A atual organização socioeconômica e os avanços tecnológicos trazem conforto e crescimento. Mas também nos levam a uma exaustão física, mental e de recursos naturais. É hora de diminuir o ritmo e valorizar outros aspectos da vida, como o tempo livre, relativizando o papel do trabalho e do consumo na busca da felicidade
Caro leitor, você só está lendo esta reportagem porque o mundo não acabou no dia 21 de dezembro, como pregaram algumas previsões que interpretaram erroneamente o calendário maia. Mesmo assim, o futuro não é muito promissor para a Terra e seus habitantes. Em janeiro, mais um estudo foi divulgado confirmando que aquecimento global continua a se agravar. Desta vez, a fonte é a agência espacial dos Estados Unidos (Nasa), uma das maiores autoridades do mundo em pesquisas sobre clima. Embora não tenha sido o último, 2012 foi o ano mais quente já registrado desde 1880, quando a Nasa iniciou suas medições, com temperatura média de 14,6 graus. Isso é 0,6 grau superior à temperatura média de meados do século XX e 0,8 grau mais alta do que a média do final do século XX.
O aquecimento é só um dos nossos problemas. Ainda há a superexploração dos recursos naturais, a produção de lixo, a degradação dos ecossistemas, a sexta extinção em massa dos animais (desta vez provocada pela ação humana), a ilha de plástico formada no Pacífico, a poluição do ar, a fome, a pobreza etc. É muita dificuldade para um planeta só.
Reportagens alarmistas sobre o nosso futuro proliferam na mídia. A proposta da Página22 segue outra trilha, que nos leva a refletir sobre nosso relacionamento com a vida. Com a nossa, com os demais seres vivos, com o ecossistemas e com a Terra.
Propomos alguns “menos” no ritmo da vida moderna para que assim alcancemos outros “mais”. Por exemplo, é preciso menos carros particulares para haver mais mobilidade e transporte público nas ruas. Menos concentração de renda para mais qualidade de vida. Menos sucateamento da mão de obra para uma maior oferta de empregos. Quer mais amigos por perto? Desligue o Facebook e vá até a casa deles. A pergunta central é: precisamos de tanto?
“Oferecer um consumo decente para todos no planeta é possível, desde que contenhamos o consumo desenfreado de poucos”, diz Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no texto Os dilemas do consumo. Produtos de grife, por exemplo, custam 100 vezes mais que o custo de sua produção e provêm de uma mão de obra que ganha pouco e vive mal. Para o professor, não há razão econômica para ainda existir miséria, porque o problema não está em produzir mais, mas sim em distribuir melhor as riquezas. “Se produzíssemos mais itens que são realmente necessários e menos plásticos descartáveis e similares, tudo se equilibraria”, diz.
OUTRA ECONOMIA
Comer, comer/ comer, comer/ é o melhor para poder crescer, cantam as crianças antes de avançar em um saboroso prato. A mãe recomenda e faz parte da vida desejar o amadurecimento e esforçar-se para isso. É assim que pensam também governos e empresas, que perseguem taxas de crescimento contínuas. É impossível, porém, crescer infinitamente em um planeta de recursos limitados.
“Se quisermos levar a sério o objetivo de salvar a Terra, precisamos dar outra forma à nossa economia”, alerta o dossiê How Our Economy is Killing the Earth (Como Nossa Economia está Matando a Terra, em tradução livre). “Demorou toda a história da humanidade para a economia atingir a sua dimensão atual. Na forma corrente, levará apenas duas décadas para dobrar”, documentou o texto. [1]
[1] Publicado pela revista britânica New Scientist, em sua edição de 16 de outubro de 2008 (versão integral restrita a assinantes).
Apesar do crescimento econômico robusto, observado especialmente a partir da década de 1950, 45% da população mundial (sobre)vive com menos de US$ 2 por dia. Segundo o relatório Growth Isn’t Working, a cada US$ 100 de crescimento global, apenas US$ 0,60 chegou aos pobres, entre 1990 e 2001. [2] Por isso, “comer, comer para poder crescer” não funciona a longo prazo, como já mostrou a reportagem “O fermento impossível” , na edição 45.
[2] Lançado em janeiro de 2006 pela New Economics Foundation (NEF), de Londres.
No fim de 2012, houve um grande furor quando o valor do PIB brasileiro foi divulgado. Um crescimento em torno de 1% – taxa que deve ser confirmada em breve pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – significa quase uma estagnação econômica, refletindo queda nos lucros das empresas e menos dinheiro de impostos no caixa do governo.
O PIB já foi considerado um bom parâmetro para medir riqueza, mas há algum tempo tem sido renegado por especialistas que veem a economia sob um prisma sistêmico, associado a outras dimensões fundamentais da vida humana. O índice não mede a qualidade da educação e da saúde, e considera como riqueza nacional o faturamento gerado às custas da poluição atmosférica e hídrica, ou mesmo a que é produzida com efeitos nefastos à saúde humana. (veja discussão sobre o PIB versus indicadores de sustentabilidade na edição 4, “Crescer por Crescer?”, em 2006)
“O crescimento do PIB por si só não diminui a desigualdade”, reafirma João Luiz Homem de Carvalho, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele usa como exemplo a morte do Beatle John Lennon. “As quatro balas que atingiram o cantor contribuíram para o PIB dos Estados Unidos em 1980. Foram produzidas, comercializadas e, ao matar alguém, diminuiu-se a população, aumentou o PIB per capita e a renda per capita. Isso faz sentido só na lógica econômica corrente”, diz.
Outro problema do PIB é não levar em conta a redução dos estoques de capital natural. Exportar petróleo, por exemplo, aumenta o tamanho da riqueza nacional com efeitos positivos nos lucros corporativos, mas alarga o déficit no capital natural do planeta.
Desde os anos 1990, acadêmicos, agências multilaterais e organizações não governamentais esforçam-se para criar novos métodos de cálculo da riqueza nacional que levem em conta o capital natural e humano, além do físico (único aspecto medido hoje pelo PIB). Um dos principais métodos alternativos de mensuração da riqueza – o indicador de poupança genuína líquida – foi concebido no departamento de meio ambiente do Banco Mundial, que publicou um manual sobre o assunto em setembro de 2003 [3]. Nesse indicador, a extração de petróleo é tratada como fator de descapitalização da poupança nacional. Para esse método do Banco Mundial e outros cálculos com perspectiva mais abrangente do conceito de desenvolvimento, riqueza é mais do que aquilo que gera cifrões a mais nas contas.
[3] Para mais detalhes sobre o indicador, consulte este link (informação geral sobre o assunto) e este para o manual do Banco Mundial para calcular o índice.
OUT OF OFFICCE
“Quem é você e o que faz da vida?”. De frente com a questão, nosso impulso é falar sobre nosso emprego, o que estamos estudando ou os dois. Trabalho é quase reflexo da vida, afinal, há quem passe mais horas dentro da empresa do que em casa. Com isso, a conversa recorrente no elevador não poderia ser outra a não ser um monotemático “Como está a vida? Muito trabalho!” Será que precisamos trabalhar tanto para ganhar tanto e consumir tanto? E se você passasse menos horas dentro da sala do escritório e mais tempo com a família e amigos ou em locais de lazer, como o cinema?
Provavelmente não aceitaria, pois sabe que isso abriria oportunidade para outro funcionário dedicar mais horas ao trabalho e conquistar a sua vaga. Diante da cultura competitiva dominante, a redução nas jornadas de trabalho depende do apoio de governos e empresas. (mais em reportagem “Viramos workaholics?”)
Segundo o documento da New Economics Foundation (NEF) intitulado 21 horas: Por que uma semana de trabalho menor pode ajudar todos nós a prosperar no século 21, uma carga horária de 21 horas semanais “ajudaria a quebrar o ciclo de viver para trabalhar, trabalhar para ganhar e ganhar para consumir”. As pessoas poderiam se tornar menos apegadas ao consumo intensivo em carbono e mais disponíveis para relacionamentos, hobbies e locais que absorvem menos dinheiro e mais tempo. Isso ajudaria a sociedade a sobreviver sem um crescimento econômico mandatório e com menos emissões de gases de efeito estufa.
Segundo Alan Boccato Franco, mestrando do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, é preciso incluir na agenda política uma “política do tempo”, escreveu em artigo no Blog Decrescimento Brasil. Ele defende o fim da ideia de “trabalho como condenação”, porque a diminuição da carga horária aumentaria a oferta de emprego.
Na França, o economista e filósofo Serge Latouche propôs um programa eleitoral que transforme os ganhos de produtividade em redução do tempo de trabalho e na criação de empregos para que houvesse mais tempo para o lazer. Segundo Latouche, em dois séculos a produtividade dos franceses por hora de serviço cresceu 30 vezes, mas a jornada individual do trabalho foi dividida por dois. O número de vagas só aumentou 1,75.
O texto de Franco cita dados do economista Marcio Pochmann sobre o Brasil no ano de 2002: 8 milhões de pessoas estavam desempregadas, enquanto 31 milhões trabalhavam mais de 44 horas semanais – limite imposto pela Constituição de 1988, que, porém, não impede o trabalho em horas extras. O tempo adicional à jornada regular representava o “desperdício” de 7 milhões de postos de trabalho. Além disso, outros 3,2 milhões de brasileiros contavam com mais de um emprego e 6 milhões de aposentados e pensionistas prosseguiam na ativa.
Ladislau Dowbor concorda com a tese de que a força de trabalho precisa ser mais bem distribuída e afirma, em entrevista a Página22: “Uma minoria trabalha com equipamentos modernos. É um esforço muito grande para produzir bens de consumo supérfluos, enquanto há empregos insuficientes nas áreas de educação, saneamento básico e saúde. São áreas que absorvem muito mais gente”.
Para ele, o que dificulta investimentos nessas áreas é o fato de que a produção de um objeto envolve um ciclo econômico simples: “É preciso ter dinheiro em caixa para comprar matéria-prima e mão de obra, e depois vender para lucrar. Já para construir um hospital, o processo é mais complexo, o governo arrecada dinheiro com impostos, faz a licitação da obra e procura médicos e enfermeiras bem formados para trabalhar lá dentro. É um investimento que envolve uma política mais inteligente”, afirma.
TEMPO DE SOBRA
Se em um novo mundo trabalharmos apenas 21 horas por semana, o que nos restaria fazer com o tempo que sobrasse para nós mesmos? Esse será o tempo dedicado às tarefas de casa, aos estudos, ao lazer e às pessoas queridas. Lazer pode até englobar o uso da internet, mas se necessita cuidado para não cair na armadilha da conectividade em tempo integral. (mais na reportagem “On/Off”)
Na opinião de Franco, a noção de tempo está muito ligada à liberdade de consumo e ao livre mercado. “Uma característica das sociedades capitalistas é a transformação de praticamente todas as dimensões e necessidades humanas em mercadorias: cultura, esporte, brincadeira, jogo, passeios etc.”. Ele ressalta que, se as horas livres não estiverem vinculadas ao consumo, seja de objetos, seja de ingressos, ficaria mais fácil de as pessoas entenderem por que não precisam trabalhar tanto e ter que ganhar tanto dinheiro. Com mais tempo livre, acredita Boccato, as pessoas poderão se dedicar à criação cultural e às invenções. É uma das características do que Ladislau Dowbor chama de “sociedade do conhecimento” – justamente para onde devemos evoluir no próximo mundo. (Acesse o texto Crise e oportunidades em tempos de mudança, de Ladislau Dowbor, Ignacy Sachs e Carlos Lopes)
“A tendência natural é de os conhecimentos se tornarem bens públicos, como no Creative Commons, pela facilidade de disseminação proporcionada pelas tecnologias modernas e a compreensão que gradualmente penetra na sociedade de que o conhecimento se multiplica quando é compartilhado. O conhecimento é um bem cujo consumo não reduz o estoque, ao contrário.” Esse é um bem que podemos desejar cada vez mais, sem que esse aumento cause problemas.
[:en]A atual organização socioeconômica e os avanços tecnológicos trazem conforto e crescimento. Mas também nos levam a uma exaustão física, mental e de recursos naturais. É hora de diminuir o ritmo e valorizar outros aspectos da vida, como o tempo livre, relativizando o papel do trabalho e do consumo na busca da felicidade
Caro leitor, você só está lendo esta reportagem porque o mundo não acabou no dia 21 de dezembro, como pregaram algumas previsões que interpretaram erroneamente o calendário maia. Mesmo assim, o futuro não é muito promissor para a Terra e seus habitantes. Em janeiro, mais um estudo foi divulgado confirmando que aquecimento global continua a se agravar. Desta vez, a fonte é a agência espacial dos Estados Unidos (Nasa), uma das maiores autoridades do mundo em pesquisas sobre clima. Embora não tenha sido o último, 2012 foi o ano mais quente já registrado desde 1880, quando a Nasa iniciou suas medições, com temperatura média de 14,6 graus. Isso é 0,6 grau superior à temperatura média de meados do século XX e 0,8 grau mais alta do que a média do final do século XX.
O aquecimento é só um dos nossos problemas. Ainda há a superexploração dos recursos naturais, a produção de lixo, a degradação dos ecossistemas, a sexta extinção em massa dos animais (desta vez provocada pela ação humana), a ilha de plástico formada no Pacífico, a poluição do ar, a fome, a pobreza etc. É muita dificuldade para um planeta só.
Reportagens alarmistas sobre o nosso futuro proliferam na mídia. A proposta da Página22 segue outra trilha, que nos leva a refletir sobre nosso relacionamento com a vida. Com a nossa, com os demais seres vivos, com o ecossistemas e com a Terra.
Propomos alguns “menos” no ritmo da vida moderna para que assim alcancemos outros “mais”. Por exemplo, é preciso menos carros particulares para haver mais mobilidade e transporte público nas ruas. Menos concentração de renda para mais qualidade de vida. Menos sucateamento da mão de obra para uma maior oferta de empregos. Quer mais amigos por perto? Desligue o Facebook e vá até a casa deles. A pergunta central é: precisamos de tanto?
“Oferecer um consumo decente para todos no planeta é possível, desde que contenhamos o consumo desenfreado de poucos”, diz Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no texto Os dilemas do consumo. Produtos de grife, por exemplo, custam 100 vezes mais que o custo de sua produção e provêm de uma mão de obra que ganha pouco e vive mal. Para o professor, não há razão econômica para ainda existir miséria, porque o problema não está em produzir mais, mas sim em distribuir melhor as riquezas. “Se produzíssemos mais itens que são realmente necessários e menos plásticos descartáveis e similares, tudo se equilibraria”, diz.
OUTRA ECONOMIA
Comer, comer/ comer, comer/ é o melhor para poder crescer, cantam as crianças antes de avançar em um saboroso prato. A mãe recomenda e faz parte da vida desejar o amadurecimento e esforçar-se para isso. É assim que pensam também governos e empresas, que perseguem taxas de crescimento contínuas. É impossível, porém, crescer infinitamente em um planeta de recursos limitados.
“Se quisermos levar a sério o objetivo de salvar a Terra, precisamos dar outra forma à nossa economia”, alerta o dossiê How Our Economy is Killing the Earth (Como Nossa Economia está Matando a Terra, em tradução livre). “Demorou toda a história da humanidade para a economia atingir a sua dimensão atual. Na forma corrente, levará apenas duas décadas para dobrar”, documentou o texto. [1]
[1] Publicado pela revista britânica New Scientist, em sua edição de 16 de outubro de 2008 (versão integral restrita a assinantes).
Apesar do crescimento econômico robusto, observado especialmente a partir da década de 1950, 45% da população mundial (sobre)vive com menos de US$ 2 por dia. Segundo o relatório Growth Isn’t Working, a cada US$ 100 de crescimento global, apenas US$ 0,60 chegou aos pobres, entre 1990 e 2001. [2] Por isso, “comer, comer para poder crescer” não funciona a longo prazo, como já mostrou a reportagem “O fermento impossível” , na edição 45.
[2] Lançado em janeiro de 2006 pela New Economics Foundation (NEF), de Londres.
No fim de 2012, houve um grande furor quando o valor do PIB brasileiro foi divulgado. Um crescimento em torno de 1% – taxa que deve ser confirmada em breve pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – significa quase uma estagnação econômica, refletindo queda nos lucros das empresas e menos dinheiro de impostos no caixa do governo.
O PIB já foi considerado um bom parâmetro para medir riqueza, mas há algum tempo tem sido renegado por especialistas que veem a economia sob um prisma sistêmico, associado a outras dimensões fundamentais da vida humana. O índice não mede a qualidade da educação e da saúde, e considera como riqueza nacional o faturamento gerado às custas da poluição atmosférica e hídrica, ou mesmo a que é produzida com efeitos nefastos à saúde humana. (veja discussão sobre o PIB versus indicadores de sustentabilidade na edição 4, “Crescer por Crescer?”, em 2006)
“O crescimento do PIB por si só não diminui a desigualdade”, reafirma João Luiz Homem de Carvalho, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele usa como exemplo a morte do Beatle John Lennon. “As quatro balas que atingiram o cantor contribuíram para o PIB dos Estados Unidos em 1980. Foram produzidas, comercializadas e, ao matar alguém, diminuiu-se a população, aumentou o PIB per capita e a renda per capita. Isso faz sentido só na lógica econômica corrente”, diz.
Outro problema do PIB é não levar em conta a redução dos estoques de capital natural. Exportar petróleo, por exemplo, aumenta o tamanho da riqueza nacional com efeitos positivos nos lucros corporativos, mas alarga o déficit no capital natural do planeta.
Desde os anos 1990, acadêmicos, agências multilaterais e organizações não governamentais esforçam-se para criar novos métodos de cálculo da riqueza nacional que levem em conta o capital natural e humano, além do físico (único aspecto medido hoje pelo PIB). Um dos principais métodos alternativos de mensuração da riqueza – o indicador de poupança genuína líquida – foi concebido no departamento de meio ambiente do Banco Mundial, que publicou um manual sobre o assunto em setembro de 2003 [3]. Nesse indicador, a extração de petróleo é tratada como fator de descapitalização da poupança nacional. Para esse método do Banco Mundial e outros cálculos com perspectiva mais abrangente do conceito de desenvolvimento, riqueza é mais do que aquilo que gera cifrões a mais nas contas.
[3] Para mais detalhes sobre o indicador, consulte este link (informação geral sobre o assunto) e este para o manual do Banco Mundial para calcular o índice.
OUT OF OFFICCE
“Quem é você e o que faz da vida?”. De frente com a questão, nosso impulso é falar sobre nosso emprego, o que estamos estudando ou os dois. Trabalho é quase reflexo da vida, afinal, há quem passe mais horas dentro da empresa do que em casa. Com isso, a conversa recorrente no elevador não poderia ser outra a não ser um monotemático “Como está a vida? Muito trabalho!” Será que precisamos trabalhar tanto para ganhar tanto e consumir tanto? E se você passasse menos horas dentro da sala do escritório e mais tempo com a família e amigos ou em locais de lazer, como o cinema?
Provavelmente não aceitaria, pois sabe que isso abriria oportunidade para outro funcionário dedicar mais horas ao trabalho e conquistar a sua vaga. Diante da cultura competitiva dominante, a redução nas jornadas de trabalho depende do apoio de governos e empresas. (mais em reportagem “Viramos workaholics?”)
Segundo o documento da New Economics Foundation (NEF) intitulado 21 horas: Por que uma semana de trabalho menor pode ajudar todos nós a prosperar no século 21, uma carga horária de 21 horas semanais “ajudaria a quebrar o ciclo de viver para trabalhar, trabalhar para ganhar e ganhar para consumir”. As pessoas poderiam se tornar menos apegadas ao consumo intensivo em carbono e mais disponíveis para relacionamentos, hobbies e locais que absorvem menos dinheiro e mais tempo. Isso ajudaria a sociedade a sobreviver sem um crescimento econômico mandatório e com menos emissões de gases de efeito estufa.
Segundo Alan Boccato Franco, mestrando do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, é preciso incluir na agenda política uma “política do tempo”, escreveu em artigo no Blog Decrescimento Brasil. Ele defende o fim da ideia de “trabalho como condenação”, porque a diminuição da carga horária aumentaria a oferta de emprego.
Na França, o economista e filósofo Serge Latouche propôs um programa eleitoral que transforme os ganhos de produtividade em redução do tempo de trabalho e na criação de empregos para que houvesse mais tempo para o lazer. Segundo Latouche, em dois séculos a produtividade dos franceses por hora de serviço cresceu 30 vezes, mas a jornada individual do trabalho foi dividida por dois. O número de vagas só aumentou 1,75.
O texto de Franco cita dados do economista Marcio Pochmann sobre o Brasil no ano de 2002: 8 milhões de pessoas estavam desempregadas, enquanto 31 milhões trabalhavam mais de 44 horas semanais – limite imposto pela Constituição de 1988, que, porém, não impede o trabalho em horas extras. O tempo adicional à jornada regular representava o “desperdício” de 7 milhões de postos de trabalho. Além disso, outros 3,2 milhões de brasileiros contavam com mais de um emprego e 6 milhões de aposentados e pensionistas prosseguiam na ativa.
Ladislau Dowbor concorda com a tese de que a força de trabalho precisa ser mais bem distribuída e afirma, em entrevista a Página22: “Uma minoria trabalha com equipamentos modernos. É um esforço muito grande para produzir bens de consumo supérfluos, enquanto há empregos insuficientes nas áreas de educação, saneamento básico e saúde. São áreas que absorvem muito mais gente”.
Para ele, o que dificulta investimentos nessas áreas é o fato de que a produção de um objeto envolve um ciclo econômico simples: “É preciso ter dinheiro em caixa para comprar matéria-prima e mão de obra, e depois vender para lucrar. Já para construir um hospital, o processo é mais complexo, o governo arrecada dinheiro com impostos, faz a licitação da obra e procura médicos e enfermeiras bem formados para trabalhar lá dentro. É um investimento que envolve uma política mais inteligente”, afirma.
TEMPO DE SOBRA
Se em um novo mundo trabalharmos apenas 21 horas por semana, o que nos restaria fazer com o tempo que sobrasse para nós mesmos? Esse será o tempo dedicado às tarefas de casa, aos estudos, ao lazer e às pessoas queridas. Lazer pode até englobar o uso da internet, mas se necessita cuidado para não cair na armadilha da conectividade em tempo integral. (mais na reportagem “On/Off”)
Na opinião de Franco, a noção de tempo está muito ligada à liberdade de consumo e ao livre mercado. “Uma característica das sociedades capitalistas é a transformação de praticamente todas as dimensões e necessidades humanas em mercadorias: cultura, esporte, brincadeira, jogo, passeios etc.”. Ele ressalta que, se as horas livres não estiverem vinculadas ao consumo, seja de objetos, seja de ingressos, ficaria mais fácil de as pessoas entenderem por que não precisam trabalhar tanto e ter que ganhar tanto dinheiro. Com mais tempo livre, acredita Boccato, as pessoas poderão se dedicar à criação cultural e às invenções. É uma das características do que Ladislau Dowbor chama de “sociedade do conhecimento” – justamente para onde devemos evoluir no próximo mundo. (Acesse o texto Crise e oportunidades em tempos de mudança, de Ladislau Dowbor, Ignacy Sachs e Carlos Lopes)
“A tendência natural é de os conhecimentos se tornarem bens públicos, como no Creative Commons, pela facilidade de disseminação proporcionada pelas tecnologias modernas e a compreensão que gradualmente penetra na sociedade de que o conhecimento se multiplica quando é compartilhado. O conhecimento é um bem cujo consumo não reduz o estoque, ao contrário.” Esse é um bem que podemos desejar cada vez mais, sem que esse aumento cause problemas.