Pelo menos três temas são cruciais para corrigir as distorções da política eleitoral-partidária brasileira – e já foram objeto de vários projetos de lei na última década. Mas, por afetarem a sobrevivência de políticos populistas e o volume de recursos nas campanhas, enfrentam forte resistência no Congresso Nacional. Veja as propostas da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e como as comissões sobre a reforma da Câmara e do Senado tratam cada uma delas.
ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
Como é: Sistema proporcional com lista aberta de candidatos a deputados e vereadores. As vagas são ocupadas pelos mais votados dentro de cada partido ou coligação, conforme o cálculo do coeficiente eleitoral (número de votos válidos divididos pelo número de vagas) e o coeficiente partidário (número de votos válidos dados a cada partido ou coligação divididos pelo coeficiente eleitoral).
O problema: Não há limite para o número de candidatos por partido, que disputam votos com seus colegas de legenda. A lista aberta destaca o político em detrimento da legenda e exige do candidato mais investimento em propaganda para conquistar o eleitor.
Proposta da plataforma: Lista fechada (voto na legenda, que apresenta uma lista de candidatos), com alternância de sexo e observância de critérios étnico-raciais, geracionais e de orientação sexual, entre outros, de forma a garantir que as minorias nos partidos tenham chances de se eleger.
Proposta da Câmara: Lista flexível com dois votos, um na lista de um partido e outro em um candidato preferido pelo eleitor (sem vinculação obrigatória com a legenda escolhida no primeiro voto). É um misto entre listas aberta e fechada, em uma tentativa de vencer as resistências dos defensores do voto nominal. Metade das cadeiras obtidas pelo partido é preenchida por candidatos da lista e a outra metade pelos mais votados nominalmente. É criticada por tornar ainda mais complexa a eleição, fazendo o eleitor votar duas vezes para deputados e vereadores.
Proposta do Senado: Lista fechada elaborada em convenção pelos partidos, com participação de 50% de mulheres e alternância de gênero na ordem. Significaria grande mudança na Câmara dos Deputados: dos 513 deputados em exercício, apenas 45 são mulheres. Foi rejeitada pela CCJ.
A polêmica: Críticos dizem que a lista fechada – principal alternativa proposta – tira do eleitor o voto direto e o afasta dos políticos, além de favorecer os “caciques” nos partidos, aumentando o poder de decidir a ordem prioridade para seus candidatos serem eleitos. Defensores alegam que é a única forma compatível com o financiamento público, pois limita o número de candidatos.
FINANCIAMENTO
Como é: Permite uso de recursos públicos, oriundos do Fundo Partidário, e privados, via doações de pessoas físicas ou jurídicas. Não há teto para os gastos de campanha.
O problema: Ao permitir doações corporativas, atrela candidatos a interesses de empresas que possuem negócios com o governo ou interesse em tê-los. Torna a campanha desigual, visto que os partidos com menor capacidade de captar do setor privado aparecem menos, sendo menos votados. A cada eleição, as campanhas ficam mais caras. Segundo dados do TSE, o gasto total das campanhas para presidente pulou de R$ 94 milhões em 2002 para R$ 590 milhões em 2010. Os 513 deputados eleitos há dois anos gastaram em média 12 vezes mais do que o restante dos candidatos não eleitos.
Plataforma: Financiamento público exclusivo (sem doação de pessoa física ou jurídica) e limite de gastos por eleitor, não podendo os partidos usarem recursos de filiados ou do Fundo Partidário para os processos eleitorais. Doações de pessoas físicas e empresas são proibidas e sujeitas à punição, tanto para o candidato quanto para o doador.
Câmara: Financiamento público exclusivo com criação do Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais, administrado pelo TSE.
proposta do senado: Financiamento público exclusivo, mas deixou pendente a discussão sobre o teto para o financiamento. Foi rejeitada pela CCJ.
A polêmica: Os críticos dizem que os partidos com as maiores bancadas receberiam o maior aporte de recursos no sistema de financiamento público, mantendo a assimetria hoje existente. Seus defensores dizem que o teto de financiamento encurtará a distância relativa entre os partidos, tornando a disputa mais equilibrada.
COLIGAÇÕES
Como é: Partidos podem fazer coligações tanto para as eleições majoritárias (cargos executivos e senadores) quanto para as proporcionais. Afeta não só o coeficiente partidário, mas o tempo de propaganda gratuita. Um terço do horário eleitoral gratuito é dividido igualmente entre os partidos com candidatos. O restante é distribuído para as coligações proporcionalmente ao número de deputados federais de cada partido.
O problema: O eleitor não sabe quem seu voto ajudará a eleger, além de seu candidato. Pode muito bem votar em um que defende
a descriminalização do aborto, e ajudar a eleger outro da coligação contrário a essa ideia. Com tantos nanicos, muitos se coligam em busca de mais tempo no horário eleitoral e não por afinidade programática. Não há compromisso de continuidade da coligação após a eleição, portanto, não ajudam na formação de bancadas. É considerada uma das piores distorções do sistema eleitoral.
Plataforma: Elimina as coligações nas eleições proporcionais. Mas, como defende o pluralismo partidário, propõe que os partidos possam se unir em federações para substituir as coligações, funcionando como agremiação partidária, formada até quatro meses antes das eleições. Por pelo menos três anos, os federados agiriam como se fossem um único partido. Assim, os nanicos conseguiriam tempo extra no horário eleitoral, mas seriam obrigados a permanecer unidos depois de eleitos.
Câmara: Elimina coligações para eleições proporcionais, mas admite a criação de federações.
Senado: Elimina coligações para eleições proporcionais e não permite a formação de federações. Foi aprovada e deve ser encaminhada à Câmara para apreciação.
CLÁUSULA DE BARREIRA
Como é: Na Lei Orgânica dos Partidos está definido que estes devem eleger no mínimo 5% dos deputados federais. É o que se chama de desempenho mínimo, ou cláusula de barreira. Os partidos abaixo desse desempenho ficam impedidos de eleger líderes e participarem de comissões. O STF derrubou essa cláusula em 2006. Atualmente, o desempenho mínimo é de três deputados federais de estados diferentes eleitos.
O problema: A quantidade de partidos existente é considerada excessiva por especialistas, confunde o eleitor e abre caminho para as legendas de aluguel. David Fleischer acredita que um número razoável para um país como o nosso seriam de 10 a 12 partidos. Das 30 legendas ativas no País, sete estão abaixo do desempenho mínimo: PTC, PHS, PMN, PRTB e PSL com apenas um deputado federal em exercício; e PEN e PRP, com dois.
Plataforma: Defende o fim da cláusula de barreira, por considerar que fere o direito constitucional de pluralidade partidária e pede que se definam instrumentos de punição à legenda de aluguel, como mais rigor na definição da fidelidade partidária.
Câmara: Mantém a regra em vigor.
Senado: Mantém a regra em vigor.
SUPLÊNCIA DE SENADOR
Como é: Os dois suplentes são indicados pelo candidato ou pelo partido e assume a vaga até o final do mandato, caso o senador eleito deixe o cargo ou faleça.
O problema: O suplente não aparece nas campanhas e o eleitor dificilmente sabe quem ele é. Muitas vezes os suplentes são parentes do candidato ou um financiador importante, mas desconhecido. A suplência acaba se tornando uma porta de entrada nobre na vida pública para essas figuras desconhecidas.
Plataforma: Defende que o nome do suplente conste da cédula eleitoral
Câmara: Propõe que o suplente será o candidato a deputado federal mais votado na última eleição para a Câmara dos Deputados, na respectiva circunscrição, sob a mesma legenda do titular do mandato, ainda que não tenha sido eleito, observado o requisito de idade mínima. O suplente substitui quando necessário, mas não sucede o titular até o final do mandato.
Senado: Reduz para um, proíbe que o suplente seja cônjuge ou parente do titular até o segundo grau e o torna temporário, até que um novo senador seja eleito no pleito seguinte, ou seja, substitui o titular mas não o sucede.
REELEIÇÃO
Como é: A reeleição para cargos executivos é permitida no limite de dois mandatos consecutivos e o candidato não é obrigado a deixar o cargo para concorrer.
A polêmica: Os críticos consideram que isso torna as eleições injustas, pois o candidato à reeleição tem a máquina pública nas mãos, aparecendo na mídia tanto como candidato como quanto presidente/governador/prefeito. Os defensores argumentam que o período de 4 anos é muito curto para o Executivo fazer avançar seus programas de governo de forma significativa.
Plataforma: Defende impossibilidade de exercer mais de dois mandatos eletivos consecutivos em qualquer tipo de eleição a cargo político, inclusive os cargos legislativos, sendo obrigatória uma quarentena de 4 anos antes de concorrer novamente; estende o mandato nos cargos executivos para 6 anos.
Câmara: Não traz nenhuma proposta no relatório final.
Senado: Proíbe e estende o mandato para 5 anos. Foi rejeitada pela CCJ.
VOTO FACULTATIVO
Como é: Facultativo apenas para eleitores maiores de 16 e menores de 18 anos, e maiores de 70 anos.
A polêmica: Os defensores do voto obrigatório acreditam que a obrigatoriedade torna o resultado das eleições incontestável, por ser expressão da maioria. O baixo comparecimento eleitoral poderia comprometer ainda mais a credibilidade das instituições políticas nacionais perante a população. Além disso, argumentam que a obrigatoriedade é importante em democracias ainda não inteiramente consolidadas, como a nossa, pois permitem que os cidadãos mais pobres e socialmente excluídos manifestem sua vontade política. Já os apoiadores do voto facultativo alegam que, somando-se os votos nulos, brancos e abstenções, tem-se em média 50% do eleitorado votando – aproximadamente o mesmo número de votantes nas eleições presidenciais dos EUA, por exemplo.
O cientista político David Fleischer diz que o voto facultativo é mais consciente, e que o País não é mais uma democracia tão frágil. “Esse tema mexe muito com o conceito de que o brasileiro não tem civismo nem consciência sobre a política e, por isso, temos de obrigá-lo a votar. Isso vem desde 1945, mas nesses 60 anos o nível intelectual do eleitorado melhorou bastante”.
Câmara e Senado: No Senado a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição em 2008 (PEC 28/08), na Câmara dos Deputados, o deputado Filipe Pereira (PSC-RJ) apresentou uma outra PEC (159/12) em maio deste ano. Mas as recentes propostas de reforma das duas Casas manteve o voto obrigatório.
OUTROS NÓS
Além dos grandes nós górdios, há outros pontos em discussão que também despertam polêmica E, em conjunto, alteram bastante o sistema político e eleitoral:
DATA DA POSSE DO EXECUTIVO
Como é: Todos os cargos tomam posse no dia 1º de janeiro.
A polêmica: Críticos dizem que dificulta a participação de autoridades do Brasil e do exterior nas solenidades, por ser feriado, bem como a participação de governadores na posse da presidência. Defensores lembram que a data foi escolhida durante a Constituinte para coincidir com o ano fiscal e um vácuo de poder de 15 dias pode dar brechas para o antecessor causar estragos no orçamento do sucessor.
Câmara: Altera para dia 5 de janeiro a posse de prefeitos, dia 10 a de governadores e dia 15 a de presidente.
Senado: Altera para 10 de janeiro a posse de prefeitos e governadores, e para 15 de janeiro a posse da presidência. Discutirá salvaguardas para evitar problemas fiscais.
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DOMICÍLIO ELEITORAL
Como é: Para concorrer a prefeito, o candidato deve morar no seu município e ser filiado há pelo menos 1 ano.
O problema: A regra facilita a existência do chamado “prefeito itinerante” – aquele que exerce exerce dois consecutivos num município e, no último ano de mandato se domicilia em outro município, onde concorre e prefeito e exerce mais dois mandatos consecutivos.
Plataforma: Defende que o prazo de filiação partidária exigido para o candidato seja de um ano antes da realização da eleição, ou dois anos, caso já tenha sido filiado a outro partido.
Câmara: Vedado o exercício de mais de dois mandatos consecutivos de prefeito em quaisquer municípios.
Senado: Mantém a regra atual, mas impede que prefeitos e vices transfiram seu domicílio eleitoral enquanto estiverem no exercício do mandato.
CANDIDATURAS AVULSAS
Como é: Para concorrer qualquer cargo é preciso ser filiado a um partido.
A polêmica: Os favoráveis argumentam que qualquer cidadão deveria ter o direito de postular uma candidatura política, mesmo sem partido. A medida poderia facilitar a participação de lideranças comunitárias, especialmente em pequenos municípios. Os contrários dizem que isso iria contra os esforços de fortalecer os partidos e tornar as eleições menos personalistas.
Câmara: Permite para prefeitos e vereadores, desde que tenha o apoio prévio de pelo menos 10% dos eleitores do município.
Senado: Permitir apenas para eleições municipais, mas foi rejeitada pela CCJ.
obs.: As propostas da Câmara se referem ao relatório do deputado Henrique Fontana (PR/RS), relator da Comissão Especial da Reforma Política, concluída em março e que não havia entrado em votação até o fechamento desta edição.
A Comissão da Reforma do Senado encerrou suas discussões em abril. O que está aprovado seguirá para apreciação da Câmara, ao passo que as proposições rejeitadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foram arquivadas.