Em uma sociedade obcecada pelo high-tech, a inovação, frequentemente, não passa de um reinventar da roda. É a “envelhação” mostrando que o futuro pode muito bem ser um velho conhecido
Luís Eduardo de Carvalho andava se sentindo incomodado. Consultor em inovação – ele dirige a Nodal Consultoria junto com mais dois sócios – e professor em cursos de alto nível, ele achava que havia qualquer coisa muito errada na obsessão desmedida por novidades que sentia nos alunos. “O termo ‘inovação’ carrega um juízo de valor. Se só o que é novo é bom, então tudo o que é velho é ruim?”, questionava-se, até que teve um lampejo de que era perfeitamente possível inovar voltando ao antigo. Fã de neologismos, ele cunhou o termo envelhação (envelhecimento + inovação) para dar conta da ideia.
“Não existe nada de novo sob o sol, mas a gente fica nessa dicotomia entre o novo e o velho”, justifica. E conta uma historinha vivida há pouco tempo para mostrar que a linha nem sempre é clara. Ele e um grupo de alunos gastaram dois dias inteiros em um exercício para a criação um modelo de negócios inovador na área de mobilidade urbana. Partindo dos modernérrimos sistemas de car sharing [1], começaram a sobrepor inovações adicionais até chegar ao seguinte resultado: uma empresa que buscasse o cliente onde ele estivesse e o levasse até onde ele quisesse e só cobrasse pelo trajeto percorrido com ele. “Havíamos inventado o táxi”, diz, com uma pitada de autoironia.
[1] As empresas de car sharing alugam carros por períodos curtos e preços baixos para clientes que pagam uma taxa mensal. Os clientes têm quase os mesmos benefícios de ter um carro próprio sem ter de se preocupar com gasolina, manutenção, seguro etc.
Cacoetes da inovação
Olhar para o passado na hora de inovar chega a soar contraintuitivo. Culpa, segundo o professor Wilson Nobre Filho, de um cacoete da Revolução Industrial. “Existe o pressuposto de que a inovação tem de ser tecnológica”, diz Nobre, membro do Fórum de Inovação da FGV.
Para ele, essa é uma concepção tão falsa quanto achar que as inovações precisam ser inéditas. “Se fosse assim, haveria pouca inovação no mundo”, afirma, explicando que são o contexto e o resultado obtido que tornam uma ideia inovadora de fato. “Mesmo que eu reaplique alguma coisa que já tenha sido abandonada há muito tempo, ela pode ser inovadora para o novo contexto”, garante. (mais sobre inovação na reportagem “O gesto criador”)
“A gente está fazendo esse resgate porque o mundo era mais sustentável no passado”, crava o arquiteto Marcelo Bueno, sem pestanejar. Em 1997, ele entrou em crise com sua profissão e decidiu viajar para a Austrália, onde tomou conhecimento do movimento da perma-cultura. Encantou-se de tal maneira, que se dispôs a fundar o Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema), assim que voltou ao Brasil, em 1999.
Na fala de Bueno transparece a ideia de que ainda vamos descobrir a saída para a atual crise ambiental esquecida no fundo de algum baú. O diretor-geral do Instituto Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitetura (Tibá), Peter Van Lengen, é ainda mais assertivo ao afirmar que o mundo moderno está “matando o planeta”, e que o passado é a nossa salvação.
O Tibá foi fundado em 1987, para pesquisar e resgatar técnicas de construção tradicionais como taipa, bambu, adobe, entre outras. “Não estamos falando de coisas de baixa qualidade, mas de tecnologias ecológicas por natureza, culturalmente ricas e comprovadas pela história que o capitalismo apagou para ganhar dinheiro”, defende. “Uma casa moderna está cheia formaldeídos e tintas que liberam toxinas e, para piorar, você fecha todas as janelas e liga o ar-condicionado, que libera bactérias nocivas. Depois não entende por que fica doente!”, exaspera-se, garantindo que seria possível evitar todos esses contratempos reaprendendo a usar os materiais de antigamente. (mais na reportagem “Muitas e boas”)
Bueno vê a questão de um ângulo um pouco diferente. “Nossa civilização inteira está baseada em recursos não renováveis. E se acontecer uma crise econômica ou ambiental em larga escala? O que o morador de uma grande cidade faria se os supermercados simplesmente não abrissem mais? Temos de estar preparados”, preocupa-se. Por isso ele foi resgatar o estilo de vida das histórias de seu avô. “No tempo dele tudo era produzido localmente, os materiais de construção, a comida, a roupa, e tudo dava certo.”
Medo do desconhecido
Embora o trabalho do Ipema e do Tibá busquem a seriedade, não é todo mundo que concorda com essa linha de pensamento. O professor Nobre, por exemplo, alerta que essa é uma forma de inovação que pode travar outros avanços. “Pegar o que já funcionou no passado é uma forma de inovação meio grosseira. Não que seja errado, mas é algo que fazemos quando temos medo do desconhecido”, problematiza.
O professor da Business School São Paulo Humberto Mariotti saca do bolso o conceito de segurança ontológica para alertar sobre esse risco. De acordo com ele, quando o mundo passa a mudar muito, as pessoas tendem a se voltar para um passado idealizado, em busca de segurança. “Eu me rodeio de símbolos de estabilidade na tentativa de voltar para um mundo onde as coisas não eram tão destrutivas. Essa é uma reação mais sentimental do que prática”, esclarece.
Não significa que tudo o que cabe sob o guarda-chuva da envelhação trate a inovação com desdém ou esteja embebido em saudosismo. A realidade é mais complexa que isso e sobram casos em que envelhar um pouquinho é o pressuposto necessário para inovar de monte. José Bueno, diretor do Instituto Harmonia – que, entre outras práticas, promove atividades para diminuir o fosso entre as gerações – usa a metáfora do arco. “Quanto mais você puxa a corda para trás, mais a flecha voa para a frente”, filosofa.
O caso do DescolaAí é paradigmático. Fundada em julho pelo empresário e ativista Guilherme Brammer, essa pontocom baseia seu plano de negócios no conceito de consumo colaborativo [2] e oferece uma plataforma na qual seus usuários podem alugar ou trocar objetos.
[2] A noção de consumo colaborativo nasceu nos Estados Unidos como resposta ao consumismo exacerbado. Parte da constatação de que uma boa parte dos produtos fabricados acaba subutilizada, e dividi-los entre mais de uma pessoa seria uma forma de combater o desperdício. Uma furadeira, por exemplo, é usada, em média, entre 6 e 13 minutos durante toda sua vida útil
Embora chegue ao mercado esbanjando novidade, Guilherme reconhece que, no fundo, seu site requenta uma prática antiga. “Tentamos resgatar algo que nossos avós já faziam, porque tinham uma vida mais colaborativa com a família e os vizinhos”, admite. Até o fim do ano, seu portal também investirá na volta do escambo. “Vamos lançar a troca de serviços: um marceneiro, por exemplo, pode trocar seu trabalho com um médico que esteja querendo reformar o consultório”, completa. (O banco de horas tem proposta similar)
Um exemplo um pouco mais singelo vem de Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde o agrônomo Alessandro de Oliveira deu um passo atrás para dar três ou quatro à frente. Há 12 anos ele vem fazendo experiências para aumentar a produtividade da cultura cafeeira na região. A ideia central é de uma simplicidade atroz: ele reduziu o espaço entre as fileiras de pés de café dos 3,5 metros usuais para 2,5 metros, para fazer caber mais plantas e aumentar o rendimento de 27 para 42 sacas por hectare. Só que isso tem uma “pegadinha”: os tratores não conseguem entrar na plantação. A solução? Mulas.
No começo, nem ele botava muita fé – tanto que comprou um canhão [3], que acabou encostado –, mas os animais saíram-se melhor que a encomenda. As mulas mantêm uma velocidade de 6 km/h, similar à de um trator, e custam 40% menos – uma economia de R$ 611 por hectare. Não foi só trazer os animais e pronto. Foram precisos cinco anos para aprimorar os maquinários puxados pelas mulas. “Quando começamos, os equipamentos para as mulas eram muito rudimentares, e a gente precisou evoluir isso”, explica Oliveira, contando que todos os desenvolvimentos foram feitos por mecânicos da região.
[3] Um canhão é um aspersor de grande porte que borrifa água a grandes distâncias e pode ser usado para irrigar ou distribuir defensivos em lavouras
Wilson Nobre ressalta que tem muita tecnologia embarcada em uma porção de coisas que estão, à primeira vista, na contramão da modernidade. É o caso da agricultura orgânica. Mesmo que ignorem um bom bocado das práticas e produtos da agricultura convencional, os orgânicos nada têm de rudimentar. “A natureza possui sistemas de produtividade estupidamente mais eficazes do que os nossos”, diz, apontando os avanços da biomimética [4] (mais na reportagem “O que a natureza faria?”). “Estudando a natureza é possível que a gente redescubra coisas que as sociedades antigas usavam, mas sem ter a ciência para explicar como funcionava”, elabora.
[4] Das palavras gregas bíos (vida) e mímesis (imitação), a biomimética procura compreender como as estruturas biológicas funcionam para, depois, reproduzilas. O velcro, por exemplo, foi criado nos anos 40 por um engenheiro suíço que se inspirou nas sementes de uma planta que ficavam grudadas em suas roupas durante suas caminhadas pelos Alpes
O professor descreve a situação usando a metáfora da espiral. Para ele, a evolução acontece em movimentos circulares, mas não no mesmo plano. Ao olhar para baixo, vemos coisas familiares se alinhando, mas sempre de outra perspectiva. “Você vai e diz ‘já vi isso antes’, mas, mesmo que a gente volte a descobrir o valor de um monte de coisas do passado, vamos usar de formas diferentes”, assegura.
Em outra área, a bióloga Tamara Azevedo recorre à mesmíssima metáfora ao explicar o seu trabalho na Co- Criar, consultoria que ajuda organizações lançando mão de processos participativos. “Uma das coisas que fazemos é sentar as pessoas em círculo para exercitar a escuta. Isso é visto como inovação, mas os indígenas fazem o mesmo há milênios”, comenta, acrescentando que o modelo foi adaptado para a realidade de hoje. “É uma espiral”, ecoa.
O consultor e professor da Fundação Dom Cabral Paulo Ferreira Vieira conta que está prestes a colocar à disposição dos altos executivos paulistanos uma inovação importada diretamente das tribos da África Subsaariana. “Eles têm uma coisa chamada Casa da Palavra, aonde vão para conversar sobre os problemas da comunidade. Essas tribos têm muito claro que o problema de um afeta a todos. Já as empresas tem muita dificuldade em perceber isso”, diz.
Há anos, Vieira pinça exemplos das artes e da mitologia grega para apimentar suas aulas. “Para conseguir gerar mais interesse nos alunos, virei um contador de histórias”, resume. Segundo ele, os artistas envelham o tempo todo, ao reinterpretar obras do passado. “Mostro como os chorinhos do Jacob do Bandolim foram recriados pela Elizeth Cardoso e pelo violoncelista Yo-Yo Ma, para explicar como é possível inovar sobre um legado sem que isso o destrua”, explica.
O legado, no fim das contas, parece ser o núcleo da questão. O filósofo e poeta hispano-americano George Santayana estava com mais razão do que poderia imaginar quando disse: “Povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.
Envelhação em larga escala
Há uma boa dose exemplos de envelhação em coisas corriqueiras e tremendamente fáceis de entender. As ecobags, por exemplo.
Percebendo que as sacolinhas descartáveis estavam se tornando impopulares, o Grupo Pão de Açúcar tomou a dianteira e, em 2005, deu uma repaginada nas antiquadas sacolas de feira e começou a vender ecobags para seus clientes. Foi um sucesso. Mais de 2,2 milhões de unidades foram comercializadas nas lojas do grupo apenas no ano passado.
Não é o único caso de alta visibilidade. Os fabricantes de refrigerantes estão tirando as garrafas retornáveis da aposentadoria. Embora nunca tenham saído do completamente do mercado – elas continuaram comuns em bares e restaurantes –, há alguns anos a Coca-Cola decidiu voltar a vender refrigerantes em vasilhames retornáveis para o consumidor final. Em abril passado, a Ambev também embarcou na onda e trouxe de volta as garrafas de um litro Guaraná Antarctica.[:en]
Em uma sociedade obcecada pelo high-tech, a inovação, frequentemente, não passa de um reinventar da roda. É a “envelhação” mostrando que o futuro pode muito bem ser um velho conhecido
Luís Eduardo de Carvalho andava se sentindo incomodado. Consultor em inovação – ele dirige a Nodal Consultoria junto com mais dois sócios – e professor em cursos de alto nível, ele achava que havia qualquer coisa muito errada na obsessão desmedida por novidades que sentia nos alunos. “O termo ‘inovação’ carrega um juízo de valor. Se só o que é novo é bom, então tudo o que é velho é ruim?”, questionava-se, até que teve um lampejo de que era perfeitamente possível inovar voltando ao antigo. Fã de neologismos, ele cunhou o termo envelhação (envelhecimento + inovação) para dar conta da ideia.
“Não existe nada de novo sob o sol, mas a gente fica nessa dicotomia entre o novo e o velho”, justifica. E conta uma historinha vivida há pouco tempo para mostrar que a linha nem sempre é clara. Ele e um grupo de alunos gastaram dois dias inteiros em um exercício para a criação um modelo de negócios inovador na área de mobilidade urbana. Partindo dos modernérrimos sistemas de car sharing [1], começaram a sobrepor inovações adicionais até chegar ao seguinte resultado: uma empresa que buscasse o cliente onde ele estivesse e o levasse até onde ele quisesse e só cobrasse pelo trajeto percorrido com ele. “Havíamos inventado o táxi”, diz, com uma pitada de autoironia.
[1] As empresas de car sharing alugam carros por períodos curtos e preços baixos para clientes que pagam uma taxa mensal. Os clientes têm quase os mesmos benefícios de ter um carro próprio sem ter de se preocupar com gasolina, manutenção, seguro etc.
Cacoetes da inovação
Olhar para o passado na hora de inovar chega a soar contraintuitivo. Culpa, segundo o professor Wilson Nobre Filho, de um cacoete da Revolução Industrial. “Existe o pressuposto de que a inovação tem de ser tecnológica”, diz Nobre, membro do Fórum de Inovação da FGV.
Para ele, essa é uma concepção tão falsa quanto achar que as inovações precisam ser inéditas. “Se fosse assim, haveria pouca inovação no mundo”, afirma, explicando que são o contexto e o resultado obtido que tornam uma ideia inovadora de fato. “Mesmo que eu reaplique alguma coisa que já tenha sido abandonada há muito tempo, ela pode ser inovadora para o novo contexto”, garante. (mais sobre inovação na reportagem “O gesto criador”)
“A gente está fazendo esse resgate porque o mundo era mais sustentável no passado”, crava o arquiteto Marcelo Bueno, sem pestanejar. Em 1997, ele entrou em crise com sua profissão e decidiu viajar para a Austrália, onde tomou conhecimento do movimento da perma-cultura. Encantou-se de tal maneira, que se dispôs a fundar o Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema), assim que voltou ao Brasil, em 1999.
Na fala de Bueno transparece a ideia de que ainda vamos descobrir a saída para a atual crise ambiental esquecida no fundo de algum baú. O diretor-geral do Instituto Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitetura (Tibá), Peter Van Lengen, é ainda mais assertivo ao afirmar que o mundo moderno está “matando o planeta”, e que o passado é a nossa salvação.
O Tibá foi fundado em 1987, para pesquisar e resgatar técnicas de construção tradicionais como taipa, bambu, adobe, entre outras. “Não estamos falando de coisas de baixa qualidade, mas de tecnologias ecológicas por natureza, culturalmente ricas e comprovadas pela história que o capitalismo apagou para ganhar dinheiro”, defende. “Uma casa moderna está cheia formaldeídos e tintas que liberam toxinas e, para piorar, você fecha todas as janelas e liga o ar-condicionado, que libera bactérias nocivas. Depois não entende por que fica doente!”, exaspera-se, garantindo que seria possível evitar todos esses contratempos reaprendendo a usar os materiais de antigamente. (mais na reportagem “Muitas e boas”)
Bueno vê a questão de um ângulo um pouco diferente. “Nossa civilização inteira está baseada em recursos não renováveis. E se acontecer uma crise econômica ou ambiental em larga escala? O que o morador de uma grande cidade faria se os supermercados simplesmente não abrissem mais? Temos de estar preparados”, preocupa-se. Por isso ele foi resgatar o estilo de vida das histórias de seu avô. “No tempo dele tudo era produzido localmente, os materiais de construção, a comida, a roupa, e tudo dava certo.”
Medo do desconhecido
Embora o trabalho do Ipema e do Tibá busquem a seriedade, não é todo mundo que concorda com essa linha de pensamento. O professor Nobre, por exemplo, alerta que essa é uma forma de inovação que pode travar outros avanços. “Pegar o que já funcionou no passado é uma forma de inovação meio grosseira. Não que seja errado, mas é algo que fazemos quando temos medo do desconhecido”, problematiza.
O professor da Business School São Paulo Humberto Mariotti saca do bolso o conceito de segurança ontológica para alertar sobre esse risco. De acordo com ele, quando o mundo passa a mudar muito, as pessoas tendem a se voltar para um passado idealizado, em busca de segurança. “Eu me rodeio de símbolos de estabilidade na tentativa de voltar para um mundo onde as coisas não eram tão destrutivas. Essa é uma reação mais sentimental do que prática”, esclarece.
Não significa que tudo o que cabe sob o guarda-chuva da envelhação trate a inovação com desdém ou esteja embebido em saudosismo. A realidade é mais complexa que isso e sobram casos em que envelhar um pouquinho é o pressuposto necessário para inovar de monte. José Bueno, diretor do Instituto Harmonia – que, entre outras práticas, promove atividades para diminuir o fosso entre as gerações – usa a metáfora do arco. “Quanto mais você puxa a corda para trás, mais a flecha voa para a frente”, filosofa.
O caso do DescolaAí é paradigmático. Fundada em julho pelo empresário e ativista Guilherme Brammer, essa pontocom baseia seu plano de negócios no conceito de consumo colaborativo [2] e oferece uma plataforma na qual seus usuários podem alugar ou trocar objetos.
[2] A noção de consumo colaborativo nasceu nos Estados Unidos como resposta ao consumismo exacerbado. Parte da constatação de que uma boa parte dos produtos fabricados acaba subutilizada, e dividi-los entre mais de uma pessoa seria uma forma de combater o desperdício. Uma furadeira, por exemplo, é usada, em média, entre 6 e 13 minutos durante toda sua vida útil
Embora chegue ao mercado esbanjando novidade, Guilherme reconhece que, no fundo, seu site requenta uma prática antiga. “Tentamos resgatar algo que nossos avós já faziam, porque tinham uma vida mais colaborativa com a família e os vizinhos”, admite. Até o fim do ano, seu portal também investirá na volta do escambo. “Vamos lançar a troca de serviços: um marceneiro, por exemplo, pode trocar seu trabalho com um médico que esteja querendo reformar o consultório”, completa. (O banco de horas tem proposta similar)
Um exemplo um pouco mais singelo vem de Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde o agrônomo Alessandro de Oliveira deu um passo atrás para dar três ou quatro à frente. Há 12 anos ele vem fazendo experiências para aumentar a produtividade da cultura cafeeira na região. A ideia central é de uma simplicidade atroz: ele reduziu o espaço entre as fileiras de pés de café dos 3,5 metros usuais para 2,5 metros, para fazer caber mais plantas e aumentar o rendimento de 27 para 42 sacas por hectare. Só que isso tem uma “pegadinha”: os tratores não conseguem entrar na plantação. A solução? Mulas.
No começo, nem ele botava muita fé – tanto que comprou um canhão [3], que acabou encostado –, mas os animais saíram-se melhor que a encomenda. As mulas mantêm uma velocidade de 6 km/h, similar à de um trator, e custam 40% menos – uma economia de R$ 611 por hectare. Não foi só trazer os animais e pronto. Foram precisos cinco anos para aprimorar os maquinários puxados pelas mulas. “Quando começamos, os equipamentos para as mulas eram muito rudimentares, e a gente precisou evoluir isso”, explica Oliveira, contando que todos os desenvolvimentos foram feitos por mecânicos da região.
[3] Um canhão é um aspersor de grande porte que borrifa água a grandes distâncias e pode ser usado para irrigar ou distribuir defensivos em lavouras
Wilson Nobre ressalta que tem muita tecnologia embarcada em uma porção de coisas que estão, à primeira vista, na contramão da modernidade. É o caso da agricultura orgânica. Mesmo que ignorem um bom bocado das práticas e produtos da agricultura convencional, os orgânicos nada têm de rudimentar. “A natureza possui sistemas de produtividade estupidamente mais eficazes do que os nossos”, diz, apontando os avanços da biomimética [4] (mais na reportagem “O que a natureza faria?”). “Estudando a natureza é possível que a gente redescubra coisas que as sociedades antigas usavam, mas sem ter a ciência para explicar como funcionava”, elabora.
[4] Das palavras gregas bíos (vida) e mímesis (imitação), a biomimética procura compreender como as estruturas biológicas funcionam para, depois, reproduzilas. O velcro, por exemplo, foi criado nos anos 40 por um engenheiro suíço que se inspirou nas sementes de uma planta que ficavam grudadas em suas roupas durante suas caminhadas pelos Alpes
O professor descreve a situação usando a metáfora da espiral. Para ele, a evolução acontece em movimentos circulares, mas não no mesmo plano. Ao olhar para baixo, vemos coisas familiares se alinhando, mas sempre de outra perspectiva. “Você vai e diz ‘já vi isso antes’, mas, mesmo que a gente volte a descobrir o valor de um monte de coisas do passado, vamos usar de formas diferentes”, assegura.
Em outra área, a bióloga Tamara Azevedo recorre à mesmíssima metáfora ao explicar o seu trabalho na Co- Criar, consultoria que ajuda organizações lançando mão de processos participativos. “Uma das coisas que fazemos é sentar as pessoas em círculo para exercitar a escuta. Isso é visto como inovação, mas os indígenas fazem o mesmo há milênios”, comenta, acrescentando que o modelo foi adaptado para a realidade de hoje. “É uma espiral”, ecoa.
O consultor e professor da Fundação Dom Cabral Paulo Ferreira Vieira conta que está prestes a colocar à disposição dos altos executivos paulistanos uma inovação importada diretamente das tribos da África Subsaariana. “Eles têm uma coisa chamada Casa da Palavra, aonde vão para conversar sobre os problemas da comunidade. Essas tribos têm muito claro que o problema de um afeta a todos. Já as empresas tem muita dificuldade em perceber isso”, diz.
Há anos, Vieira pinça exemplos das artes e da mitologia grega para apimentar suas aulas. “Para conseguir gerar mais interesse nos alunos, virei um contador de histórias”, resume. Segundo ele, os artistas envelham o tempo todo, ao reinterpretar obras do passado. “Mostro como os chorinhos do Jacob do Bandolim foram recriados pela Elizeth Cardoso e pelo violoncelista Yo-Yo Ma, para explicar como é possível inovar sobre um legado sem que isso o destrua”, explica.
O legado, no fim das contas, parece ser o núcleo da questão. O filósofo e poeta hispano-americano George Santayana estava com mais razão do que poderia imaginar quando disse: “Povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.
Envelhação em larga escala
Há uma boa dose exemplos de envelhação em coisas corriqueiras e tremendamente fáceis de entender. As ecobags, por exemplo.
Percebendo que as sacolinhas descartáveis estavam se tornando impopulares, o Grupo Pão de Açúcar tomou a dianteira e, em 2005, deu uma repaginada nas antiquadas sacolas de feira e começou a vender ecobags para seus clientes. Foi um sucesso. Mais de 2,2 milhões de unidades foram comercializadas nas lojas do grupo apenas no ano passado.
Não é o único caso de alta visibilidade. Os fabricantes de refrigerantes estão tirando as garrafas retornáveis da aposentadoria. Embora nunca tenham saído do completamente do mercado – elas continuaram comuns em bares e restaurantes –, há alguns anos a Coca-Cola decidiu voltar a vender refrigerantes em vasilhames retornáveis para o consumidor final. Em abril passado, a Ambev também embarcou na onda e trouxe de volta as garrafas de um litro Guaraná Antarctica.