Quer entender como funciona o conflito entre a economia tradicional e os modelos mais sustentáveis? Então olhe para a Tanzânia.
O presidente Jakaya Kikwete está decidido a construir uma estrada cortando ao meio o país da costa leste africana. Ele pretende ligar Musoma, às margens do lago Victoria, no norte do país, a Arusha, perto da fronteira com o Quênia, no Nordeste. A obra deverá cortar, também, o Parque Nacional do Serengueti, uma das maiores reservas naturais do planeta e palco de uma gigantesca migração de animais que poderá ser comprometida pelo projeto.
A cada ano, em outubro, cerca de 2 milhões de herbívoros, sobretudo gnus, mas também zebras e gazelas, percorrem 800 quilômetros em busca de pastagens mais verdes. Cerca de 250 mil animais morrem no trajeto, de sede, fome, exaustão, ou atacados pelos muitos predadores da região. Em abril eles voltam ao seu local de origem.
Críticos da rodovia, como as Nações Unidas, governos europeus, ambientalistas, cientistas e a indústria do turismo, temem que o fluxo de animais seja interrompido, que ocorrerão derramamentos de óleo e atropelamentos, além de uma ampliação da ocupação urbana e da ação dos caçadores. Em suma, a obra tem grandes chances de perturbar a biodiversidade da região, que atraiu 78o mil turistas no ano passado. Visitantes que injetaram US$ 1,2 bilhões na economia da Tanzânia.
Mais de 300 cientistas de 32 países assinaram um abaixo-assinado pedindo que a obra fosse abandonada. Pelo menos a metade deles acredita que é altamente provável que a estrada comprometa a migração anual. “A atitude desrespeitosa de Kikwete para com uma área que é Patrimônio da Humanidade faz com que ele pareça antiquado e vingativo”, declarou recentemente Andrew Dobson, professor de Ecologia da Universidade de Princeton ao website ambiental Mongabay. Dobson promoveu vários estudos na região, inclusive um sobre o impacto da rodovia.
O Banco Mundial e o governo da Alemanha ofereceram recursos para a construção de uma estrada com trajeto alternativo, percorrendo um número maior de aldeias, mas o presidente Kikwete tem indicado que não aceitará tais ofertas.
Não é um fato isolado. Ele já havia tomado decisão na mesma linha quando decidiu reativar a mineração de trona (minério de onde se extrai carbonato de sódio) junto ao lago Natron –, área fundamental para a reprodução de 2,5 milhões de flamingos –, um projeto que também preocupa os ambientalistas locais. Por fim, o presidente anunciou que seu país vai desistir de reivindicar que as Montanhas Arc, uma região florestal muito rica e ameaçada, sejam incluídas na lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco. Ele deixou claro, nas entrelinhas, que não quer ingerência alheia sobre seus projetos de investimento na região. “Devemos promover o desenvolvimento para industrializar o país. Ao contrário de outros países que são forçados a importar matérias-primas, nós temos todas as matérias-primas necessárias para o desenvolvimento das nossas indústrias”, disse recentemente. É uma de suas muitas declarações que, segundo os observadores internacionais, dão a entender que o progresso da Tanzânia não pode parar – custe o que custar.