Nada que a presidente Dilma Rousseff tenha dito na reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi exatamente uma surpresa. O pensamento e as posições da presidente em relação às fontes alternativas de energia e ao desenvolvimento sustentável em latu sensu são velhos conhecidos do público desde os tempos que ocupava o cargo de ministra das Minas e Energia e, mais recentemente, o da Casa Civil.
Mas, nesse caso, coerência e transparência não valeram como boas qualidades. Na verdade, tomou-se praticamente como um desrespeito a coleção de frases da presidente – ainda mais porque mal fundamentadas – e desferidas em péssimo timing.
Neste momento delicado e de enorme desafio, em que será necessária a orquestração de líderes do mundo a fim de se chegar a um termo que seja bom para a humanidade e a vida na Terra, tudo o que menos se espera da representante oficial do país anfitrião da Rio+20 é que trate o tema com inépcia.
Pois foi isso que se viu no encontro. Como que movida por uma preconcepção ideológica, a presidente ignorou alguns fatos que seu perfil técnico lhe permitiria entender muito bem.
O primeiro é que se defendia o aumento da participação das fontes renováveis para compor um mix diversificado e complementar, e não para substituir totalmente a fonte hídrica – que, embora considerada renovável, provoca grandes impactos socioambientais, já bem conhecidos, e é vulnerável às próprias mudanças do clima e às oscilações no ciclo de chuvas. Atribuir aos participantes do fórum uma visão romantizada, com o intuito de desqualificar o argumento, não foi uma atitude das mais justas.
O segundo é que a eficiência das fontes energéticas, em qualquer país do mundo, correlaciona-se fortemente com políticas de governo e de subsídios, com apoio na forma de financiamento, pesquisa e tecnologia. A energia hidrelétrica no Brasil tornou-se o que é hoje graças a tudo isso. O mesmo vale para a indústria do petróleo e a do etanol – que hoje sofre com a falta de uma política clara, para não dizer errática. Parece que os olhos brilham mesmo para os fósseis, na contramão da própria Política Nacional de Mudança Climática e para as obras faraônicas nos confins do País, regadas a dinheiro público e tocadas por empreiteiras. Com vontade política, fontes alternativas podem ser alçadas ao patamar de mainstream. (leia mais sobre os “subsídios perversos“)
O terceiro é que, mesmo sem o apoio necessário ao desenvolvimento de uma economia moderna, de baixo carbono, a energia eólica já deu mostras de competitividade, como visto nos últimos leilões realizados. E, como o próprio Ministério das Minas e Energia sinaliza, o potencial das eólicas é de 143 gigawatts, equivalente a nada menos que dez Itaipus – informação ressaltada por Sérgio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil no artigo “A força do ‘pré-vento”, publicado no Estadão. De quebra, o Brasil ganharia mais duas Itaipus se aproveitasse a energia da biomassa dos canavais, lembra Leitão.
O quarto é que países como Alemanha e Dinamarca já anunciaram um caminho na direção das fontes alternativas que parece sem volta. O primeiro pretende banir a energia nuclear até 2020. E o segundo anunciou que até o final desta década terá um terço da matriz composta como renováveis como eólica, solar e biomassa, chegando a 100% até 2050. São dois países, vamos dizer, top de linha propondo essas metas, e não um bando de amalucados.
Por esses e outros fatos, o momento não é de apontar o dedo acusando ninguém de ser fantasioso. E sim considerar de maneira séria as opiniões que podem contribuir na construção de uma política energética mais próxima do que se chama de sustentável. Mais que isso, contribuir para um posicionamento digno de um país anfitrião, capaz de liderar mudanças estratégicas.