Todos os anos, baleias jubartes vêm da Antártida ao Brasil para reproduzir e dar à luz a filhotes. Página22 embarcou em uma aventura em alto mar para avistá-las
Primeiro dia de viagem
São Paulo, manhã de outubro de 2012
Enquanto eu seguia em direção ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, refletia o quão diferente seria meus próximos dias de trabalho. Trocava o trânsito e a bagunça de São Paulo por passeios a barco sob o sol, contemplando paisagens naturais. Nada mal.
O roteiro da viagem de Página22 tinha como destino Caravelas, no sul da Bahia. Na pequena cidade de 20 mil habitantes, estava o hotel onde eu e outros jornalistas ficamos abrigados. No dia seguinte iriamos de barco até o Parque Nacional Marinho de Abrolhos para avistar baleias jubartes.
O voo iria até Vitória (ES), onde pegaríamos um ônibus para Caravelas. As sete horas na estrada seriam suficiente para pôr o sono em dia. E eu ainda tinha um livro, duas revistas, um Ipod e um laptop cheio de filmes.
A animação para o avistamento de baleias era geral. Todos os anos, entre julho e novembro, milhares de jubartes saem das águas frias da Antártida – onde se alimentam – e vêm para as brasileiras, a 25 graus Celsius, para reproduzir ou dar à luz e amamentar os filhotes gerados na temporada anterior – a gestação desses cetáceos é de 11 meses. Noventa porcento dessas baleias se concentram em Abrolhos e, por isso, o local é conhecido como o maior berçário da espécie no Atlântico Sul.
São Mateus, no Espírito Santo, 18h
Assim que fizemos a primeira parada, as baleias deixaram de ser nosso assunto principal e passamos a falar de política. Há alguns quilômetros da lanchonete Rodonaldo, onde estávamos, moradores do município de Pedro Canário protestavam sobre os resultados das eleições municipais. O atual prefeito, Antônio Wilson Fiorot (PSB), havia recebido 60,79% dos votos, mas foi enquadrado como ficha suja e não poderia ser reeleito. A população queria que o escolhido permanecesse no cargo em 2013. Para demostrar a insatisfação, moradores queimaram pneus na estrada e interditaram duas pistas da BR 101. A única chance de sair da lanchonete era fazer um desvio por Minas Gerais. A viagem que duraria sete horas se alongou para doze. E lá se foram uma filme, uma revista inteira, música e muito sono.
Segundo dia: Parque Nacional Marinho de Abrolhos
O programação era pegar o catamarã e partir para Abrolhos. No caminho, as baleias poderiam ser encontradas se a sorte assim permitisse. Depois de tantos percalços na viagem, a piada coletiva era que vê-las seria a parte mais fácil de todas. E foi mesmo.
Em menos de uma hora na água, vimos pela primeira vez mãe e filhote nadando próximo ao barco. Foi só o primeiro de muitos avistamentos. Está cada vez mais fácil ver baleias na região, afinal, a população de jubartes cresce a cada ano. O mais recente levantamento do Projeto Baleia Jubarte (PBJ), feito em 2011 e publicado em 2012, registrou a presença de 11.418 animais da espécie na costa entre Sergipe e o Rio de Janeiro. Em 2008, o número foi 9.300.
Os dados refletem o trabalho do Projeto, que obteve vitórias. Um exemplo foi a proibição das atividades petrolíferas em alto mar durante temporada de reprodução, já que elas geram barulhos sísmicos.
O engajamento em prol desses gigantes mamíferos também contou com o apoio de empresas, como a Fibria. Com um porto em Caravelas, a empresa produtora de celulose direciona suas barcaças carregadas de árvores cortadas em direção ao porto de Santos. A rota das embarcações foi transferida para mais perto da costa, evitando que coincida com o caminho das baleias, que passam mais longe do litoral. Isso diminuiu as chances de atropelamentos e acidentes.
Também foi feito uma ação de educação e conscientização com os trabalhadores dessas embarcações. “Além de alterarmos a rota, explicamos o porquê isso foi feito e sobre o comportamento das baleias – que os filhotes, por exemplo, têm que ficar mais perto da superfície para respirar mais vezes. Por isso são facilmente avistados”, conta Milton Marcondes, médico-veterinário e diretor de pesquisa do PBJ. Ele afirma que também capacitou-se os trabalhadores para que, no caso de encontrarem baleias pelo caminho, desviem e diminuam a velocidade.
O Projeto Baleia Jubarte também atua na educação ambiental das comunidades próximas a Abrolhos com foco nas crianças e adolescentes. O turismo de observação, que o projeto toca junto a operadores locais, é outra ferramenta importante de sensibilização sobre a importância desses animais, de outras espécies e do ambiente em que elas vivem.
Segundo Marcondes, a maior ameaça para as jubartes hoje é a exploração de petróleo no sul da Bahia, devido às descobertas do pré-sal. Dez empresas nacionais e estrangeiras têm concessão para exploração de 13 blocos de petróleo nos arredores de Abrolhos. Desde 2011, o Greenpeace mantém campanhas que chamam a atenção sobre os impactos que as atividades irão gerar na região, como a possibilidade de vazamentos. (leia mais na página da Campanha “Deixe as baleias namorarem”).
“Queremos manter Abrolhos longe do petróleo. Essa atividade irá impactar não só as baleias, mas a região como um todo. Aqui também está um enorme e importante recife de corais”, diz Marcondes.
Já aconteceram vitórias para impedir a zona de exploração de petróleo, como a criação de um refúgio de vida selvagem no sul da Bahia e o aumento dos limites do Parque Nacional de Abrolhos. “Petróleo vai continuar sendo petróleo daqui há 50 anos. Já as baleias…. Podemos até explorar esse recurso agora, mas sem comprometer o risco dos animais que viverão no futuro”, reflete o diretor do PBJ.
O petróleo não é a primeira intimidação a uma espécie que já esteve perto do desaparecimento. Segundo Márcia Engel, presidente do Projeto Baleia Jubarte, havia 30 mil animais antes que sua caça fosse permitida, durante os séculos XIX e XX. Quando a prática foi proibida, em 1966, restavam apenas mil. As baleias eram mortas para que sua gordura fosse usada na iluminação pública e como argamassa na construção civil.
Ainda existem exemplares de casas feitas com esse tipo de óleo. Uma delas fez parte do itinerário do último dia de viagem.
Terceiro dia: Reserva Extrativista de Cassurubá
Há alguns minutos de barco do município de Caravelas fica a Reserva Extrativista de Cassurubá. São 111 mil hectares de floresta e manguezal, onde 150 famílias, divididas em pequenas comunidades, vivem principalmente da venda de caranguejos.
A construção da Reserva, em 2009, teve apoio do Projeto Manguezal, que desde 2002 presta assistência a comunidades ribeirinhas. Uma pesquisa de Censo local, há dez anos, notificou famílias de até 13 pessoas que viviam com apenas R$90 mensais. Hoje, a renda vinda da atividade caranguejeira melhorou, principalmente depois da criação de uma associação de trabalhadores que agregou valor na produção.
Ulisses Scofield, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Projeto Manguezal, conta que o caranguejo, antes vendido a 15 centavos a unidade, passou a valer 40 centavos depois que os moradores se uniram. “Fizemos cursos de capacitação para que pessoas entendessem o que é uma reserva extrativista e como a explorar sem degradação, optando pelo manejo sustentável”, diz.
Um dos moradores que observou melhorias na região é seu João Heleno Athaídes. Há 56 anos vive em Cassurubá e vende caranguejos. Seus três filhos se mudaram da reserva e foram estudar e trabalhar em outras cidades. Por isso, hoje ele mora sozinho em uma pequena e simples casa movida a um gerador solar. As paredes de tinta gasta foram construídas há cinco décadas. Numa época em que um animal, que ele nunca viu ao vivo, fornecia óleo para ser a argamassa… Ainda bem que os tempos mudaram, tanto para seu João Heleno quanto para as baleias que nadam há quilômetros de sua casa.
(A repórter viajou a convite da Fibria)