410 a 63. Depois de dois anos de discussão, foi esse o placar que aprovou, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que altera o Código Florestal Brasileiro, sob relatoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Governo e oposição não entraram num acordo sobre uma versão alternativa de texto e grande parte dos pontos mais polêmicos acabou passando (saiba como votou cada parlamentar aqui).
A matéria ainda deve ser apreciada pelo Senado e, se houver modificação no texto, volta para a Câmara. Poderá ainda ser vetada parcial ou integralmente pela presidente Dilma. A seguir, comentamos alguns dos principais pontos da nova legislação.
Isenção de reflorestamento de áreas de reserva legal desmatadas em propriedades de até quatro módulos fiscais (MF).
As propriedades devem continuar a respeitar um percentual mínimo de cobertura vegetal (80% na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas), porém, se estiverem abaixo do limite territorial estabelecido, não têm mais a obrigatoriedade do reflorestamento.
Por que essa é uma péssima ideia: o governo estima que uma área correspondente ao tamanho do Acre deixará de ser reflorestada em todo o País. Além de incentivar a impunidade daqueles que já estiveram ilegais por anos, a nova resolução acaba por ser injusta com os que conservaram suas reservas e se mantiveram dentro da lei.
Outro ponto refere-se ao próprio tamanho dessas propriedades. Como as dimensões do módulo fiscal variam de estado para estado, quatro módulos podem chegar a 400 hectares, sem contar que a Amazônia é a região brasileira com os maiores MF do País.
Há ainda o receio de que propriedades maiores sejam repartidas e registradas com outros nomes (de parentes ou “laranjas”) a fim de se escapar da legislação.
Redução das faixas de mata ciliar ao longo dos rios de largura inferior a 10 metros.
Nos cursos já desmatados, a faixa de vegetação a ser restituída pelos proprietários passa de 30 para 15 metros. Nos casos sem desmatamento, a obrigatoriedade continua em 30 metros.
Não houve alteração nas faixas de mata dos rios mais largos do que 10 metros. No entanto, o que mudou para todos os casos foi o referencial a partir do qual se deve medir essa largura.
Por que essa é uma péssima ideia: além de ser injusto com quem preservou e deixar de punir aqueles que antes deveriam respeitar os 30 metros e que agora podem restituir apenas 15, um dos principais pontos é a referência para a medição dessas faixas. No código antigo, as porções deviam ser medidas com base na margem dos rios em épocas de cheia, enquanto a nova legislação prevê que esses valores sejam estabelecidos durante as épocas de vazão regular dos rios, o que, na prática (principalmente se os rios tiverem cursos bastante irregulares durante o ano), diminui as dimensões da área a ser preservada, inclusive dos rios mais largos do que 10 metros.
Anistia a todos os que desmataram ilegalmente até julho de 2008.
Os proprietários rurais serão isentos de multas e eventuais sanções por uso irregular de áreas protegidas e que tenham sido desmatadas até o dia 22 de julho de 2008. Para que as dívidas sejam perdoadas, o produtor deverá aderir ao PRA (Programa de Regularização Ambiental). Todos os que se inscreverem no Cadastro Ambiental Rural serão completamente aliviados das punições, inclusive aquelas previstas pelo decreto 7029/09, assinado pelo presidente Lula em 2009 e que previa punições àqueles que não averbassem suas reservas legais até o dia 11 de junho de 2011.
Por que essa é uma péssima ideia: esse tipo de anistia, mais do que injusta para com os que seguiram a lei, acaba por estimular o próprio desmatamento, uma vez que perpetua a expectativa de que a legislação ambiental não precisa ser cumprida. Quem deve, não terá que pagar. E quem pagou, pagou em vão, pois os demais serão aliviados por completo. Trata-se de um dos pontos que refletem o maior senso de impunidade no novo código.
Pode-se argumentar que a ideia do PRA é trocar punição por regularização. O produtor não será multado, mas terá que se enquadrar, o que poderia ser considerado um caminho legítimo. O problema, no entanto, está no ponto seguinte, que dá a possibilidade aos estados de consolidarem a anistia de fato e irrestrita.
Concessão aos estados da prerrogativa de legislar sobre as áreas de preservação.
Atividades nas APPs proibidas pelo atual código poderão ser permitidas pela nova legislação, como a pecuária e certas culturas em encostas e topos de morros com mais de 1.800 metros. Poderão ser admitidas as plantações de arroz nas várzeas e do café e da uva nesses pontos dos morros. Na votação de ontem, as APPs receberam uma atenção especial, com a aprovação da emenda 164, que consente aos estados participar da regularização ambiental, permitindo as atividades em APPs – fora das áreas de risco –, e anistia os desmatamentos ocorridos até 2008.
Por que essa é uma péssima ideia: levar para os estados a responsabilidade sobre as APPs pode acabar subordinando-as a interesses regionais. Produtores locais, interessados em ocupar suas APPs, conseguem exercem uma pressão muito mais intensa sobre os governos de seus estados do que sobre a União. Isso pode acabar flexibilizando as regras e prejudicando essas áreas, tão importantes para a manutenção dos recursos hidrológicos ou da própria estabilidade do solo local.
Há ainda o risco de uma verdadeira guerra da permissividade ambiental entre os estados, de modo que a competitividade passe a ser ditada pelas regras mais brandas, que reduzem custos e são capazes de atrair investimentos de setores irresponsáveis da economia.
Inclusão das Áreas de Proteção Permanente (APPs) nos percentuais de Reserva Legal (RL).
A nova legislação admite a soma das APPs às RLs desde que a primeira esteja preservada e que isso não condicione mais desmatamento na propriedade. Além disso, o proprietário que comprovar ter desmatado área na Amazônia até o ano 2000, quando os índices até então estabelecidos para Reserva Legal foram modificados, não será obrigado a seguir os 80% de hoje, mas os 50% antigos. Quem provar que desmatou áreas no Cerrado antes de 1989 fica isento da atual legislação.
Por que essa é uma péssima ideia: APPs e RL acabam, em muitos casos, sendo tratadas como porcentagem de florestas e não de acordo com suas funções específicos. As duas áreas são importantes e promovem serviços ambientais distintos. Alguns especialistas acreditam que a alternativa até poderia ser aplicada em certos casos, desde que se respeite uma área florestal mínima necessária à manutenção da biodiversidade local (mais detalhes na reportagem “Não tem pendura” da edição 44 de Página22).
Quanto à volta dos antigos percentuais de RL para determinadas propriedades, fica a lacuna da impossibilidade de mensuração do que realmente foi desmatado antes de 2000 ou 1989. Muitos produtores poderão burlar a letra da lei e alegar que o fizeram antes dessas datas, sendo, muitas vezes, praticamente impossível ao governo provar o contrário devido à insuficiência de dados de georreferenciamento, principalmente de épocas anteriores à década de 90.
Critérios para compensação ambiental
Antes, uma propriedade só poderia ceder parte de sua reserva para ser compensada por outra se tivesse uma área superior ao mínimo estabelecido a partir de 2000. Agora, uma área de compensação na Amazônia não precisa mais estar além dos 80% de sua própria RL. O percentual de vegetação que exceder 50% já poderá ser destinado à compensação de outras propriedades – no cerrado, a partir de 20%. Fica estabelecido também que a compensação poderá ser realizada por arrendamento de áreas fora da bacia hidrográfica e do estado original da propriedade, desde que no mesmo bioma.
Por que essa é uma péssima ideia: A compensação, em si, não é ruim. Traz uma ideia muito boa que é a de conferir valor econômico aos remanescentes florestais que ainda existem, em lugar de obrigar o plantio de novas florestas do zero. O problema é que as novas porcentagens que podem ser destinadas à reserva legal permitem que uma mesma área sirva como RL de propriedades diferentes, reduzindo a quantidade de reserva efetivamente protegida. Quanto à questão dos critérios, permitir o arrendamento em outro estado ou fora da bacia hidrográfica é uma aberração ecológica. Mesmo bioma não significa absolutamente mesma biodiversidade. Pode ainda dividir a federação entre estados produtores e estados conservadores.