abate, e por envenenamento, sob condições específicas.
4. Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus)
Origem: África e Oriente Médio.
Destinos: Quase todos os países tropicais (é o segundo peixe de água doce mais cultivado no mundo).
Impacta a biodiversidade local, pois domina a biomassa de peixes de águas em que se estabelece e compete com as espécies nativas em relação à alimentação, habitat e locais de reprodução. Provavelmente facilita a disseminação de parasitas nos peixes.
Não há métodos de controle eficazes para a tilápia e para organismos aquáticos em geral, por isso é extremamente importante prevenir sua chegada a corpos d’água.
5. Mainá (Acridotheres tristis)
Origem: Índia e países vizinhos do Sul da Ásia.
Destinos: Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Havaí, Nova Caledônia, Fiji, Samoa, Ilhas Salomão, Ilhas Cook, e outras ilhas oceânicas.
Compete agressivamente com as espécies nativas por alimentação e locais de nidificação. Danifica frutas e grãos nas áreas de agricultura, e pode causar declínio nas populações de insetos. Nas cidades, ataca também jardins.
Para o mainá (e outras aves) o controle é realizado por meio de armadilhas e caça a tiro. Em alguns casos, iscas com veneno são usadas, quando não há riscos de atingir outras espécies.
6. Aguapé (Eichhornia crassipes)
Origem: Bacia Amazônica.
Destinos: Já é encontrado em mais de 50 países em cinco continentes. Com belas flores púrpuras e violetas, foi procurado para ornamentar pequenos açudes ao redor do mundo. Seu primeiro registro no Rio Nilo é dos anos 1890, de onde se dispersou por todo o continente.
Causa infestações que bloqueiam corpos d’água, limitando o tráfego de embarcações e a pesca, interferindo diretamente no comércio de pescado e em atividades recreativas. Dificulta a entrada de luz e oxigênio para outras plantas aquáticas, reduz a população de fitoplânctons e facilita a ocorrência de mosquitos.
O controle biológico é a única opção sustentável. Uma solução bem-sucedida foi adotada no Sudão, com a liberação no Nilo de gorgulhos (insetos) Neochetina eichhorniae e Neochetina bruchi, que se alimentam do aguapé. Esta ação mostrou-se eficaz em aproximadamente 20 países do continente.
7. Arbusto tojo (Ulex europaeus)
Origem: Regiões Central e Oeste da Europa.
Destinos: América do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Costa Leste dos Estados Unidos, e áreas tropicais montanhosas, como no Sri Lanka, Ilha da Reunião e Havaí.
Forma capões densos que reduzem as pastagens e criam barreira impenetrável para pessoas e animais. Aumenta a frequência e intensidade de incêndios, por ser altamente inflamável. Na Colômbia, está invadindo os Andes, atingindo altitudes de 3.500 metros. Na Argentina e na Patagônia, avança sobre ambientes naturais nos Pampas, enquanto no Brasil se propaga nos Campos Sulinos.
A aplicação de herbicida sobre as cepas, após o corte, é um método de controle efetivo. Grandes infestações são removidas mecanicamente por máquinas de terraplanagem ou por tratores equipados com subsoladores. A reinfestação pode ser inibida com o plantio de espécies nativas. No Chile, alguns bons resultados têm sido alcançados com o Agonopterix ulicetella, um inseto herbívoro, embora outros agentes biológicos sejam necessários para complementar a efetividade do método.
8. Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei)
Origem: China e Sudeste Asiático
Destinos: Nos anos 1960 alcançou Hong Kong, Japão e Taiwan. Em 1991, foi detectado na foz do Rio da Prata, provavelmente trazido com a água de lastro dos navios. Hoje ocorre em toda a Bacia do Rio Paraná, que liga Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil e Bolívia.
Obstrui tubulações e filtros de água de estações de tratamento, indústrias e usinas de energia elétrica. Mexilhões mortos poluem os sistemas de água potável. Também pode afetar estações de aquicultura, incrustando gaiolas e redes e competindo com outros consumidores de plâncton. Moluscos nativos são sufocados e morrem de fome à medida que os mexilhões se instalam sobre eles e competem por alimento.
Entre os métodos de controle estão a limpeza mecânica, o tratamento químico e térmico, a explosão de bolhas de dióxido de carbono, a aplicação de tintas anti-incrustantes, o congelamento e a dissecação. O tratamento com solução de cloro aquecida mata mexilhões incrustados em sistemas de água e serve como medida de prevenção para novas infestações. É aplicável nas usinas e instalações de captação de água, porém quando usados de forma ampla impactam espécies nativas.
Clique aqui para saber mais sobre espécies invasoras no Brasil, além de algumas curiosidades.
No Blog De Lá pra Cá, Flavia Pardini também já relatou o impressionante esquema montado nos aeroportos australianos para verificar não computadores ou eletrônicos cobiçados, mas restos de terra nos sapatos, barras de chocolate, colarzinhos de sementes ou qualquer coisa que possa ser entendida como “ivasora”.
Fontes: Sílvia Ziller, diretora-executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental e diretora para a América Latina do Programa Global de Espécies Invasoras (Gisp); Telmo Focht, doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Publicações do Programa Global de Espécies Invasoras (Gisp): Ásia Tropical Invadida, África Invadida e América do Sul Invadida.