A regulação internacional de florestas pode legalizar a exploração de madeira e conservar a Amazônia. O ponto sensível é expor a corrupção e a pouca transparência do setor no País
A questão florestal e o papel do Poder Público, como seu gestor, vêm tomando, dia a dia, maior espaço de discussão nas agendas nacional e internacional. Temas que impulsionam essas agendas estão centrados nos diversos impactos ambientais e sociais que a exploração predatória das florestas provoca, em especial no bioma Amazônia. Entre os impactos, estão o aumento da emissão de gases de efeito estufa, a grande perda de biodiversidade e até questões sociais e culturais, como o empobrecimento das populações tradicionais e indígenas.
[1] Ao perderem as fontes originais de manutenção, com o avanço do desmatamento e da degradação florestal.
Esse cenário se agrava ao se levar em conta que o índice de ilegalidade do setor madeireiro brasileiro oscila entre 40% e 80% da produção total, e o Poder Público é o responsável tanto pela gestão dessa exploração – hoje marcada por falta de governança, de investimentos, grande impunidade e corrupção – quanto por figurar como um dos maiores consumidores de madeira de origem amazônica.
Diante disso, há um grande movimento para criar instrumentos reguladores da produção e consumo dos insumos florestais, tais como legislações locais, aumento de operações de fiscalização de fronteiras e depósitos de madeira nos mercados consumidores, mecanismos econômicos que impulsionam novas práticas (como o caso da certificação florestal e das compras públicas sustentáveis), além de mecanismos de regulação internacional de adesão voluntária, pressionando a regularização da cadeia produtiva pelos países produtores.
Dois grandes mecanismos de regulação internacional vêm crescendo em importância no mercado madeireiro, inclusive influenciando a adoção, por grandes países produtores e exportadores de madeira, de legislações mais restritivas de exploração e comercialização desse produto. São eles o Flegt europeu e o Lacey Act americano.
O Flegt, na sigla em inglês, significa Plano de Ação para Cumprimento da Legislação, Governança e Comércio no Setor Florestal – iniciativa adotada pelos países da União Europeia desde 2003, diante da identificação de serem eles um dos maiores consumidores de madeira do mundo, e possíveis fomentadores do mercado ilegal de madeira. Esse plano de ação prevê investimentos na melhoria da administração dos setores florestais dos países produtores, incluindo a implementação de sistemas de rastreamento e licenças que garantam de fato a procedência legal da madeira importada pela Europa, por meio da adesão a um acordo de parceria voluntária com os países produtores de madeira.
As negociações com o Flegt envolvem países como Congo, Gana, Malásia e Indonésia, que têm na madeira uma commodity com significativa participação no PIB e, por isso, visam um acesso cada vez maior aos grandes mercados internacionais. Todo esse ganho financeiro tem a sua contraparte na pressão que esse mecanismo gera para a regulamentação interna, que prevê os devidos registros, pelas empresas que exploram madeira, do cumprimento de obrigações previdenciárias e trabalhistas, do respeito aos direitos de comunidades locais e populações indígenas, da regulamentação do transporte e comercialização de madeira, entre outras exigências, todas auditadas por entidades independentes e externas.
Já o Lacey Act americano abrange uma maior gama de produtos, uma vez que inclui espécies silvestres da fauna e da flora, sendo, no caso da madeira, apenas a de origem nativa. Seu modelo não prevê parcerias vinculantes com países exportadores, mas, sim, parcerias técnicas de acesso a informações para checagem de critérios previstos na legislação americana.
E o Brasil, como se posiciona quanto a esses mecanismos, em especial o Flegt? Estudos recentes do Imazon apontam que o volume de madeira nativa amazônica exportada é de 21% do explorado, ficando a maior parte no mercado interno, o que enfraquece a importância de adesão a regulamentações internacionais pelo Estado brasileiro.
Mas a discussão não se restringe ao argumento de essa commodity não justificar, comercialmente, uma parceria bilateral estratégica. A adesão a esse mecanismo internacional, que tem por base uma verificação fina da cadeia produtiva da madeira amazônica, poderia apontar para uma exposição da fragilidade de aplicação e fiscalização da lei ambiental e florestal nacional. Isso porque, apesar da robustez de nossa legislação, ela enfrenta uma série de fraudes e sabotagens nos sistemas de controle, onde a falta de governança e transparência ainda imperam.
Ao resistir à regulamentação internacional, o Brasil pode deixar de agregar ao seu leque de mecanismos de proteção ambiental uma ferramenta importante de denúncia e pressão que poderia funcionar como indutora da legalidade da produção madeireira e, consequentemente, da conservação da Floresta Amazônica. Perdem, também, aqueles que lutam para que a lei nacional seja aplicada e cobrada com a pressa que o planeta expressa para a manutenção de seus recursos e da espécie humana.
*Coordenadora do Programa de Consumo Sustentável do GVces.
**Coordenadora da rede Amigos da Amazônia do GVces/GVceapg.[:en]A regulação internacional de florestas pode legalizar a exploração de madeira e conservar a Amazônia. O ponto sensível é expor a corrupção e a pouca transparência do setor no País
A questão florestal e o papel do Poder Público, como seu gestor, vêm tomando, dia a dia, maior espaço de discussão nas agendas nacional e internacional. Temas que impulsionam essas agendas estão centrados nos diversos impactos ambientais e sociais que a exploração predatória das florestas provoca, em especial no bioma Amazônia. Entre os impactos, estão o aumento da emissão de gases de efeito estufa, a grande perda de biodiversidade e até questões sociais e culturais, como o empobrecimento das populações tradicionais e indígenas.
[1] Ao perderem as fontes originais de manutenção, com o avanço do desmatamento e da degradação florestal.
Esse cenário se agrava ao se levar em conta que o índice de ilegalidade do setor madeireiro brasileiro oscila entre 40% e 80% da produção total, e o Poder Público é o responsável tanto pela gestão dessa exploração – hoje marcada por falta de governança, de investimentos, grande impunidade e corrupção – quanto por figurar como um dos maiores consumidores de madeira de origem amazônica.
Diante disso, há um grande movimento para criar instrumentos reguladores da produção e consumo dos insumos florestais, tais como legislações locais, aumento de operações de fiscalização de fronteiras e depósitos de madeira nos mercados consumidores, mecanismos econômicos que impulsionam novas práticas (como o caso da certificação florestal e das compras públicas sustentáveis), além de mecanismos de regulação internacional de adesão voluntária, pressionando a regularização da cadeia produtiva pelos países produtores.
Dois grandes mecanismos de regulação internacional vêm crescendo em importância no mercado madeireiro, inclusive influenciando a adoção, por grandes países produtores e exportadores de madeira, de legislações mais restritivas de exploração e comercialização desse produto. São eles o Flegt europeu e o Lacey Act americano.
O Flegt, na sigla em inglês, significa Plano de Ação para Cumprimento da Legislação, Governança e Comércio no Setor Florestal – iniciativa adotada pelos países da União Europeia desde 2003, diante da identificação de serem eles um dos maiores consumidores de madeira do mundo, e possíveis fomentadores do mercado ilegal de madeira. Esse plano de ação prevê investimentos na melhoria da administração dos setores florestais dos países produtores, incluindo a implementação de sistemas de rastreamento e licenças que garantam de fato a procedência legal da madeira importada pela Europa, por meio da adesão a um acordo de parceria voluntária com os países produtores de madeira.
As negociações com o Flegt envolvem países como Congo, Gana, Malásia e Indonésia, que têm na madeira uma commodity com significativa participação no PIB e, por isso, visam um acesso cada vez maior aos grandes mercados internacionais. Todo esse ganho financeiro tem a sua contraparte na pressão que esse mecanismo gera para a regulamentação interna, que prevê os devidos registros, pelas empresas que exploram madeira, do cumprimento de obrigações previdenciárias e trabalhistas, do respeito aos direitos de comunidades locais e populações indígenas, da regulamentação do transporte e comercialização de madeira, entre outras exigências, todas auditadas por entidades independentes e externas.
Já o Lacey Act americano abrange uma maior gama de produtos, uma vez que inclui espécies silvestres da fauna e da flora, sendo, no caso da madeira, apenas a de origem nativa. Seu modelo não prevê parcerias vinculantes com países exportadores, mas, sim, parcerias técnicas de acesso a informações para checagem de critérios previstos na legislação americana.
E o Brasil, como se posiciona quanto a esses mecanismos, em especial o Flegt? Estudos recentes do Imazon apontam que o volume de madeira nativa amazônica exportada é de 21% do explorado, ficando a maior parte no mercado interno, o que enfraquece a importância de adesão a regulamentações internacionais pelo Estado brasileiro.
Mas a discussão não se restringe ao argumento de essa commodity não justificar, comercialmente, uma parceria bilateral estratégica. A adesão a esse mecanismo internacional, que tem por base uma verificação fina da cadeia produtiva da madeira amazônica, poderia apontar para uma exposição da fragilidade de aplicação e fiscalização da lei ambiental e florestal nacional. Isso porque, apesar da robustez de nossa legislação, ela enfrenta uma série de fraudes e sabotagens nos sistemas de controle, onde a falta de governança e transparência ainda imperam.
Ao resistir à regulamentação internacional, o Brasil pode deixar de agregar ao seu leque de mecanismos de proteção ambiental uma ferramenta importante de denúncia e pressão que poderia funcionar como indutora da legalidade da produção madeireira e, consequentemente, da conservação da Floresta Amazônica. Perdem, também, aqueles que lutam para que a lei nacional seja aplicada e cobrada com a pressa que o planeta expressa para a manutenção de seus recursos e da espécie humana.
*Coordenadora do Programa de Consumo Sustentável do GVces.
**Coordenadora da rede Amigos da Amazônia do GVces/GVceapg.