Diante de um sistema político-eleitoral engessado no século XX, movimentos da sociedade ensaiam formas dinâmicas e orgânicas de fazer política, provocar, gerir e se organizar. Como pano de fundo estão mudanças no eixo de poder entre centro e periferia
Já seriam suficientes para questionar as formas tradicionais de fazer política a imensa rejeição aos candidatos à prefeitura de São Paulo – um deles chegou ao recorde de ser rechaçado por metade do eleitorado – e as manifestações, em bate-papos digitais e reais, de uma insatisfação geral com o modelo eleitoral e a representação política como se apresenta.
Não bastasse, a mistura oportunista de legendas e a ausência de projetos claros e consistentes na direção de transformação da realidade brasileira levam a um sentimento pior que a descrença: um certo asco ou apatia em relação ao tema. Mas existe uma nova forma de se fazer política? O que se vislumbra no horizonte das organizações civis e dos pensadores desta matéria? Assistimos, no dia a dia, a iniciativas que tomam do poder público a responsabilidade por cultura e educação – para falar de um duo poderoso que cai no lugar-comum dos discursos nesta época – se frutificarem pelos quatro cantos do País. A nova política seria um conjunto de outras (micro) políticas cidadãs?
No ano passado, recém-saída do Partido Verde (PV), Marina Silva e outras lideranças ligadas ao movimento socioambiental criaram o Movimento por uma Nova Política (MNP). A decepção com o modelo vigente – um sistema do século XX que não dá conta de abarcar desafios do século XXI – foi o motor para o grupo que procurava uma identidade suprapartidária e com as características da horizontalidade, dialogia, participação e uma estrutura em rede. “Foi uma reação à crise de representação dos partidos políticos, onde boa parcela da sociedade não se identifica mais com a política institucional organizada em torno dos partidos”, conta Bazileu Alves Margarido Neto, integrante do MNP.
A proposta deste novo espaço pode ser conferida na rede novapolitica.com.br e a palavra “sonhático” [1] ganhou adeptos empolgados com novos rumos para a política brasileira.
[1] A expressão foi criada por Marina silva ao se desvincular do PV, ocasião em que afirmou: “como alguém já disse, o ideal que move as pessoas para melhorar o mundo em que vivem, e onde no futuro outros irão viver, deve estar na popa e não na proa, a nos impulsionar para o futuro. não é hora de ser pragmático, é hora de ser sonhático e de agir pelos nossos sonhos
Passado um ano, estaremos neste outubro em plena eleição municipal e o MNP esfriou. Parcela dos sonháticos saiu como candidato a vereador, uma trajetória que Margarido Neto não condena, mas que certamente fará o MNP se repensar depois do resultado do pleito, quando voltarão a se reunir e fazer um balanço dos quadros com que poderão contar. “Nosso objetivo é não estar vinculado a esta eleição, mas ela introduziu uma questão que não ficou bem resolvida [pois alguns membros foram se dedicar à campanha]. Então houve um esfriamento proposital, até para que isso não acabasse desvirtuando o próprio caráter do movimento”, explica.
O que o MNP defende é que a forma institucional não deve ser o único meio de participação da sociedade na vida política do País. Após as eleições, garante Margarido Neto, o movimento retomará o processo de definição de programas e projetos, fiel a seus princípios.
Há quem critique a condução do movimento, como Eduardo Rombauer, que integrou o Movimento Marina Silva, uma das fontes de inspiração do MNP. Para Rombauer, o grupo que criou o movimento na busca de novas formas de fazer política ignorou suas raízes (no Movimento Marina Silva) e hoje opera na contramão da transparência e do espírito de cocriação e compartilhamento que antes se pregava. “Os integrantes do Movimento Nova Política estão competindo entre si, o que contraria a sua origem, baseada no diálogo e na causa transpartidária”, critica.
POLÍTICA CIDADÃ
Enquanto isso, na “Sala de Cidadania”, organizações e coletivos não se revezam quando é para botar a mão na massa. São muitas as iniciativas Brasil afora, dentro e fora da rede digital, para melhorar a vida nas cidades, passando por educação, cultura, transporte, urbanismo, acessibilidade e outros pilares que outrora tinham seus destinos reservados a conversas de gabinete.
O Observatório de Favelas (OF) [2], em parceria com a Redes da Maré [3], por exemplo, está em vias de aprovar a criação da Faculdade de Artes e Cultura da Maré, com sede na comunidade que leva o mesmo nome, no Rio de Janeiro. Desdobramento das experiências do OF na área de educação e artes, a ideia é construir uma faculdade com a dimensão da convivência, participação e construção de cidadania, focada no projeto de cidade que inclua todos. Novos protagonistas para uma apreensão sensível do mundo. “Queremos formar os jovens da Maré para que interfiram na comunidade, na cidade e tenham condições de produção e difusão da cultura”, afirma Jorge Luiz Barbosa, diretor do Observatório de Favelas e professor da Universidade Federal Fluminense.
[2] O OF é uma organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Busca afirmar uma agenda de direitos à cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas. Um de seus programas, o imagens do Povo, contribuiu para documentar a Rio+20 em forma de imagens, publicadas na edição 65 de Página22
[3] Instituição da sociedade civil que trabalha de forma integrada e abrangente com temáticas relativas à cidade do Rio de Janeiro e, mais especificamente, aos seus espaços populares
A intenção é iniciar as atividades em 2014 e, até lá, além dos trâmites junto ao Ministério da Educação, os parceiros estão se virando para obter recursos como, por exemplo, a realização de eventos abertos à participação. Uma feijoada animada foi um deles, com vistas à compra do terreno onde será construída a instituição. “Não é um projeto só de uma faculdade, e sim que busca construir um território criativo, gerando produtos, renda, emprego, autoestima necessária, é um projeto de cidadania”, completa.
Na área de cultura, o OF aprovou um projeto com dinheiro da Petrobras que está formando cem lideranças culturais em cinco comunidades cariocas durante este 2012. O projeto Solos Culturais cria redes colaborativas e torna visível a produção cultural nas favelas cariocas, incorporando estes jovens como protagonistas e não meros consumidores de cultura.
Pelo olhar de um dos produtores responsáveis pelo Solos Culturais, Gilberto Vieira, pode-se observar que, além da potência criadora do programa, chega-se a um interessante perfil dessas comunidades e seus habitantes jovens, conhecimento até então também ignorado pelas vias oficiais.
PIPA COM HIP HOP
No Solos, os jovens passam por oficinas de formação e atividade em produção e pesquisa cultural. Foram estimulados a realizar intervenções em suas próprias comunidades. Em Manguinhos, os 20 jovens definiram que soltar pipa era uma prática cultural, juntaram hip hop e o resultado foi uma intervenção curiosa em um espaço abandonado.
Na Rocinha, foi feita uma exposição fotográfica na passarela que é o caminho dos surfistas para o mar. A esquina de Londres – local emblemático do conflito entre polícia e traficantes antes da pacificação da Cidade de Deus – transformou-se em uma casa de chá que abrigou debates sobre o futuro da favela. Para cada intervenção, cada grupo possuía R$ 10 mil a serem autogeridos.
“As comunidades são muito diferentes, há lugares onde os jovens são mais articulados, conscientes e inseridos na vida do Rio, como Cidade de Deus e Rocinha, e outros dominados pelo medo e desinformação, como Manguinhos”, conta Vieira.
Na época em que os candidatos pipocam os morros com seus cartazes e cavaletes, além das promessas vazias de vida nova, Vieira também vê diferenças na relação das comunidades com a política tradicional.
“Muitos estão em outro movimento, não querem relação com os candidatos e têm uma predisposição para a autonomia. Mas é claro que existe ainda a tradição do vereador que vai pedir voto em troca de benefícios”, reflete.
PRIMAVERA DA PERIFERIA
Na toada da efervescência cultural da periferia – com a ressalva de que no universo digital o centro está por toda parte – outras histórias servem de inspiração e alvoroço, especialmente na produção cultural.
Membro do projeto Nós do Morro [4] desde 1989, o ator, produtor e cineasta Luciano Vidigal é prova que dá para fazer política fora dos esquema oficiais ou das leis de incentivo.
[4] Fundado em 1986 com o objetivo de criar acesso à arte e à cultura para as crianças, jovens e adultos do Morro do Vidigal. Hoje, já consolidado, oferece cursos de formação nas áreas de teatro e cinema, abrindo e ampliando os horizontes para um sem-número de crianças, jovens e adultos, moradores ou não do Vidigal
Nascido e criado no Morro do Vidigal, com a vista incrível que se descortina entre os nobres Leblon e São Conrado, Luciano acredita que durante muitos anos as organizações têm feito o papel do governo que, para ele, é dar acesso a tudo e a todos.
“Minha ideologia é oferecer cultura a quem precisa e usá-la como ferramenta de transformação mesmo”, conta o jovem, que começou como ator mirim, foi professor, dirigiu peças de teatro e então descobriu o cinema.
Agora está lançando o documentário 5X Pacificação, sobre as UPPs nas favelas cariocas e está filmando Cidade de Deus 10 Anos, que deve ser lançado no próximo ano, um retrato dos jovens à época não atores que participaram do filme lendário de Fernando Meirelles.
“O cinema me proporciona mostrar a favela de forma singular e poética e me comunicar com o mundo. Sem a tecnologia, sem o cinema digital, seria impossível”, diz Vidigal, reconhecendo que uma certa exploração da imagem das favelas que não resulta em melhorias para os moradores.
Em entrevista a Página22, o professor de Filosofia Política Renato Janine Ribeiro já mencionava que novos espaços, como o cultural, o da informação e tantos outros fariam as vezes da política, ao cumprir seu objetivo maior, que é o de promover a liberdade e a discussão de valores fundamentais.
Para Sérgio Vaz, poeta e produtor do sarau da Cooperifa em São Paulo, a periferia vive a efervescência cultural que a classe média conheceu na década de 1970, agora com a diferença de que conta com as facilidades de acesso e difusão tecnológica. “A internet é nossa mídia, meu blog é meu jornal. Ainda que não seja exatamente o que a gente gostaria, a mídia digital tá aí, sim, esta é nossa primavera da periferia, quer as pessoas gostem, quer não. Demorou para um jornal dizer que a gente prestava”, afirma.
O Sarau comemora 11 anos vigorosos, não recebe dinheiro público e reúne muitas vezes até 500 pessoas em torno de livros e poesia. “Esse novo artista cidadão é engajado, elimina atravessadores, não precisa mais alguém filmar ou falar sobre a gente. Agora é o oprimido falando do opressor”, desafia.
O poder da arte, na sua opinião, faz com que o cidadão cobre onde foi aplicado o dinheiro dele ou volte a estudar ou queira contribuir para sua comunidade. Ainda que haja esses respiros, Sérgio vê uma anestesia cidadã em todas as classes sociais. “A população não reage, não despertou que o poder é seu. Tem que ir pra rua, se fortalecer, não acreditar em alguém mais que si mesmo”.
ACESSO, COBRANÇA E CATARSE
O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e diretor do Creative Commons Brasil, Ronaldo Lemos, pesquisou a apropriação da tecnologia pelas periferias. Conforme seu blog e apresentações no TEDx e CPFL Cultura, Lemos atesta que lan houses, celulares e câmeras digitais eliminaram intermediários no fazer cultural e criaram fenônemos de produção e acesso à cultura e à informação onde a carência era enorme e, portanto, impossíveis décadas atrás.
De acordo com sua tese, existem 108 mil lan houses no Brasil ante a 2.200 salas de cinema e 2.600 livrarias. Por ano, 400 CDs e 100 DVDs de tecnobrega [5] são lançados fora do circuito oficial das gravadoras. Essa disseminação, além do estímulo direto à produção e ao acesso a bens culturais, também tem gerado uma participação e articulação política mais imediata e incisiva na vida pública do País.
[5] gênero musical popular surgido no Pará, no início dos anos 2000. Funde ritmos tradicionais da região com batidas eletrônicas. destaca-se por ter se desenvolvido independentemente das grandes gravadoras, criando um mercado com formas alternativas de produção e distribuição
Mês passado, um dia depois da substituição da ministra da Cultura Ana de Hollanda por Marta Suplicy, mais de 2 mil internautas identificados se uniram a pesquisadores, produtores e artistas para discutir o futuro do Minc em um debate transmitido ao vivo pela POSTV – um projeto nacional de streaming (transmissão ao vivo pela internet), pioneiro e colaborativo, baseado na interatividade e na liberdade total de formatos e de expressão.
Para as eleições, a POSTV criou a série “A Cidade Que Queremos”, colocando no centro do debate da disputa municipal a necessidade urgente de cidades mais justas, criativas, modernas, culturais, progressistas, livres e coletivas. Mais de 30 coletivos do Fora do Eixo [6] se mobilizaram para promover streamings diários derivados dessa tese central, com âncoras em Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. (mais sobre Fora do Eixo em “Academia expandida”)
[6] Rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no final de 2005. Hoje o circuito Fora do eixo está em 25 das 27 unidades federativas do Brasil
Sem contar a maré de diversos e lindos projetos relacionados à política que foram viabilizados por plataformas colaborativas por pura adesão popular. No Catarse, elencamos pelo menos dez: Cidadonos, Muda Cidade, Voto Como Vamos, Repolítica, Marcha da Maconha, Festival Baixo Centro, Que Ônibus Passa Aqui, Tellus Inspira, Cidades para Pessoas e Ônibus Hacker. Todos muito criativos e inovadores, o que vale uma conferida, ainda que seja como incentivo.[:en]Diante de um sistema político-eleitoral engessado no século XX, movimentos da sociedade ensaiam formas dinâmicas e orgânicas de fazer política, provocar, gerir e se organizar. Como pano de fundo estão mudanças no eixo de poder entre centro e periferia
Já seriam suficientes para questionar as formas tradicionais de fazer política a imensa rejeição aos candidatos à prefeitura de São Paulo – um deles chegou ao recorde de ser rechaçado por metade do eleitorado – e as manifestações, em bate-papos digitais e reais, de uma insatisfação geral com o modelo eleitoral e a representação política como se apresenta.
Não bastasse, a mistura oportunista de legendas e a ausência de projetos claros e consistentes na direção de transformação da realidade brasileira levam a um sentimento pior que a descrença: um certo asco ou apatia em relação ao tema. Mas existe uma nova forma de se fazer política? O que se vislumbra no horizonte das organizações civis e dos pensadores desta matéria? Assistimos, no dia a dia, a iniciativas que tomam do poder público a responsabilidade por cultura e educação – para falar de um duo poderoso que cai no lugar-comum dos discursos nesta época – se frutificarem pelos quatro cantos do País. A nova política seria um conjunto de outras (micro) políticas cidadãs?
No ano passado, recém-saída do Partido Verde (PV), Marina Silva e outras lideranças ligadas ao movimento socioambiental criaram o Movimento por uma Nova Política (MNP). A decepção com o modelo vigente – um sistema do século XX que não dá conta de abarcar desafios do século XXI – foi o motor para o grupo que procurava uma identidade suprapartidária e com as características da horizontalidade, dialogia, participação e uma estrutura em rede. “Foi uma reação à crise de representação dos partidos políticos, onde boa parcela da sociedade não se identifica mais com a política institucional organizada em torno dos partidos”, conta Bazileu Alves Margarido Neto, integrante do MNP.
A proposta deste novo espaço pode ser conferida na rede novapolitica.com.br e a palavra “sonhático” [1] ganhou adeptos empolgados com novos rumos para a política brasileira.
[1] A expressão foi criada por Marina silva ao se desvincular do PV, ocasião em que afirmou: “como alguém já disse, o ideal que move as pessoas para melhorar o mundo em que vivem, e onde no futuro outros irão viver, deve estar na popa e não na proa, a nos impulsionar para o futuro. não é hora de ser pragmático, é hora de ser sonhático e de agir pelos nossos sonhos
Passado um ano, estaremos neste outubro em plena eleição municipal e o MNP esfriou. Parcela dos sonháticos saiu como candidato a vereador, uma trajetória que Margarido Neto não condena, mas que certamente fará o MNP se repensar depois do resultado do pleito, quando voltarão a se reunir e fazer um balanço dos quadros com que poderão contar. “Nosso objetivo é não estar vinculado a esta eleição, mas ela introduziu uma questão que não ficou bem resolvida [pois alguns membros foram se dedicar à campanha]. Então houve um esfriamento proposital, até para que isso não acabasse desvirtuando o próprio caráter do movimento”, explica.
O que o MNP defende é que a forma institucional não deve ser o único meio de participação da sociedade na vida política do País. Após as eleições, garante Margarido Neto, o movimento retomará o processo de definição de programas e projetos, fiel a seus princípios.
Há quem critique a condução do movimento, como Eduardo Rombauer, que integrou o Movimento Marina Silva, uma das fontes de inspiração do MNP. Para Rombauer, o grupo que criou o movimento na busca de novas formas de fazer política ignorou suas raízes (no Movimento Marina Silva) e hoje opera na contramão da transparência e do espírito de cocriação e compartilhamento que antes se pregava. “Os integrantes do Movimento Nova Política estão competindo entre si, o que contraria a sua origem, baseada no diálogo e na causa transpartidária”, critica.
POLÍTICA CIDADÃ
Enquanto isso, na “Sala de Cidadania”, organizações e coletivos não se revezam quando é para botar a mão na massa. São muitas as iniciativas Brasil afora, dentro e fora da rede digital, para melhorar a vida nas cidades, passando por educação, cultura, transporte, urbanismo, acessibilidade e outros pilares que outrora tinham seus destinos reservados a conversas de gabinete.
O Observatório de Favelas (OF) [2], em parceria com a Redes da Maré [3], por exemplo, está em vias de aprovar a criação da Faculdade de Artes e Cultura da Maré, com sede na comunidade que leva o mesmo nome, no Rio de Janeiro. Desdobramento das experiências do OF na área de educação e artes, a ideia é construir uma faculdade com a dimensão da convivência, participação e construção de cidadania, focada no projeto de cidade que inclua todos. Novos protagonistas para uma apreensão sensível do mundo. “Queremos formar os jovens da Maré para que interfiram na comunidade, na cidade e tenham condições de produção e difusão da cultura”, afirma Jorge Luiz Barbosa, diretor do Observatório de Favelas e professor da Universidade Federal Fluminense.
[2] O OF é uma organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Busca afirmar uma agenda de direitos à cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas. Um de seus programas, o imagens do Povo, contribuiu para documentar a Rio+20 em forma de imagens, publicadas na edição 65 de Página22
[3] Instituição da sociedade civil que trabalha de forma integrada e abrangente com temáticas relativas à cidade do Rio de Janeiro e, mais especificamente, aos seus espaços populares
A intenção é iniciar as atividades em 2014 e, até lá, além dos trâmites junto ao Ministério da Educação, os parceiros estão se virando para obter recursos como, por exemplo, a realização de eventos abertos à participação. Uma feijoada animada foi um deles, com vistas à compra do terreno onde será construída a instituição. “Não é um projeto só de uma faculdade, e sim que busca construir um território criativo, gerando produtos, renda, emprego, autoestima necessária, é um projeto de cidadania”, completa.
Na área de cultura, o OF aprovou um projeto com dinheiro da Petrobras que está formando cem lideranças culturais em cinco comunidades cariocas durante este 2012. O projeto Solos Culturais cria redes colaborativas e torna visível a produção cultural nas favelas cariocas, incorporando estes jovens como protagonistas e não meros consumidores de cultura.
Pelo olhar de um dos produtores responsáveis pelo Solos Culturais, Gilberto Vieira, pode-se observar que, além da potência criadora do programa, chega-se a um interessante perfil dessas comunidades e seus habitantes jovens, conhecimento até então também ignorado pelas vias oficiais.
PIPA COM HIP HOP
No Solos, os jovens passam por oficinas de formação e atividade em produção e pesquisa cultural. Foram estimulados a realizar intervenções em suas próprias comunidades. Em Manguinhos, os 20 jovens definiram que soltar pipa era uma prática cultural, juntaram hip hop e o resultado foi uma intervenção curiosa em um espaço abandonado.
Na Rocinha, foi feita uma exposição fotográfica na passarela que é o caminho dos surfistas para o mar. A esquina de Londres – local emblemático do conflito entre polícia e traficantes antes da pacificação da Cidade de Deus – transformou-se em uma casa de chá que abrigou debates sobre o futuro da favela. Para cada intervenção, cada grupo possuía R$ 10 mil a serem autogeridos.
“As comunidades são muito diferentes, há lugares onde os jovens são mais articulados, conscientes e inseridos na vida do Rio, como Cidade de Deus e Rocinha, e outros dominados pelo medo e desinformação, como Manguinhos”, conta Vieira.
Na época em que os candidatos pipocam os morros com seus cartazes e cavaletes, além das promessas vazias de vida nova, Vieira também vê diferenças na relação das comunidades com a política tradicional.
“Muitos estão em outro movimento, não querem relação com os candidatos e têm uma predisposição para a autonomia. Mas é claro que existe ainda a tradição do vereador que vai pedir voto em troca de benefícios”, reflete.
PRIMAVERA DA PERIFERIA
Na toada da efervescência cultural da periferia – com a ressalva de que no universo digital o centro está por toda parte – outras histórias servem de inspiração e alvoroço, especialmente na produção cultural.
Membro do projeto Nós do Morro [4] desde 1989, o ator, produtor e cineasta Luciano Vidigal é prova que dá para fazer política fora dos esquema oficiais ou das leis de incentivo.
[4] Fundado em 1986 com o objetivo de criar acesso à arte e à cultura para as crianças, jovens e adultos do Morro do Vidigal. Hoje, já consolidado, oferece cursos de formação nas áreas de teatro e cinema, abrindo e ampliando os horizontes para um sem-número de crianças, jovens e adultos, moradores ou não do Vidigal
Nascido e criado no Morro do Vidigal, com a vista incrível que se descortina entre os nobres Leblon e São Conrado, Luciano acredita que durante muitos anos as organizações têm feito o papel do governo que, para ele, é dar acesso a tudo e a todos.
“Minha ideologia é oferecer cultura a quem precisa e usá-la como ferramenta de transformação mesmo”, conta o jovem, que começou como ator mirim, foi professor, dirigiu peças de teatro e então descobriu o cinema.
Agora está lançando o documentário 5X Pacificação, sobre as UPPs nas favelas cariocas e está filmando Cidade de Deus 10 Anos, que deve ser lançado no próximo ano, um retrato dos jovens à época não atores que participaram do filme lendário de Fernando Meirelles.
“O cinema me proporciona mostrar a favela de forma singular e poética e me comunicar com o mundo. Sem a tecnologia, sem o cinema digital, seria impossível”, diz Vidigal, reconhecendo que uma certa exploração da imagem das favelas que não resulta em melhorias para os moradores.
Em entrevista a Página22, o professor de Filosofia Política Renato Janine Ribeiro já mencionava que novos espaços, como o cultural, o da informação e tantos outros fariam as vezes da política, ao cumprir seu objetivo maior, que é o de promover a liberdade e a discussão de valores fundamentais.
Para Sérgio Vaz, poeta e produtor do sarau da Cooperifa em São Paulo, a periferia vive a efervescência cultural que a classe média conheceu na década de 1970, agora com a diferença de que conta com as facilidades de acesso e difusão tecnológica. “A internet é nossa mídia, meu blog é meu jornal. Ainda que não seja exatamente o que a gente gostaria, a mídia digital tá aí, sim, esta é nossa primavera da periferia, quer as pessoas gostem, quer não. Demorou para um jornal dizer que a gente prestava”, afirma.
O Sarau comemora 11 anos vigorosos, não recebe dinheiro público e reúne muitas vezes até 500 pessoas em torno de livros e poesia. “Esse novo artista cidadão é engajado, elimina atravessadores, não precisa mais alguém filmar ou falar sobre a gente. Agora é o oprimido falando do opressor”, desafia.
O poder da arte, na sua opinião, faz com que o cidadão cobre onde foi aplicado o dinheiro dele ou volte a estudar ou queira contribuir para sua comunidade. Ainda que haja esses respiros, Sérgio vê uma anestesia cidadã em todas as classes sociais. “A população não reage, não despertou que o poder é seu. Tem que ir pra rua, se fortalecer, não acreditar em alguém mais que si mesmo”.
ACESSO, COBRANÇA E CATARSE
O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e diretor do Creative Commons Brasil, Ronaldo Lemos, pesquisou a apropriação da tecnologia pelas periferias. Conforme seu blog e apresentações no TEDx e CPFL Cultura, Lemos atesta que lan houses, celulares e câmeras digitais eliminaram intermediários no fazer cultural e criaram fenônemos de produção e acesso à cultura e à informação onde a carência era enorme e, portanto, impossíveis décadas atrás.
De acordo com sua tese, existem 108 mil lan houses no Brasil ante a 2.200 salas de cinema e 2.600 livrarias. Por ano, 400 CDs e 100 DVDs de tecnobrega [5] são lançados fora do circuito oficial das gravadoras. Essa disseminação, além do estímulo direto à produção e ao acesso a bens culturais, também tem gerado uma participação e articulação política mais imediata e incisiva na vida pública do País.
[5] gênero musical popular surgido no Pará, no início dos anos 2000. Funde ritmos tradicionais da região com batidas eletrônicas. destaca-se por ter se desenvolvido independentemente das grandes gravadoras, criando um mercado com formas alternativas de produção e distribuição
Mês passado, um dia depois da substituição da ministra da Cultura Ana de Hollanda por Marta Suplicy, mais de 2 mil internautas identificados se uniram a pesquisadores, produtores e artistas para discutir o futuro do Minc em um debate transmitido ao vivo pela POSTV – um projeto nacional de streaming (transmissão ao vivo pela internet), pioneiro e colaborativo, baseado na interatividade e na liberdade total de formatos e de expressão.
Para as eleições, a POSTV criou a série “A Cidade Que Queremos”, colocando no centro do debate da disputa municipal a necessidade urgente de cidades mais justas, criativas, modernas, culturais, progressistas, livres e coletivas. Mais de 30 coletivos do Fora do Eixo [6] se mobilizaram para promover streamings diários derivados dessa tese central, com âncoras em Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. (mais sobre Fora do Eixo em “Academia expandida”)
[6] Rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no final de 2005. Hoje o circuito Fora do eixo está em 25 das 27 unidades federativas do Brasil
Sem contar a maré de diversos e lindos projetos relacionados à política que foram viabilizados por plataformas colaborativas por pura adesão popular. No Catarse, elencamos pelo menos dez: Cidadonos, Muda Cidade, Voto Como Vamos, Repolítica, Marcha da Maconha, Festival Baixo Centro, Que Ônibus Passa Aqui, Tellus Inspira, Cidades para Pessoas e Ônibus Hacker. Todos muito criativos e inovadores, o que vale uma conferida, ainda que seja como incentivo.