Apesar de avanços desde os anos 1990, a cobertura que a mídia brasileira dedica ao tema sustentabilidade ainda está bem aquém do necessário para atingir sua missão
Um redondo “não”. Foi o que respondeu a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA) quando perguntada se a grande imprensa brasileira está cobrindo adequadamente os temas ligados ao guarda-chuva da sustentabilidade. O grupo articula-se por meio de uma lista de discussões que já está ativa há quase 15 anos – o que, tomando-se como parâmetro a web, é um tempão. Ao todo, oito membros da lista tiraram um tempinho para responder a uma das perguntas de uma entrevista aberta conduzida de forma aberta pela reportagem de Página22. É um recorte pequeno, mas fica difícil ignorar uma unanimidade absoluta quando ela emerge.
Paradoxalmente, a maioria dos entrevistados da rede também respondeu que houve avanço na cobertura desde que eles entraram na profissão. Ou seja: melhoramos, mas não o suficiente!
Os participantes da RBJA não estão sozinhos. Para uma porção de gente que acompanha de perto os bastidores da mídia, o esforço empreendido pelas redações tem sido claudicante. “Avançou muito, só que o tema avançou ainda mais rápido. Então, proporcionalmente, a imprensa ainda cobre mal a sustentabilidade”, analisa Janine Saponara, que há 15 anos dirige a Lead Comunicação, uma assessoria de imprensa especializada em organizações do Terceiro Setor e iniciativas de sustentabilidade.
É fato que houve aumento do espaço dedicado ao tema desde que a cobertura da Rio 92 legitimou de vez a sustentabilidade como gancho para reportagens. Há mais de dez anos a todo-poderosa Rede Globo inclui programas totalmente dedicados ao gênero e, desde setembro passado, ela decidiu juntar o Globo Educação, Globo Ciência, Globo Ecologia, Globo Universidade e Ação num bloco de programação chamado Globo Cidadania, que ocupa duas horas das manhãs de sábado. Apesar do horário pouco amistoso, a diretora de relações públicas da Central Globo de Comunicação, Beatriz Azeredo, informa que os programas são assistidos por uma média de 11 milhões de pessoas. “A criação de uma grade possibilita a integração de temas que estão inter-relacionados”, completa, acrescentando que a temática socioambiental também tem ocupado mais espaço no restante da programação.
Por louvável que seja o fato de a campeã de audiência do País estar disposta a dar espaço ao assunto, é preciso questionar se faz mesmo sentido segregar essa informação.
Cadernalização
Uma crítica recorrente é o excessivo apego das direções dos grandes veículos a um instrumental do século passado que já não dá mais conta do recado. A mídia jornalística tem feito cada vez mais força para que um mundo que se tornou complexo demais continue cabendo no tabuleiro das editorias fixas e bem delimitadas ao qual estão habituadas. “A observação que tenho feito é que a imprensa tradicional não sabe lidar com temas transversais. Isso acontece, sobretudo, nos jornais diários que ainda pensam em termos de editorias estanques”, critica a professora do curso de Jornalismo e coordena-dora do Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (LICA), da Universidade Federal de Sergipe, Sônia Aguiar.
O resultado prático desse cacoete é o engessamento da cobertura conhecida como cadernalização [1]. O professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Paulo Nassar, explica que o resultado disso é que cada caderno olha a questão exclusivamente por um ângulo, o que reforça inconsistências. “Não tem como você falar do Código Florestal dessa maneira, porque esse tema tem nuances sociais, econômicas e ambientais”, explica.
[1] Termo do jargão jornalístico que descreve a prática de criar cadernos e/ou editorias especializados que ficam responsáveis pela cobertura de temas específicos
Os clientes de Janine, da Lead, são vítimas frequentes desse tratamento. Toda vez que sua equipe tenta falar com a editoria de economia de um grande veículo sobre pautas como – digamos – serviços ambientais [2] , o primeiro impulso do editor é empurrar a sugestão para os colegas da seção de meio ambiente. “É difícil vender as pautas de sustentabilidade para outros cadernos, porque falta o entendimento de que esses temas são transversais”, reclama.
[2] Os serviços ambientais são benefícios com implicações econômicas que as pessoas podem tirar de ecossistemas bem preservados, como, por exemplo, a proteção de nascentes, regulação do microclima local e controle da erosão. Recentemente, tem-se fortalecido a ideia de remunerar esses serviços como uma estratégia para proteger as áreas naturais
Para descrever a situação, a criadora do pioneiro Repórter Eco para a TV Cultura, Maria Zulmira de Souza, usa a imagem de um cachorro perseguindo o próprio rabo. Segundo ela, o leitor ainda percebe a sustentabilidade como um assunto à parte e espera que ele esteja dentro de um caderno. E o fato de ele ser apresentado dentro de um caderno só faz reforçar a ideia de que esse é mesmo um assunto à parte. “É um círculo vicioso e ainda não achamos a chave para destravá-lo”, diz.
Paradigma em mudança
Já para Alexandre Mansur – editor-executivo na revista semanal Época –, as editorias já foram mais estanques. “Estas eram mais claras até o ano 2000 mais ou menos. Hoje eu acho até difícil que ainda tenha alguém que enxergue o mundo segmentado”, opina, apontando que recente entrevista com o ex-secretário-executivo da Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco não foi ideia da editoria de meio ambiente [1]. “Quem sugeriu essa entrevista foi o diretor de nossa sucursal de Brasília, que tem seu foco principal na cobertura política”, complementa.
Na leitura de Mansur, a sustentabilidade estaria em um caminho mais ou menos parecido ao trilhado pela tecnologia. “Nos anos 90, tecnologia era um assunto das editorias de ciência. Só que se tornou tão central que começou a entrar nas editorias de política, economia e cultura. O mesmo está acontecendo com a temática socioambiental”, arrisca. O problema, reconhece ele, é que o desmonte das antigas barreiras editoriais ainda é um trabalho em progresso e não é nada fácil de ser operacionalizado. “Veículos muito grandes têm editorias com equipes mais autônomas”, completa.
Paulo Nassar aponta nessa mesma direção, ao dizer que mudar tal situação exigiria uma “transformação cultural de longo prazo”. “Os impressos ainda operam dentro da lógica do mundo mecânico e a sustentabilidade possui uma organicidade que não funciona bem dentro dela”, especula. Há motivo para manter o otimismo, no entanto. “Quando você entra na lógica do digital, consegue fazer as conexões entre diferentes temas de forma mais fácil e estrutural. O jornalismo está aprendendo a trabalhar a informação dentro desse novo paradigma”, afirma.
Para Mansur, pode muito bem haver um recorte geracional aí. Meio de brincadeira, ele diz que os profissionais que têm chegado à redação da Época nos últimos tempos já “vêm com essa programação de fábrica”, mas que os veículos têm o dever de sinalizar a direção correta e criar um ambiente no qual se torne possível associar a sustentabilidade com outros assuntos. “Tudo está na maneira como você enxerga as coisas. Ainda falta a capacidade de entender as conexões, mas os jornalistas estão se renovando. Esse é um conhecimento que está sendo construído”, pondera.
O mundo em preto e branco
“A cobertura sobre sustentabilidade não é a única que tem defeitos”, relativiza Veet Vivarta, que ocupa o posto de secretário-executivo da Andi [3] . Para ele, a imprensa padece de um vício maniqueísta. “Em uma página, você tem uma matéria sobre as iniciativas de responsabilidade social de uma empresa e, na outra, uma denúncia sobre o número de reclamações contra esta mesma empresa no Procon – e as duas matérias não se conversam. É como se a mesma empresa fosse só do bem ou só do mal”, avalia.
[3] A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) foi fundada em 1993 por Gilberto Dimenstein e Âmbar de Barros para aumentar o espaço que a imprensa dedicava à infância e à adolescência. No ano passado, a organização passou por uma reengenharia e mudou seu nome para Andi – Comunicação e Direitos, e ampliou seu escopo para a abraçar o espectro do socioambientalismo
Ao optar por destrinchar a realidade, Vivarta avalia que a imprensa deixa passar questões essenciais. Caso, por exemplo, da falta de critérios ambientais nas obras do PAC ou no pacote de incentivos à indústria automobilística criado para combater os efeitos da crise de 2008 (leia mais sobre o assunto na reportagem “Fade In / Fade Out” da edição 62).“Diante da qualidade da cobertura econômica e política que temos, era de esperar que essas contradições estivessem presentes. Mas elas não são questionadas”, lamenta.
Uma das razões para essa postura pode estar no que Paulo Nassar identifica como uma atitude reativa da imprensa. “Quando você trabalha o que é noticia, valoriza apenas o que é furo, como grandes acidentes ecológicos, os números do desmatamento ou a mais recente projeção do Armageddom. Isso distancia a apuração do que a gente chama de educomunicação”. [4]
[4] Conceito pedagógico que propõe o uso de recursos e técnicas típicos do setor de comunicações para fortalecer a aprendizagem
Problema em formação
Contribui para manter de pé esse estado de coisas o fato de a formação profissional oferecida nas universidades deixar a desejar. Um bom testemunho dessa dificuldade vem das entrevistas com os membros da RBJA, a rede de jornalistas ambientais. Quando questionados se sentiram falta de uma formação mais sólida sobre o assunto no começo de suas carreiras, todas as respostas foram “sim”.
A professora Sônia Aguiar conta que ainda são raros os cursos que oferecem disciplinas específicas sobre sustentabilidade e que o mais comum é que isso apareça no contexto de disciplinas ligadas ao jornalismo científico. “Com isso, o enfoque socioambiental fica de fora”, censura. Dono de um extenso currículo acadêmico, Paulo Nassar também critica a ausência das matérias inseridas de forma mais estrutural nos cursos. “Às vezes, o enfoque entra como matéria optativa ou acaba relegado ao mercado de pós-graduação”, diz.
Mesmo que a formação nas faculdades fosse mais esmerada, Veet Vivarta lembra que o significado do que vem a ser sustentabilidade continua se movendo com muita rapidez e complexidade. “Eu não acho que a imprensa tenha uma compreensão madura desse termo. Até porque ‘sustentabilidade’ tornou-se uma palavra mágica que vem sendo usada sem buscar um consenso ou uma tradução mais específica”, considera. Isso exige dos veículos e dos profissionais um esforço constante de formação. “A gente organizou uma série de seminários preparatórios para a COP 15 [5] , e foi interessante ver o volume de profissionais que queriam participar das oficinas”, comemora.
[5] A cúpula da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada na Dinamarca no fim de 2009
Evolução da fonte
A formação dos jornalistas tem lá seus limites. O resultado do trabalho de um repórter tende a ser tão bom quanto as fontes que ele ouve, e a profissionalização dos esforços de comunicação nas organizações que lidam com a sustentabilidade é relativamente recente. Vivarta explica que boa parte do sucesso da Andi vem do fato de apresentar suas causas de uma forma que fazia sentido para as redações, e não de forma militante. “Temos encontrado uma receptividade muito boa, e isso tem mérito. A redações podem evoluir com resultados muito positivos”, elogia.
Acontece que a Andi é um caso à parte, porque foi criada por gente do ramo. Uma boa parte das organizações só foi aprender a lidar com a imprensa em bases proativas quando descobriu que isso facilitava a captação de recursos. “Quando as ONGs perceberam que precisavam mostrar o que estavam fazendo, começaram a correr atrás de capacitação em comunicação”, explica Janine, da Lead, que vem pesquisando a questão da liderança na área de comunicação como participante de um programa criado pelo MIT chamado Líderes Emergentes para Inovação entre Setores, que tem como meta identificar e fortalecer oportunidades de colaboração multissetoriais.
No fim das contas, alerta Maria Zulmira de Souza, tudo isso precisa se transformar em uma boa história que será contada – e lida – com prazer. “Existe uma cobrança para que você seja muito técnico na abordagem e isso torna nossa linguagem muito complexa. Precisamos redescobrir a arte de contar boas histórias, porque são elas que vão tocar as pessoas de verdade”, arremata.[:en]Apesar de avanços desde os anos 1990, a cobertura que a mídia brasileira dedica ao tema sustentabilidade ainda está bem aquém do necessário para atingir sua missão
Um redondo “não”. Foi o que respondeu a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA) quando perguntada se a grande imprensa brasileira está cobrindo adequadamente os temas ligados ao guarda-chuva da sustentabilidade. O grupo articula-se por meio de uma lista de discussões que já está ativa há quase 15 anos – o que, tomando-se como parâmetro a web, é um tempão. Ao todo, oito membros da lista tiraram um tempinho para responder a uma das perguntas de uma entrevista aberta conduzida de forma aberta pela reportagem de Página22. É um recorte pequeno, mas fica difícil ignorar uma unanimidade absoluta quando ela emerge.
Paradoxalmente, a maioria dos entrevistados da rede também respondeu que houve avanço na cobertura desde que eles entraram na profissão. Ou seja: melhoramos, mas não o suficiente!
Os participantes da RBJA não estão sozinhos. Para uma porção de gente que acompanha de perto os bastidores da mídia, o esforço empreendido pelas redações tem sido claudicante. “Avançou muito, só que o tema avançou ainda mais rápido. Então, proporcionalmente, a imprensa ainda cobre mal a sustentabilidade”, analisa Janine Saponara, que há 15 anos dirige a Lead Comunicação, uma assessoria de imprensa especializada em organizações do Terceiro Setor e iniciativas de sustentabilidade.
É fato que houve aumento do espaço dedicado ao tema desde que a cobertura da Rio 92 legitimou de vez a sustentabilidade como gancho para reportagens. Há mais de dez anos a todo-poderosa Rede Globo inclui programas totalmente dedicados ao gênero e, desde setembro passado, ela decidiu juntar o Globo Educação, Globo Ciência, Globo Ecologia, Globo Universidade e Ação num bloco de programação chamado Globo Cidadania, que ocupa duas horas das manhãs de sábado. Apesar do horário pouco amistoso, a diretora de relações públicas da Central Globo de Comunicação, Beatriz Azeredo, informa que os programas são assistidos por uma média de 11 milhões de pessoas. “A criação de uma grade possibilita a integração de temas que estão inter-relacionados”, completa, acrescentando que a temática socioambiental também tem ocupado mais espaço no restante da programação.
Por louvável que seja o fato de a campeã de audiência do País estar disposta a dar espaço ao assunto, é preciso questionar se faz mesmo sentido segregar essa informação.
Cadernalização
Uma crítica recorrente é o excessivo apego das direções dos grandes veículos a um instrumental do século passado que já não dá mais conta do recado. A mídia jornalística tem feito cada vez mais força para que um mundo que se tornou complexo demais continue cabendo no tabuleiro das editorias fixas e bem delimitadas ao qual estão habituadas. “A observação que tenho feito é que a imprensa tradicional não sabe lidar com temas transversais. Isso acontece, sobretudo, nos jornais diários que ainda pensam em termos de editorias estanques”, critica a professora do curso de Jornalismo e coordena-dora do Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (LICA), da Universidade Federal de Sergipe, Sônia Aguiar.
O resultado prático desse cacoete é o engessamento da cobertura conhecida como cadernalização [1]. O professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Paulo Nassar, explica que o resultado disso é que cada caderno olha a questão exclusivamente por um ângulo, o que reforça inconsistências. “Não tem como você falar do Código Florestal dessa maneira, porque esse tema tem nuances sociais, econômicas e ambientais”, explica.
[1] Termo do jargão jornalístico que descreve a prática de criar cadernos e/ou editorias especializados que ficam responsáveis pela cobertura de temas específicos
Os clientes de Janine, da Lead, são vítimas frequentes desse tratamento. Toda vez que sua equipe tenta falar com a editoria de economia de um grande veículo sobre pautas como – digamos – serviços ambientais [2] , o primeiro impulso do editor é empurrar a sugestão para os colegas da seção de meio ambiente. “É difícil vender as pautas de sustentabilidade para outros cadernos, porque falta o entendimento de que esses temas são transversais”, reclama.
[2] Os serviços ambientais são benefícios com implicações econômicas que as pessoas podem tirar de ecossistemas bem preservados, como, por exemplo, a proteção de nascentes, regulação do microclima local e controle da erosão. Recentemente, tem-se fortalecido a ideia de remunerar esses serviços como uma estratégia para proteger as áreas naturais
Para descrever a situação, a criadora do pioneiro Repórter Eco para a TV Cultura, Maria Zulmira de Souza, usa a imagem de um cachorro perseguindo o próprio rabo. Segundo ela, o leitor ainda percebe a sustentabilidade como um assunto à parte e espera que ele esteja dentro de um caderno. E o fato de ele ser apresentado dentro de um caderno só faz reforçar a ideia de que esse é mesmo um assunto à parte. “É um círculo vicioso e ainda não achamos a chave para destravá-lo”, diz.
Paradigma em mudança
Já para Alexandre Mansur – editor-executivo na revista semanal Época –, as editorias já foram mais estanques. “Estas eram mais claras até o ano 2000 mais ou menos. Hoje eu acho até difícil que ainda tenha alguém que enxergue o mundo segmentado”, opina, apontando que recente entrevista com o ex-secretário-executivo da Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco não foi ideia da editoria de meio ambiente [1]. “Quem sugeriu essa entrevista foi o diretor de nossa sucursal de Brasília, que tem seu foco principal na cobertura política”, complementa.
Na leitura de Mansur, a sustentabilidade estaria em um caminho mais ou menos parecido ao trilhado pela tecnologia. “Nos anos 90, tecnologia era um assunto das editorias de ciência. Só que se tornou tão central que começou a entrar nas editorias de política, economia e cultura. O mesmo está acontecendo com a temática socioambiental”, arrisca. O problema, reconhece ele, é que o desmonte das antigas barreiras editoriais ainda é um trabalho em progresso e não é nada fácil de ser operacionalizado. “Veículos muito grandes têm editorias com equipes mais autônomas”, completa.
Paulo Nassar aponta nessa mesma direção, ao dizer que mudar tal situação exigiria uma “transformação cultural de longo prazo”. “Os impressos ainda operam dentro da lógica do mundo mecânico e a sustentabilidade possui uma organicidade que não funciona bem dentro dela”, especula. Há motivo para manter o otimismo, no entanto. “Quando você entra na lógica do digital, consegue fazer as conexões entre diferentes temas de forma mais fácil e estrutural. O jornalismo está aprendendo a trabalhar a informação dentro desse novo paradigma”, afirma.
Para Mansur, pode muito bem haver um recorte geracional aí. Meio de brincadeira, ele diz que os profissionais que têm chegado à redação da Época nos últimos tempos já “vêm com essa programação de fábrica”, mas que os veículos têm o dever de sinalizar a direção correta e criar um ambiente no qual se torne possível associar a sustentabilidade com outros assuntos. “Tudo está na maneira como você enxerga as coisas. Ainda falta a capacidade de entender as conexões, mas os jornalistas estão se renovando. Esse é um conhecimento que está sendo construído”, pondera.
O mundo em preto e branco
“A cobertura sobre sustentabilidade não é a única que tem defeitos”, relativiza Veet Vivarta, que ocupa o posto de secretário-executivo da Andi [3] . Para ele, a imprensa padece de um vício maniqueísta. “Em uma página, você tem uma matéria sobre as iniciativas de responsabilidade social de uma empresa e, na outra, uma denúncia sobre o número de reclamações contra esta mesma empresa no Procon – e as duas matérias não se conversam. É como se a mesma empresa fosse só do bem ou só do mal”, avalia.
[3] A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) foi fundada em 1993 por Gilberto Dimenstein e Âmbar de Barros para aumentar o espaço que a imprensa dedicava à infância e à adolescência. No ano passado, a organização passou por uma reengenharia e mudou seu nome para Andi – Comunicação e Direitos, e ampliou seu escopo para a abraçar o espectro do socioambientalismo
Ao optar por destrinchar a realidade, Vivarta avalia que a imprensa deixa passar questões essenciais. Caso, por exemplo, da falta de critérios ambientais nas obras do PAC ou no pacote de incentivos à indústria automobilística criado para combater os efeitos da crise de 2008 (leia mais sobre o assunto na reportagem “Fade In / Fade Out” da edição 62).“Diante da qualidade da cobertura econômica e política que temos, era de esperar que essas contradições estivessem presentes. Mas elas não são questionadas”, lamenta.
Uma das razões para essa postura pode estar no que Paulo Nassar identifica como uma atitude reativa da imprensa. “Quando você trabalha o que é noticia, valoriza apenas o que é furo, como grandes acidentes ecológicos, os números do desmatamento ou a mais recente projeção do Armageddom. Isso distancia a apuração do que a gente chama de educomunicação”. [4]
[4] Conceito pedagógico que propõe o uso de recursos e técnicas típicos do setor de comunicações para fortalecer a aprendizagem
Problema em formação
Contribui para manter de pé esse estado de coisas o fato de a formação profissional oferecida nas universidades deixar a desejar. Um bom testemunho dessa dificuldade vem das entrevistas com os membros da RBJA, a rede de jornalistas ambientais. Quando questionados se sentiram falta de uma formação mais sólida sobre o assunto no começo de suas carreiras, todas as respostas foram “sim”.
A professora Sônia Aguiar conta que ainda são raros os cursos que oferecem disciplinas específicas sobre sustentabilidade e que o mais comum é que isso apareça no contexto de disciplinas ligadas ao jornalismo científico. “Com isso, o enfoque socioambiental fica de fora”, censura. Dono de um extenso currículo acadêmico, Paulo Nassar também critica a ausência das matérias inseridas de forma mais estrutural nos cursos. “Às vezes, o enfoque entra como matéria optativa ou acaba relegado ao mercado de pós-graduação”, diz.
Mesmo que a formação nas faculdades fosse mais esmerada, Veet Vivarta lembra que o significado do que vem a ser sustentabilidade continua se movendo com muita rapidez e complexidade. “Eu não acho que a imprensa tenha uma compreensão madura desse termo. Até porque ‘sustentabilidade’ tornou-se uma palavra mágica que vem sendo usada sem buscar um consenso ou uma tradução mais específica”, considera. Isso exige dos veículos e dos profissionais um esforço constante de formação. “A gente organizou uma série de seminários preparatórios para a COP 15 [5] , e foi interessante ver o volume de profissionais que queriam participar das oficinas”, comemora.
[5] A cúpula da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada na Dinamarca no fim de 2009
Evolução da fonte
A formação dos jornalistas tem lá seus limites. O resultado do trabalho de um repórter tende a ser tão bom quanto as fontes que ele ouve, e a profissionalização dos esforços de comunicação nas organizações que lidam com a sustentabilidade é relativamente recente. Vivarta explica que boa parte do sucesso da Andi vem do fato de apresentar suas causas de uma forma que fazia sentido para as redações, e não de forma militante. “Temos encontrado uma receptividade muito boa, e isso tem mérito. A redações podem evoluir com resultados muito positivos”, elogia.
Acontece que a Andi é um caso à parte, porque foi criada por gente do ramo. Uma boa parte das organizações só foi aprender a lidar com a imprensa em bases proativas quando descobriu que isso facilitava a captação de recursos. “Quando as ONGs perceberam que precisavam mostrar o que estavam fazendo, começaram a correr atrás de capacitação em comunicação”, explica Janine, da Lead, que vem pesquisando a questão da liderança na área de comunicação como participante de um programa criado pelo MIT chamado Líderes Emergentes para Inovação entre Setores, que tem como meta identificar e fortalecer oportunidades de colaboração multissetoriais.
No fim das contas, alerta Maria Zulmira de Souza, tudo isso precisa se transformar em uma boa história que será contada – e lida – com prazer. “Existe uma cobrança para que você seja muito técnico na abordagem e isso torna nossa linguagem muito complexa. Precisamos redescobrir a arte de contar boas histórias, porque são elas que vão tocar as pessoas de verdade”, arremata.