Ao mesmo tempo que não podemos deixar de lado o crescimento, é necessário melhorar a distribuição de renda em escala planetária
O planejamento saiu da moda com o colapso da União Soviética. No entanto, descobrimos a cada dia que os mercados deixados a si mesmos têm a vista curta e a pele grossa. Não levam em conta o longo prazo e carecem de sensibilidade social.
Mais do que nunca, a humanidade enfrenta a necessidade de definir estratégias globais de desenvolvimento capazes de responder simultaneamente ao duplo desafio das mudanças climáticas potencialmente deletérias para a sobrevivência da nossa espécie, sem se descuidar das enormes disparidades sociais que prevalecem ainda no nosso planeta.
Devemos, portanto, nos esforçar por reduzir as emissões dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do nosso planeta, sem renunciar no imediato ao crescimento econômico, condição sine qua non para levar adiante políticas de redistribuição de emprego e renda.
Há quem diga que esses dois objetivos são contraditórios. Para evitar as catástrofes climáticas, deveríamos desacelerar imediatamente o crescimento econômico. No entanto, a História nos ensina que a redistribuição da renda, difícil em condições de crescimento, torna-se praticamente impossível em uma economia estacionária. Renunciar hoje ao crescimento econômico em nome de objetivos ambientais nos condenaria a conviver com enormes disparidades de nível de consumo entre uma minoria privilegiada e uma maioria forçada a viver uma vida de privações materiais.
Por outro lado, se mantivermos o crescimento econômico nos moldes atuais, continuaremos a lançar na atmosfera quantidades excessivas de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global, provocando uma catástrofe climática. Como não queremos sentar-nos à beira da estrada e chorar, devemos assumir o compromisso de trilhar um caminho estreito, que nos remete à parábola bíblica do buraco de agulha. Não podemos no imediato deixar de crescer, devido à enorme dívida social acumulada na era de expansão colonial da Europa chamada de época de Vasco da Gama pelo historiador indiano K.M. Panikkar [1]. Ao mesmo tempo, devemos nos esforçar para melhorar a distribuição da renda em escala planetária, de modo a ir reduzindo as diferenças abissais do nível material de vida hoje prevalecentes. Só assim poderemos considerar em um futuro bastante próximo (meados deste século?) a passagem da economia mundial a uma fase estacionária no que diz respeito à produção material.
[1] Mais em: K.M. Panikkar, Asia and Western Dominance: A survey of theVvasco da Gama epoch of Ssian history, 1498-1945, london: George Allen & Unwin, 1953.
Não há nem haverá limites para a produção imaterial, a cultura, a criação artística, as festas, as competições esportivas e demais atividades conviviais. O futuro pertencerá, assim, cada vez mais ao Homo ludens e não ao Homo faber de J. Huizinga [2], dando-lhes ensejo para avançar na construção da civilização do ser na partilha equitativa do ter, no dizer do dominicano francês Joseph-Louis Lebret, que muito andou pelo Brasil.
[2] Sobre a função social do jogo, leia Johan Huizinga, Homo ludens: Essai sur la fonction sociale du jeu, Oaris: Gallimard, 1938.
É de esperar que a Cúpula da Terra que voltará a se reunir no Rio de Janeiro em junho próximo reconheça definitivamente que a revolução industrial do século XVIII nos projetou numa nova era geológica – o Antropoceno – caracterizada pelo “papel central da humanidade na geologia e ecologia” da nave espacial Terra [3]. Mais do que nunca, devemos reconhecer a nossa responsabilidade pelos destinos futuros do nosso planeta [4].
[3] Mais em: Paul J.Crutzen & Eugene f. Stoermer, “The ‘Anthropocene’”, Global Change Newsletter –The International Geosphere–Biosphere Programme (IGBP), n° 41, may 2000, p. 17.
[4] Sobre o tema: Hans Jonas, The Imperative of Responsibility: In search of ethics for the technological age, Chicago: University of Chicago Press, 1984 [1979].
Aproveitando uma coincidência feliz de datas – estaremos celebrando em junho deste ano o tricentenário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau –, convém pensar em um novo Contrato Social, ou, mais exatamente, em contratos sociais nos níveis dos países-membros das Nações Unidas e em um megacontrato reunindo todos os membros da ONU, destinados a balizar o nosso ingresso no Antropoceno e a servir de base a planos plurianuais de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente responsável.
Às Nações Unidas caberiam duas funções:
- a criação de um fundo de desenvolvimento includente e sustentável, formado com 1% do PIB dos países ricos, a taxa Tobin sobre especulações financeiras, um imposto sobre emissões de carbono e pedágios sobre ares e mares (mais em reportagem sobre financiamento global);
- a consolidação de redes de cooperação científica e técnica para o melhor aproveitamento dos recursos renováveis de cada bioma, privilegiando os paralelos em detrimento dos meridianos e aprofundando o intercâmbio Sul-Sul.
*Ecossocioeconomista da École des Hautes Études En Sciences Sociales