Como Portland – a metrópole “esquisita” que ficou alheia ao American Way of Life – tornou-se um exemplo de urbanismo inteligente
Eu vivo em uma utopia urbana – Portland, a meio caminho entre San Francisco
e Seattle, na Costa Oeste dos Estados Unidos. Suas ruas são distribuídas em um quadriculado que intercala rotas de ônibus, ciclovias e ruas pacatas, com velhinhos plantando suas hortas, crianças jogando basquete no asfalto e cadeiras de rodas circulando.
Quase a metade dos seus 600 mil habitantes vai a pé ou de bicicleta para o supermercado, a escola, o restaurante e o parque, num raio de 1,5 quilômetro de suas casas. Como a prefeitura dificulta a instalação de shoppings e megalojas, ganha o pequeno comércio, os cafés e mercadinhos onde você é atendido pelo próprio dono. Não é surpresa que 80% dos portlanders dizem gostar de viver na cidade.
“(Essa configuração) cria um sentimento de comunidade, de camaradagem com as pessoas que compartilham o bairro com você. O bairro vira sua família estendida”, racionaliza o prefeito Sam Adams em entrevista à revista The Atlantic. “E Portland não fabrica carros nem petróleo, nem tem seguradoras de automóveis. Assim, cada dólar que deixamos de gastar em algo que não produzimos fica na economia local.” Graças a esse modelo, pelo menos US$ 800 milhões anuais são mantidos na comunidade, em vez de engordar os bolsos da indústria automotiva e associados.
Em abril, Adams conseguiu aprovar um plano estratégico que guiará a gestão municipal até 2035. Elaborado com ampla participação popular, ele prevê a expansão dos chamados “bairros completos” a 90% da cidade. Os 10% restantes são compostos por florestas e ladeiras íngremes que não comportam o uso misto, que combina habitação e comércio.
A prefeitura deverá investir na melhoria das calçadas e dos transportes públicos e na universalização do acesso a parques – hoje 76% da população mora a menos de 800 metros de uma área verde. Também vai apoiar o adensamento de regiões que já oferecem serviços e a instalação de todo o tipo de comércio em zonas habitacionais desguarnecidas, com destaque para hortas comunitárias e mercados que propiciem uma alimentação saudável.
Graças a uma série de sinergias, o número de pessoas que dispensará o carro para ir ao trabalho poderá subir dos atuais 39% para 70%. Em outros lugares, seria impossível, mas aqui a meta soa factível. Em Portland, ninguém parece se importar em bater pernas de impermeável, sob a chuva fina que teima em cair durante dois terços do ano. Com a menor circulação de carros, a poluição do ar deverá diminuir. A meta para as emissões de carbono é chegar a 50% dos níveis de 1990 – hoje a redução já alcança 6% – excepcional para uma metrópole americana.
Esse ousado plano estratégico reforça um modelo de urbanismo que vem de muitas gestões. Desde os anos 70, vários prefeitos trabalharam pela restrição à abertura de avenidas com muitas pistas e bairros esparramados, tão comuns nos Estados Unidos. Em vez disso, favoreceram a criação de um cinturão verde, bairros adensados e grandes investimentos em transportes.
O perfil dos moradores também ajuda a explicar por que Portland lidera os rankings de cidade mais ecológica do país e exemplo de urbanismo inteligente. Quando este antigo polo madeireiro se converteu num centro de alta tecnologia – a chamada Silicon Forest –, passou a atrair jovens profissionais interessados em um modo de vida alternativo. Eles votam em bloco nos democratas e no Partido Verde, abraçam a diversidade sexual, a bicicleta, o artesanato e os trabalhos manuais. Também são defensores ardorosos do comércio local, que inclui redes de supermercados e a Powell’s, maior livraria independente do país.
A cidade cujo lema é “Keep Portland Weird” (mantenha Portland esquisita) demonstra total desinteresse pelo American Way of Life. Se você entrar num bar em Portland, verá gente chegando de skate ou bicicleta, coberto de tatuagens. É boa a chance de que sejam altos executivos de um estúdio de animação ou de uma indústria de equipamento para alpinismo. Os botecos e cafés, aliás, vivem apinhados de gente disposta a congraçar com seus vizinhos, no espírito de camaradagem de bairro descrito pelo prefeito. Com tal população, não é nada difícil de imaginar que, até 2035, a cidade chegue aos 93% de satisfação almejados pelo governo local.
Qual a chance de se replicar esse modelo em outras cidades menos “esquisitas”? É grande, segundo o prefeito. “Não acho que tenha a ver com algo na nossa água, ou que seja uma questão ideológica”, diz. “Na verdade, temos
uma visão conservadora. Queremos tirar
o máximo da infraestrutura em que já investimos. Temos um bom senso radical.”
*Jornalista especializada em meio ambiente
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No Blog De lá Pra Cá, Regina escreve todas as terças-feiras sobre sustentabilidade em Portland e em outros recantos do mundo