Leia a seguir a entrevista completa que o economista André Lara Resende concedeu a Página22 via e-mail, sobre os limites do planeta e a crise economica atual.
Poderia ser a regulação do sistema financeiro para limitar a ação dos “recursos administrados” – e, por conseguinte, das corporações – um primeiro passo para resolver a crise econômica?
Não vejo nenhuma relação entre a regulação do sistema financeiro e a saída da crise. Com certeza, uma boa regulação do sistema financeiro teria evitado uma crise tão grave, mas é muito mais fácil criticar depois do fato ocorrido. A certeza do passado nos dá ilusão de que deveríamos ter sido capazes de prever o futuro. Não me parece que haja uma relação clara entre a crise financeira de 2008, que continua a ter desdobramentos, com a questão ambiental. A tese que defendi em artigo recente é que a recomendação keynesiana, de aumentar os gastos públicos para voltar a crescer, pode ter deixado de fazer sentido diante dos limites físicos do planeta. Crescer para reduzir o valor relativo do endividamento pode não fazer mais sentido.
Pode-se direcionar os gastos públicos para investimentos na construção de uma economia que caiba nos limites físicos do planeta sem que isso signifique mais crescimento?
Os gastos públicos são instrumento importante para a implementação de políticas públicas, mas não se deve superestimar seus poderes. Antes de mais nada, gastos públicos, para não serem inflacionários, exigem receitas, que dependem de impostos. Algo que tende a ser esquecido. Também a ineficiência e o desperdício do gasto público são quase sempre fatores desconsiderados.
É preciso abrir mão da doutrina do livre mercado, como quer Naomi Klein, para caminhar em direção a uma economia sem crescimento? Que outras possibilidades poderiam ser exploradas?
Não conheço o artigo de Naomi Klein, que vou procurar ler. Acho a tese da necessidade de um novo paradigma civilizatório – apesar de soar grandiloquente – pertinente. Não concordo com que seja necessário, nem desejável, abdicar do sistema de preços. O sistema de preços de mercado é um poderosíssimo instrumento de alocação de recursos. É verdade que não foi capaz de levar em conta a questão dos limites ecológicos, que é um caso clássico de “bens públicos” – bens para os quais não há custo para o consumo individual, mas há um custo coletivo. Muito provavelmente, será necessário introduzir taxas e até mesmo restrições quantitativas, através de cotas, mas não faz sentido abdicar integralmente do sistema de preços, justamente quando há uma transformação tão profunda a ser feita na economia mundial.
Economistas do mainstream parecem acreditar que a questão econômica seja totalmente dissociada da crise ambiental. As mudanças climáticas, entretanto, podem ser vistas como o principal sintoma de que há uma grave crise econômica em curso. Do ponto de vista estritamente econômico, há modelos propostos para substituir o keynesiano? Eles tratam da questão ambiental de alguma forma?
Acho que estamos diante de uma mudança profunda de nossas circunstâncias que exige uma nova concepção do que é o bem-estar. Não faz mais sentido associar automaticamente o crescimento do consumo material com o aumento de bem-estar. Já há muitas tentativas de formular o que seria a economia estacionária, mas parecem-me todas ainda incipientes. O chamado modelo keynesiano é um modelo macroeconômico de curto prazo, uma formulação conceitual desenvolvida para analisar as questões dos ciclos de curto prazo. Nunca se propôs a tratar dos problemas de mais longo prazo. Aliás, sobre o longo prazo, a frase de Keynes é conhecida: estaremos todos mortos.
O senhor acredita que surgirá um modelo único para enfrentar a crise econômica (e suas conseqüências ambientais), ou a solução seria ter um mosaico de modelos econômicos, de sistemas produtivos e de arranjos sociais diversos? A diversidade é desejável?
Nunca houve modelo econômico único, embora em alguns momentos tenha havido entendimentos hegemônicos. Pessoalmente, considero fundamental a diversidade, a liberdade para pensar sobre tudo a partir dos mais diferentes ângulos. A inteligência não pode ser submetida à camisa de força.
É possível pensar em abandonar o crescimento econômico enquanto a população continuar crescendo? Por que?
Pode-se argumentar que o crescimento da população exige ao menos um crescimento que evite a queda da renda per capita. Não acho que se deva passar da concepção de que o crescimento é o único objetivo econômico, para uma visão que demoniza todo e qualquer crescimento. Deve-se procurar melhorar o bem estar, a qualidade de vida, dentro dos limites suportáveis do planeta.
O que o fez convencer-se da necessidade de limites ao crescimento para evitar uma catástrofe ambiental?
As evidências e a lógica. Como não é mais possível negar os fatos, desconsiderar a questão é uma pura aposta na evolução tecnológica. Como a tecnologia, desde a Revolução Industrial, tem feito progressos absolutamente extraordinários, fomos levados a acreditar que ela será capaz de tudo resolver. Pode ser, mas no caso dos limites do planeta, perder a aposta tem consequências graves demais.
O senhor cita Paul Gilding em seu artigo, que embora lide com questões ambientais há muitos anos, não é economista. Dentre os economistas chamados “ortodoxos”, há algum cujo trabalho sobre a questão ambiental deveríamos prestar atenção?
Não classifico os economistas entre ortodoxos e não ortodoxos. Acho que há bons economistas e não tão bons economistas, gente que pensa bem e gente que não pensa bem.
Como a comunidade econômica brasileira recebeu seu artigo “Os Novos Limites do Crescimento”?
Não sei. O artigo teve uma repercussão surpreendente. Ainda não tenho certeza de que entendi por que.