Quando Oliviero Toscani, publicitário italiano responsável por peças icônicas da já nem tão famosa Benetton, lançou seu livro em 2005, causou polêmica no mercado e no meio universitário. A publicidade é um cadáver que nos sorri trazia uma feroz crítica ao mundo faz de conta da publicidade. Desde o índice, com títulos como “Aleluia! O Neném Faz Xixi Azulzinho”, dizia com toda a autoridade – ou cinismo, na opinião de outros – de alguém do meio que o universo tacanho e estúpido da publicidade nos infantilizava há 30 anos com um mundo idílico.
Pois esse mundo idílico segue frequentando os intervalos das novelas e telejornais na televisão, principal meio de comunicação por onde a massa dos brasileiros se informa – 90% como já mostrava Samyra Crespo em 2001 na pesquisa O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável, encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente ao ISER.
Pouca coisa parece ter mudado de lá pra cá. Um estudo divulgado no final do ano passado pelos institutos Ethos e Akatu mostrou que 57% dos entrevistados se informam sobre as ações de responsabilidade socioambiental das empresas através das notícias de TV. Os anúncios televisivos foram citados como fonte de informação sobre o mesmo tema por 25% dos entrevistados.
Em outras palavras: o tal do consumo consciente só tem chances de se massificar se passar pela televisão. E a publicidade, cadavérica ou não, tem um papel extremamente relevante nessa história. Ela não apenas seduz, convence, mas também dá ao consumidor informações que ele vai considerar com seriedade nas suas decisões de compra. Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em entrevista para a reportagem “O cerco ao greenwashing”, diz que o consumidor médio tende a confiar mais nas grandes marcas do que nas pequenas empresas, e nem sempre o que essas grandes marcas anunciam é verdadeiro ou relevante. “Não é ingenuidade do consumidor, ele sabe que as grandes empresas têm mais condições de investir em medidas de responsabilidade e sustentabilidade – e de fato têm – mas o negócio fala mais alto”, diz Oliveira.
Em tese, essa foi a intenção do Conar ao revisar no ano passado o Artigo 36 de seu Código de Autorregulamentação, que já dizia que a publicidade não deveria incentivar direta ou indiretamente a poluição ou o desperdício de recursos naturais. Afinou a redação do artigo e incluiu oito princípios orientadores, visando evitar anúncios com informações vagas ou não comprováveis pelo consumidor (veja os princípios no site do Conar no site). Pelas novas orientações – cuja adoção é voluntária – as informações devem ter relação com os processos de produção e comercialização dos produtos e serviços anunciados e o benefício apregoado deve ser significativo, considerando todo o seu ciclo de vida. Não basta cumprir a legislação e anunciar que é sustentável por isso.
Em um ano e meio de vigência, as novas regras geraram a submissão de 17 casos à Comissão de Ética do Conar. Para a maioria – 12 casos – os relatores ficaram satisfeitos com as informações remetidas pelos anunciantes e arquivaram a representação. São casos como a campanha para revista e internet do papel higiênico Neve, da Kimberly-Clark, informando que o produto em sua apresentação denominada Compacto demanda “menos embalagem, menos caminhão para transporte, menos poluição”. O relator ficou satisfeito com os documentos enviados pelo anunciante e agência comprovando as alegações da campanha e recomendou o arquivamento.
Além da alteração do anúncio do sabão em pó líquido Omo, em outros três casos os argumentos dos anunciantes não foram suficientes para convencer os relatores de que a publicidade seguia os princípios de veracidade, exatidão, pertinência, relevância, concretude e comprovação. Todos enviaram documentos que supostamente comprovariam a sintonia dos anúncios com as novas regras, mas os relatores entenderam que essas informações deveriam estar mais explícitas aos consumidores.
Para a campanha da HP intitulada “Consumo consciente – Só quem tem o compromisso com sustentabilidade tem essas ofertas”, o relator recomendou que a peça incorporasse links e informações que permitam ao consumidor comprovar as afirmações de sustentabilidade. Na a campanha da Sabesp para revista “A Sabesp trabalha para oferecer 300%”, o relator propôs que fosse acrescentada à peça publicitária o endereço do site da Sabesp, no qual o consumidor possa comprovar a veracidade das informações apresentadas, relativas ao tratamento de água e esgoto.
O terceiro caso foi a campanha da Peugeot Citroën, divulgando premiação recebida na categoria sustentabilidade, cujo anúncio para jornal impresso trazia informações sobre ações sustentáveis, das quais a direção do Conar pediu comprovação. Em seu voto, o relator afirmou que o Conar não duvida das informações veiculadas, mas reforçava que “toda publicidade que trata de temas de sustentabilidade deve seguir as novas propostas do Código e de seu Anexo U”, portanto, as comprovações enviadas ao Conar deveriam, de alguma forma, constar do anúncio.
Em apenas um dos 17 casos analisados foi recomendada a suspensão da veiculação do anúncio: o spot de rádio da Água Mineral Rocha Branca, da engarrafadora paulista Fonte Rocha Branca. O anuncio afirmava que a água tinha “garantia de industrialização sem impacto ao ambiente”. O relator entendeu que a peça estava em desacordo com o item 7 do Anexo U, o qual recomenda que: “Tendo em vista que não existem compensações plenas, que anulem os impactos socioambientais produzidos pelas empresas, a publicidade não comunicará promessas ou vantagens absolutas ou de superioridade imbatível”.
A assessoria de imprensa do Conar afirma que, mesmo com caráter voluntário, as recomendações do Conar são aceitas pelas agências e anunciantes. Em mais de 30 anos de existência, o Conar coleciona apenas dez casos recalcitrantes, que acabaram em disputas judiciais. Isto porque, quando há recomendação de alteração ou suspensão de uma campanha, o Conar notifica os veículos, e estes costumam se recusar a veicular o anúncio. Se isso acontece, é prejuízo para o anunciante, pois, em geral, os contratos de publicidade o obrigam a pagar pelo espaço reservado, mesmo que a campanha não seja veiculada.
Mesmo assim, o Idec é cético quanto à eficácia das recomendações do Conar. Somente campanhas veiculadas são submetidas à apreciação do Conar. “Se o anunciante desrespeita as regras e veicula a propaganda, que efeito tem pedir para corrigir com um link? O estrago já foi feito com a veiculação inicial.” questiona Carlos Thadeu de Oliveira. “Enquanto ficar nesse jogo de faz de conta, eu faço de conta que cumpro o Código, você faz de conta que me pune, não vamos sair do lugar.”