Jochen Zeitz, CEO e presidente do Conselho da Puma, fala a Página22 sobre o pioneirismo de criar um relatório de ganhos e perdas ambientais
O alemão Jochen Zeitz, CEO e presidente do Conselho da gigante de artigos esportivos Puma, acredita que é hora de enterrar de vez o paradigma da Revolução Industrial. Idealizador do primeiro relatório que traduz, em valores monetários, o impacto ambiental de sua companhia, Zeitz conta, nessa entrevista exclusiva à Página 22, sua motivação para fazer essa conta. Segundo ele, o impulso para contabilizar os impactos ambientais da empresa não veio de nenhuma ONG, consumidor ou investidor. Tampouco de algum governo. O insight para realizar a contabilidade veio em um feriado de Natal, quando Zeitz estava em casa escrevendo seu livro Prayer, Profit and Principles (ainda sem edição no Brasil). Escrito em parceria com o monge beneditino Anselm Grun, o livro tem um capítulo inteiro dedicado ao tema da sustentabilidade. Para Zeitz, ser a primeira companhia no mundo a fazer a valoração dos impactos à natureza foi desafiador, mas ele espera conseguir influenciar outras empresas a fazerem o mesmo (leia na matéria “O rastro da pegada“).
A Puma foi a primeira empresa no mundo a colocar valor sobre os serviços ecossistêmicos que utiliza para produzir seus calçados, roupas e artigos esportivos. Por que vocês decidiram fazer isso?
Há cerca de dois anos atrás, eu percebi que nunca antes uma companhia contabilizou e integrou aos seus balanços o custo verdadeiro dos serviços que a natureza provê, como água fresca, ar limpo, biodiversidade saudável e terras produtivas. Todos os negócios dependem disso. Eu quis saber quanto nós precisaríamos para pagar por esses serviços, já que a Puma produz, anuncia e distribui calçados, roupas e acessórios feitos de couro, borracha e plástico.
Enquanto a natureza é muito mais para nós, humanos, do que um mero “negócio”, a questão simples que eu coloquei foi: se nosso planeta fosse uma empresa, quando ele cobraria pelos serviços que presta para que outra empresa funcionasse? E quanto cobraria para limpar as pegadas de poluição e destruição que deixamos para trás nas nossas operações e processos produtivos?
Eu também tenho de reconhecer que a parte de leão do impacto da Puma no meio ambiente não ocorre nos nossos escritórios, lojas, depósitos ou viagens de negócios – atividades ligadas ao nosso negócio central. Eu assumo que a maior parte do nosso impacto ambiental ocorre na cadeia produtiva e fornecedores, mais do que nas nossas operações controladas. E esses impactos não são contabilizados pela contabilidade formal. Queríamos ultrapassar os limites ao contabilizar os serviços ecossistêmicos. É objetivo da companhia fazer essa conta, já que a maioria considera esses serviços gratuitos. Se nós realmente queremos nos tornar uma empresa sustentável, isso precisa mudar. Eu acredito que são as empresas que vão liderar esse processo.
A Puma chegou a ser questionada por seus públicos (stakeholders) para realizar essa valoração de seus indicadores socioambientais? Quais são os desafios que chegam ao tornar essa informação tão transparente?
A ideia de se estabelecer um E P&L (Environmental Profit&Loss, ou relatório de ganhos e perdas ambientais) veio num feriado de Natal, quando eu estava escrevendo meu livro Prayer, Profit and Principles, com o monge beneditino Anselm Grün. Não foi uma demanda dos stakeholders.
Acho que o grande desafio é que nosso E P&L é um projeto pioneiro, que ninguém fez antes. Não haviam sequer técnicas ou padrões de contabilidade ambiental em que pudéssemos buscar referências. No entanto, a metodologia foi aplicada utilizando técnicas econômicas e ecológicas presentes na literatura do ambientalismo e da economia dos recursos naturais, como análise de ciclo de vida, análise de fluxo de materiais, entre outras.
Outro desafio foi coletar dados de nossa cadeia de suprimentos para construir a análise. Fizemos um extenso trabalho com entidades ligadas à cadeia de fornecedores da Puma para reunir os dados preliminares que embasaram os indicadores ambientais. Mas houve momentos em que os dados não estavam disponíveis, e dados secundários ou modelagens tiveram de ser feitos para preencher as lacunas.
Valorar as externalidades ambientais é uma ciência inexata e requer algumas suposições no meio do caminho. No entanto, fizemos um esforço para alcançar um grau de relevância, e fico feliz de ver que esse esforço valeu a pena e nos encoraja a dar novos passos.
Que tipo de revolução a Puma pretende fazer com a valoração? Você acredita que outras companhias de bens de consumo estão preparadas para seguir esse modelo? Isso será uma tendência para os negócios num futuro próximo?
O lançamento dos resultados preliminares do relatório E P&L, em maio, geraram um grande interesse entre governos, especialistas em sustentabilidade, acadêmicos e outras empresas. Eu sinceramente espero que o E P&L da Puma e seus resultados abram os olhos do mundo corporativo e reforcem o seguinte ponto: que o modelo econômico que nasceu com a Revolução Industrial há mais 100 anos atrás deve mudar radicalmente. Um novo paradigma econômico tem de ser estabelecido: um que trabalhe com a natureza, não contra ela. Ou talvez um novo paradigma para os negócios, que coloque as empresa como uma força por mudanças positivas.
Colocar esse valor monetário sobre os nossos impactos nos serviços que a natureza presta nos ajuda a entender o impacto potencialmente negativo que a devastação dos ecossistemas podem trazer ao desempenho dos negócios no futuro. É prática comum, no mundo dos negócios, considerar que esse valor inerente da natureza não está integrado à contabilidade de uma empresa. Está na hora das empresas perceberem que a sustentabilidade do próprio negócio depende da avaliação de longo prazo dos recursos ecossistêmicos. Precisamos de novas regras, um novo modo de fazer negócios que seja sustentável e inclusivo e que trabalhe com a natureza, não contra ela. Como resultado, o ato de consumir terá de se desenvolver também, para permitir um uso sustentável dos recursos naturais. Se o E P&L da Puma agir como um catalizador para a mudança e outras companhias nos seguirem, integrando sua pegada ecológica aos processos contábeis, teremos tido sucesso e alcançado um objetivo importante, um divisor de águas.
4- Qual o maior desafio da Puma nesse caminho de se tornar uma empresa mais sustentável? Quais deverão ser os próximos passos daqui para a frente?
Um dos grandes desafios que a valoração dos impactos ambientais nos mostrou, no que tange a emissões de gases de efeito estufa e uso da água, é o que o impacto ecológico das operações da Puma equivale a cerca de € 7,2 milhões. A maior parte do nosso impacto, ou € 87,2 milhões, recai sobre nossa cadeia de fornecedores. São parceiros que compartilhamos com centenas de outras empresas, e justamente onde temos menor influência. Então para que a Puma tenha sucesso no objetivo de reduzir seu impacto ambiental, será preciso estimular nossa cadeia a fazê-lo. Enquanto reconhecemos que isso é nossa responsabilidade, também enxergamos que é igualmente responsabilidade de tantas outras empresas. Para fazer uma real mudança, teremos que trabalhar em um projeto conjunto, principalmente junto aos produtores de matérias-primas e a fábricas terceirizadas, para que a natureza danificada possa ser minimamente recuperada.