Pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, Cristine Bastos do Amarante, faz pesquisas com plantas medicinais da Amazônia e já tem resultados animadores no combate ao diabetes
O Brasil é o quarto país do mundo com a maior incidência de diabetes, possuindo 13,4 milhões de portadores da doença, segundo dados divulgados pela International Diabetes Federation (IDF), em 2012.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o diabetes como uma das cinco doenças que mais matam mundialmente (só no Brasil são cerca de 50 mil óbitos por ano) e uma das que mais preocupam já que afeta mais de 371 milhões de pessoas, das quais 80% vivem em países de média e baixa renda. Nesse sentido, a OMS vem estimulando as pesquisas com plantas medicinais para o tratamento de diabéticos.
Inspirada pelas estatísticas alarmantes e pela riqueza da flora amazônica, a pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Cristine Bastos do Amarante, coordenadora do Laboratório de Análises Químicas da instituição (LAQGoeldi), está à frente de uma pesquisa com quatro plantas medicinais da Amazônia que já tem resultados preliminares animadores no combate ao diabetes, incluindo os altos teores de flavonoides (substâncias antioxidantes) presentes nas espécies estudadas.
Uma das inovações do trabalho foi ouvir as indicações das vendedoras de ervas, as chamadas erveiras, do famoso mercado Ver-o-Peso, de Belém e, a partir disso, estudar os efeitos das espécies receitadas no combate à doença. São elas: insulina (Cissus sicyoides); pedra ume caa (Myrcia sphaerocarpa); cipó-mirauíra (Salacia impressifolia), além da pata de vaca (Bauhinia variegata).
Confira na entrevista a seguir as reflexões da pesquisadora que destaca o potencial dos fitoterápicos para tratar e prevenir doenças, embora sejam muitos os obstáculos a superar em países como o Brasil, onde são necessários mais investimentos, sobretudo em pesquisa, até chegar, de fato, à produção e à oferta dos medicamentos.
Quando começou este trabalho de pesquisa e quais foram as suas principais motivações?
A pesquisa teve início em abril com três principais motivações. A primeira é a epidemia de diabetes que vem crescendo de forma alarmante no Brasil e no mundo. Em segundo, o fato de estarmos na Amazônia, região detentora de megadiversidade biológica na qual se inserem também as plantas medicinais e, ainda, com conhecimento tradicional associado, o que constitui um potencial farmacológico, embora muito pouco explorado pelo nosso país.
E, finalmente, em se falando de conhecimento tradicional, em Belém está o famoso Mercado Ver-o-Peso que oferece uma grande diversidade de ervas medicinais. Esse é um atrativo não só para os paraenses, mas para visitantes de todas as partes do Brasil e do mundo. (Cerca de 50 mil pessoas circulam pelo local por dia, quase 1,5 milhão por mês).
Porque a consulta às erveiras do mercado Ver-o-Peso?
Este é um verdadeiro ponto cultural, onde as erveiras repassam e vendem o saber tradicional, construído de geração a geração pelas comunidades ribeirinhas e indígenas, indicando as ervas e o modo de preparo do remédio caseiro para todo tipo de enfermidade. Tendo em vista que grande parte dos medicamentos comercializados no mundo tem princípios ativos derivados de plantas utilizadas pela população e que a sabedoria popular tem direcionado para a descoberta de potenciais remédios, em vez de definir aleatoriamente o que deveria pesquisar, um bom ponto de partida foi a própria indicação das erveiras.
Depois de consultar as erveiras como ocorreu o andamento da pesquisa?
Iniciamos com a dosagem do teor de flavonóides totais nos chás das ervas mais indicadas para o diabetes, pelas erveiras, de acordo com o modo de preparo ensinado por elas. Estudos anteriores mostraram que os flavonóides podem preservar a função das células beta, as responsáveis por sintetizar e secretar a insulina, e que o consumo de produtos ricos nessa substância, tais como os chás, foi associado com um aumento significativo nos níveis plasmáticos de flavonóides em pacientes diabéticos.
Paralelamente, estamos dosando também substâncias tóxicas, como metais pesados, além da quantidade de folhas utilizadas no preparo dos chás, entre outros, para chegarmos a uma “formulação técnica” que garanta o acesso seguro e o uso racional dessas plantas medicinais pela população, tal como preconiza a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Os próximos passos serão repetir a amostragem periodicamente para verificar se os resultados podem ser influenciados pela sazonalidade.
Se confirmada a eficácia das plantas pesquisadas, o estudo pode inspirar a produção de novos medicamentos? Em quanto tempo os estudos serão concluídos?
Sim, o estudo pode inspirar a produção de novos medicamentos, potencialmente de um fitoterápico. A previsão é de mais três anos para a conclusão dos resultados.
Os resultados preliminares já indicam a viabilidade das ervas medicinais estudadas para doenças como o diabetes. Esse seria um forte apelo para que indústrias farmacêuticas tivessem interesse em fabricar medicamentos a partir dos princípios ativos pesquisados?
Sim, não deixa de ser um forte apelo, mas não seria o suficiente. Realmente, os números sobre a epidemia de diabetes no Brasil tornam esse mercado atrativo para a indústria farmacêutica no país. Entretanto, o elevado custo, associado ao desenvolvimento e à produção de um fitomedicamento, tem desencorajado a indústria nacional a investir nesse nicho de mercado, ao contrário de países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão, além dos europeus que são os que mais manufaturam e comercializam produtos naturais. Eles investem montantes muito superiores aos dos países em desenvolvimento como o Brasil.
Para que os fitomedicamentos sejam eficazes, a sua produção requer necessariamente estudos botânicos, agronômicos, fitoquímicos, farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos, o que exige tempo e altos investimentos.
Quais são os principais empecilhos para que os fitoterápicos sejam viabilizados pelo sistema de saúde no Brasil? A questão é de legislação, de falta de estudos científicos ou quais são as maiores dificuldades?
É uma conjugação de todos estes motivos. No mercado de fitomedicamentos, os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) são ainda incipientes no Brasil, e isto é rigorosamente indispensável para garantir a eficácia terapêutica, a qualidade, tanto da matéria-prima utilizada quanto do produto final, além de estudos toxicológicos que definam o grau de risco do produto. Assim, as normas e critérios para a produção e comercialização de fitomedicamentos no país constituem barreiras institucionais. Principalmente se o produto for um fitofármaco, princípio ativo já isolado do vegetal, que consequentemente já tem um maior valor agregado. Talvez fosse mais fácil, o desenvolvimento de um fitoterápico no qual os métodos de validação são mais simples.
Levando-se em consideração que o Brasil é um país rico em espécies vegetais, porque poucos fitoterápicos estão disponíveis pelo sistema de saúde pública?
Quanto à disponibilidade limitada de fitoterápicos pelo SUS, há também que se considerar que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos ainda é relativamente nova. Foi criada há apenas seis anos pelo Decreto Federal 5.813/06, seguida do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, do ano seguinte. Portanto, as pré-condições já estão prontas para que com o uso sustentável da biodiversidade nacional e com o estabelecimento de parcerias entre as universidades ou centros de pesquisa e as empresas, seja possível superar os obstáculos para que o país comece de fato a produzir fitomedicamentos éticos, genuinamente nacionais.
Como tem ocorrido a entrada de fitoterápicos no SUS?
A Fiocruz é a instituição responsável por inserir os fitoterápicos no SUS, que atualmente oferece 12 medicamentos como alternativa de tratamento para doenças de baixa gravidade (gripe, dor lombar, prisão de ventre, queimaduras, entre outras) em 14 Estados. A tendência observada é de que os fitoterápicos alcancem uma participação cada vez maior na assistência à saúde da população.
Os fitoterápicos podem ajudar a prevenir doenças ou tratá-las de forma mais barata?
Sim, a Fitoterapia é uma alternativa terapêutica de crescente interesse para grande parte da população, principalmente para a mais carente, devido às condições precárias da assistência médica prestada pelos serviços públicos de saúde. Soma-se a isso, o difícil acesso à assistência médica privada pelo seu elevado custo, assim como os altos preços dos medicamentos alopáticos.Esse quadro coloca os fitoterápicos na linha de frente para a manutenção das condições de saúde das pessoas. Além disso, a Fitoterapia representa parte importante da cultura dos povos e, uma vez comprovada sua ação terapêutica, difundida ao longo de várias gerações, pode contribuir na prevenção e tratamento de doenças quando ainda se manifestam em termos de baixa gravidade, desempenhando papel importante nos cuidados primários da saúde da população.
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