Há milhares de anos a espécie humana busca ajustar-se a transformações no ambiente. Desta vez, porém, a mudança tem sido muito mais veloz que as ações e políticas necessárias para responder aos efeitos do aquecimento global
Nós, Homo sapiens, andamos por este planeta há 200 mil anos. E não tem sido nada fácil. Sobrevivemos à última grande glaciação, que teve seu pico 21 mil anos atrás. Do Alasca ao Saara, demos um jeito de driblar as mais adversas condições. Não admira nos considerarmos uma das espécies mais adaptáveis da Terra. Mas o problema, desta vez, é a escala de tempo. As mudanças que enfrentamos na linha recente da História são fruto de pouco mais de dois séculos de interferência humana no delicado equilíbrio climático do planeta. As portas foram arrombadas e, agora, precisamos, além de minimizar o estrago, nos preparar para viver nesta casa danificada.
O tema da adaptação aos efeitos do aquecimento global despontou na Convenção do Clima em 2001, quando a Conferência das Partes de Marrakesh (COP-7) criou um programa para os países menos desenvolvidos, visando apoiar a construção de planos nacionais de adaptação. Na época, a preocupação ainda se concentrava nos países socioeconomicamente mais vulneráveis. Um desconforto justificável quando se veem as previsões de que a África Subsaariana poderá perder até 22% da sua produção de grãos até 2050.
Em meados da década de 2000, porém, grandes cidades do mundo desenvolvido começaram a elaborar planos de adaptação, atraindo mais atenção para o tema [1]. Em 2006, a COP-12, em Nairóbi, encomendou um estudo sobre impactos, vulnerabilidades e adaptação ao órgão de assessoria científica da Convenção do Clima (SBSTA, na sigla em inglês). Mas somente em 2010 a adaptação parece ter ganhado maior relevância na agenda climática. Durante a COP-16, a Convenção criou o Quadro de Adaptação de Cancún, afirmando nos acordos que a adaptação deve ser tratada com o mesmo nível de prioridade que a mitigação.
[1] O plano de adaptação ao aumento das marés na Baía de San Francisco, na Califórnia, é o caso mais famoso. Londres e Nova York também fizeram seus planos.
Para Carolina Dubeux, pesquisadora sênior do Centro Clima, da Coppe/UFRJ, e membro do capítulo sobre Economia da Adaptação do Grupo II do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), mitigar ou adaptar é decisão de cunho econômico: “Deve-se investir em mitigação até o ponto em que o retorno social desse investimento não seja inferior ao retorno social em adaptação. E vice-versa. Na margem, portanto, o ponto ótimo é aquele no qual os retornos em ambas se igualam”.
No entanto, como avaliar isso é algo bastante complexo, pondera Carolina. Isso porque as incertezas inerentes às questões climáticas afetam a percepção que os cidadãos têm sobre os benefícios dos investimentos em cada uma delas. “Decisões de gestão de risco desajustadas podem comprometer recursos públicos ou privados em vez de promover a adaptação”, diz.
Ações de adaptação mesclam-se, ou coincidem, com agendas cujos passivos são elevados e não resolvidos pelos países em desenvolvimento em especial, surgidos durante o processo de urbanização: planejamento urbano, saneamento básico, água, habitação, transportes etc. São ações que devem ser empreendidas independentemente de estarmos enfrentando uma mudança climática. Carolina sugere iniciar os investimentos por aquilo que apresenta ganhos nos dois lados, conjugando mitigação com adaptação, também chamadas estratégias de não arrependimento. (mais em “Sensibilidade climática”)
Adaptação e mitigação podem, portanto, ser consideradas como remédio e prevenção, respectivamente. O investimento em mitigação continua altamente necessário. Ao persistirem as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, o processo de mudanças no clima se acelera e tornará a adaptação e a própria mitigação mais caras no futuro. Enquanto estudos e discussões são travados em torno do tema, a adaptação é mais que necessária e urgente. Isso já é visível em áreas costeiras onde, além da elevação do nível do mar, a erosão mostra-se grande problema. Serão necessárias ações organizadas e concentradas para proteger essa população, boa parte dela pobre, no caso do Brasil.
“Não dá para separar adaptação à mudança climática da questão da desigualdade”, salienta Mariana Nicoletti, coordenadora da Plataforma Empresas pelo Clima do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV-Eaesp. “Os primeiros atingidos são a população de baixa renda, e o mercado não resolverá esse drama por si próprio.”
O Estado, portanto, é um ator estratégico nesse cenário. Além de lidar com a agenda da desigualdade, é seu papel coordenar políticas para diminuir vulnerabilidades e fortalecer a resiliência, seja de populações, seja de ecossistemas. Mariana considera o foco nos serviços ambientais como a grande virada para pensar a adaptação em termos antecipatórios, e não apenas reativos (mais em reportagem “Ginástica por dinheiro novo”).
Assim, além da agenda de desenvolvimento urbano sustentável, é preciso reforçar a resiliência dos ecossistemas para que nosso país tropical siga abençoado por Deus, já que o aquecimento global promete nos castigar com menos água no Semiárido e mais tempestades no Sudeste, entre outras mudanças [2]. Os impactos previstos afetam o nosso bem mais abundante e precioso: a água. E, com ela, a produção de alimentos e de energia – para nos atermos nesta reportagem apenas aos principais aspectos econômicos deste vasto tema que é o da adaptação.
[2] O Inpe possui vários relatórios e estudos sobre os cenários de mudanças climáticas no Brasil
NOVA GEOGRAFIA AGRÍCOLA
Em 2008, a Embrapa publicou um estudo [3] junto com a Unicamp, mostrando como a geografia da produção agrícola de algumas culturas será afetada pelas mudanças no clima e até o fim do ano apresentará dados de outras 30. O documento aponta redução das áreas mais aptas ao plantio de várias espécies já em 2020. No cenário mais otimista, a falta de chuvas e o aumento das temperaturas em São Paulo e Minas Gerais diminuirão as condições de plantio de café em boa parte da área plantada, levando a prejuízos de R$ 600 milhões. A soja tem o pior cenário. Chegará a 2020 com perda de 12% das áreas mais aptas para o plantio, principalmente na Região Sul e no Cerrado do Nordeste, onde se tem dado a expansão das lavouras nos últimos anos.
[3] Foram avaliadas nove culturas agrícolas, responseveis por 87% da produção nacioanal: algodão, cana-de-acúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja, além de penastagens
Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, diz que o caminho está no melhor manejo dos sistemas agrícolas, tanto nas técnicas de produção quanto no melhoramento genético. E não se trata apenas de desenvolver novas variedades. Só recentemente o ponto central das pesquisas de melhoramento genético voltou-se para adaptação ao aumento de temperatura e déficit hídrico. Mas isso não significa que não existam sementes aptas a essas condições entre as muitas variedades já desenvolvidas pela Embrapa e outros centros de pesquisa.
O que falta é organizar todas essas pesquisas em um banco de informações e reavaliar os resultados sob a ótica da adaptação às novas condições climáticas. “A agricultura até agora não demandou soluções que ainda não existem. Nós temos alternativas, o que o País precisa é se organizar para implantá-las”, diz.
Pellegrino avalia que as seis ações [4] previstas no Programa de Agricultura de Baixo Carbono do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Programa ABC, atendem às necessidades de adaptação das técnicas de manejo agrícola. Ao recuperar pastagens degradadas, por exemplo, se reduz a pressão do desmatamento, contribuindo para a manutenção das florestas. Da mesma forma, a integração lavoura-pecuária-floresta inverte a lógica de produção em terra arrasada e contribui com a manutenção das florestas, como a regulação das chuvas.
[4] As seis ações são: recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura- pecuária-floresta e sistemas agroflorestais; plantio direto; fixação biológica de nitrogênio; florestas plantadas; e tratamento de dejetos animais
O governo aposta suas fichas no ainda magro Programa ABC [5] e no desenvolvimento de cultivares mais resistentes a temperaturas mais altas e déficit hídrico. E garante que os riscos da mudança climática para a agricultura foram incluídos nos Planos Safra. Isso porque o seguro agrícola depende do Zoneamento de Risco Climático, que analisa o grau de risco que o clima oferece às principais culturas do País. Os planos do governo incluem aumentar a rede de estações meteorológicas e criar uma agência nacional de assistência técnica. “Não basta ter crédito sem assistência técnica”, diz Caio Rocha, secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Mapa. A meta do governo é atender aos médios produtores, responsáveis por quase 500 mil estabelecimentos rurais.
[5] O Programa ABC dispõe de R$ 2 bilhões de crédito para projetos agropecuários nas suas seis linhas de ação, menos de 2% do orçamento de R$ 115,2 bilhão destinado ao Plano Safra 2012/2013. Mais na reportagem “Ainda no Bê-á-bá”
PANE ELÉTRICA
O sistema elétrico brasileiro também é sensível às mudanças no clima, mostram estudos da Coppe [6]. Os impactos viriam das alterações no comportamento médio das vazões nos rios e na ocorrência de tempestades e secas extremas, que podem prejudicar a operação das usinas hidrelétricas.
Embora as projeções para o final deste século não pareçam muito assustadoras, os números são considerados conservadores pelos pesquisadores da Coppe. Segundo eles, a maior vulnerabilidade do País reside na falta de registros ambientais [7] contínuos e confiáveis para embasar as análises de cenário.
[6] Veja mais em Riscos das Mudanças Climáticas no Brasil e Mudanças Climáticas e Segurança Energética no Brasil.
[7] Os dados de precipitação do Operador Nacional do Sistema, por exemplo, cobrem apenas as bacias dos rios Paraná, Paranaíba e Iguaçu. A Agência Nacional de Águas também monitora chuvas nas bacias brasileiras, mas seus registros são descontínuos.
No estudo sobre segurança energética, os pesquisadores da Coppe avaliaram como o sistema energético planejado para 2030 responderia às novas condições do clima projetadas pelo IPCC para o período de 2071 a 2100. No cenário mais otimista, a quantidade média anual de água que aflui para as usinas pode sofrer uma queda média de 8,6%. A Bacia do Rio São Francisco é a mais afetada, com queda de 23,4%. A instabilidade dos reservatórios aumentará a demanda pela reserva de energia, fornecida por meio das termelétricas a gás e carvão. Trata-se de uma ameaça importante para uma matriz energética dependente dos rios. Essas quedas de vazão podem reduzir a produção de eletricidade a partir de fontes hídricas em até 2,2%.
O Nordeste será a região mais afetada, tanto na geração de energia hidrelétrica como na produção de biodiesel e de energia eólica. Além de reduzir as vazões na Bacia do São Francisco, as mudanças no clima diminuirão o cultivo de oleaginosas e os ventos soprarão mais devagar no interior nordestino, podendo encolher em até 60% o potencial eólico nacional. Até mesmo as termelétricas a gás tornam-se vulneráveis. Suas turbinas são sensíveis a variações na temperatura e na umidade ambientes e podem ter perdas de eficiência que significariam o aumento do consumo de combustível. Para completar, mais calor na maior parte do País deverá aumentar a demanda de energia elétrica nas residências.
A primeira medida de adaptação recomendada pela Coppe é ampliar a produção de informação, ferramenta fundamental no planejamento. Elevar a eficiência e diminuir as perdas de energia dentro do sistema vêm em seguida. O rol de sugestões de medidas adaptativas inclui até reflexões sobre a tarifa dos consumidores, sugerindo a fixação dos preços da eletricidade de acordo com a capacidade de pagamento do consumidor. Para compensar o corte nas contas dos mais pobres, seria elevado o preço pago pelos consumidores de renda mais alta, em que o desperdício tende a ser maior.
Contudo, o governo ainda não incluiu esses cenários de mudança do clima em seu planejamento. A assessoria de comunicação do Ministério de Minas e Energia informou por e-mail à reportagem de Página22 que o PNE 2030 não aborda a adaptação à mudança climática porque foi elaborado em 2006, antes da publicação do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, divulgado em 2007.
Também comunicou que recentemente foi assinado um convênio entre o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o desenvolvimento de estudos sobre os impactos futuros da mudança climática no setor elétrico brasileiro e apresentar informações e propostas que permitirão apontar as medidas de adaptação.
(Colaboraram Mônica C. Ribeiro, Clarice Couto e Lydia Minhoto)[:en]Há milhares de anos a espécie humana busca ajustar-se a transformações no ambiente. Desta vez, porém, a mudança tem sido muito mais veloz que as ações e políticas necessárias para responder aos efeitos do aquecimento global
Nós, Homo sapiens, andamos por este planeta há 200 mil anos. E não tem sido nada fácil. Sobrevivemos à última grande glaciação, que teve seu pico 21 mil anos atrás. Do Alasca ao Saara, demos um jeito de driblar as mais adversas condições. Não admira nos considerarmos uma das espécies mais adaptáveis da Terra. Mas o problema, desta vez, é a escala de tempo. As mudanças que enfrentamos na linha recente da História são fruto de pouco mais de dois séculos de interferência humana no delicado equilíbrio climático do planeta. As portas foram arrombadas e, agora, precisamos, além de minimizar o estrago, nos preparar para viver nesta casa danificada.
O tema da adaptação aos efeitos do aquecimento global despontou na Convenção do Clima em 2001, quando a Conferência das Partes de Marrakesh (COP-7) criou um programa para os países menos desenvolvidos, visando apoiar a construção de planos nacionais de adaptação. Na época, a preocupação ainda se concentrava nos países socioeconomicamente mais vulneráveis. Um desconforto justificável quando se veem as previsões de que a África Subsaariana poderá perder até 22% da sua produção de grãos até 2050.
Em meados da década de 2000, porém, grandes cidades do mundo desenvolvido começaram a elaborar planos de adaptação, atraindo mais atenção para o tema [1]. Em 2006, a COP-12, em Nairóbi, encomendou um estudo sobre impactos, vulnerabilidades e adaptação ao órgão de assessoria científica da Convenção do Clima (SBSTA, na sigla em inglês). Mas somente em 2010 a adaptação parece ter ganhado maior relevância na agenda climática. Durante a COP-16, a Convenção criou o Quadro de Adaptação de Cancún, afirmando nos acordos que a adaptação deve ser tratada com o mesmo nível de prioridade que a mitigação.
[1] O plano de adaptação ao aumento das marés na Baía de San Francisco, na Califórnia, é o caso mais famoso. Londres e Nova York também fizeram seus planos.
Para Carolina Dubeux, pesquisadora sênior do Centro Clima, da Coppe/UFRJ, e membro do capítulo sobre Economia da Adaptação do Grupo II do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), mitigar ou adaptar é decisão de cunho econômico: “Deve-se investir em mitigação até o ponto em que o retorno social desse investimento não seja inferior ao retorno social em adaptação. E vice-versa. Na margem, portanto, o ponto ótimo é aquele no qual os retornos em ambas se igualam”.
No entanto, como avaliar isso é algo bastante complexo, pondera Carolina. Isso porque as incertezas inerentes às questões climáticas afetam a percepção que os cidadãos têm sobre os benefícios dos investimentos em cada uma delas. “Decisões de gestão de risco desajustadas podem comprometer recursos públicos ou privados em vez de promover a adaptação”, diz.
Ações de adaptação mesclam-se, ou coincidem, com agendas cujos passivos são elevados e não resolvidos pelos países em desenvolvimento em especial, surgidos durante o processo de urbanização: planejamento urbano, saneamento básico, água, habitação, transportes etc. São ações que devem ser empreendidas independentemente de estarmos enfrentando uma mudança climática. Carolina sugere iniciar os investimentos por aquilo que apresenta ganhos nos dois lados, conjugando mitigação com adaptação, também chamadas estratégias de não arrependimento. (mais em “Sensibilidade climática”)
Adaptação e mitigação podem, portanto, ser consideradas como remédio e prevenção, respectivamente. O investimento em mitigação continua altamente necessário. Ao persistirem as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, o processo de mudanças no clima se acelera e tornará a adaptação e a própria mitigação mais caras no futuro. Enquanto estudos e discussões são travados em torno do tema, a adaptação é mais que necessária e urgente. Isso já é visível em áreas costeiras onde, além da elevação do nível do mar, a erosão mostra-se grande problema. Serão necessárias ações organizadas e concentradas para proteger essa população, boa parte dela pobre, no caso do Brasil.
“Não dá para separar adaptação à mudança climática da questão da desigualdade”, salienta Mariana Nicoletti, coordenadora da Plataforma Empresas pelo Clima do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV-Eaesp. “Os primeiros atingidos são a população de baixa renda, e o mercado não resolverá esse drama por si próprio.”
O Estado, portanto, é um ator estratégico nesse cenário. Além de lidar com a agenda da desigualdade, é seu papel coordenar políticas para diminuir vulnerabilidades e fortalecer a resiliência, seja de populações, seja de ecossistemas. Mariana considera o foco nos serviços ambientais como a grande virada para pensar a adaptação em termos antecipatórios, e não apenas reativos (mais em reportagem “Ginástica por dinheiro novo”).
Assim, além da agenda de desenvolvimento urbano sustentável, é preciso reforçar a resiliência dos ecossistemas para que nosso país tropical siga abençoado por Deus, já que o aquecimento global promete nos castigar com menos água no Semiárido e mais tempestades no Sudeste, entre outras mudanças [2]. Os impactos previstos afetam o nosso bem mais abundante e precioso: a água. E, com ela, a produção de alimentos e de energia – para nos atermos nesta reportagem apenas aos principais aspectos econômicos deste vasto tema que é o da adaptação.
[2] O Inpe possui vários relatórios e estudos sobre os cenários de mudanças climáticas no Brasil
NOVA GEOGRAFIA AGRÍCOLA
Em 2008, a Embrapa publicou um estudo [3] junto com a Unicamp, mostrando como a geografia da produção agrícola de algumas culturas será afetada pelas mudanças no clima e até o fim do ano apresentará dados de outras 30. O documento aponta redução das áreas mais aptas ao plantio de várias espécies já em 2020. No cenário mais otimista, a falta de chuvas e o aumento das temperaturas em São Paulo e Minas Gerais diminuirão as condições de plantio de café em boa parte da área plantada, levando a prejuízos de R$ 600 milhões. A soja tem o pior cenário. Chegará a 2020 com perda de 12% das áreas mais aptas para o plantio, principalmente na Região Sul e no Cerrado do Nordeste, onde se tem dado a expansão das lavouras nos últimos anos.
[3] Foram avaliadas nove culturas agrícolas, responseveis por 87% da produção nacioanal: algodão, cana-de-acúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja, além de penastagens
Giampaolo Queiroz Pellegrino, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, diz que o caminho está no melhor manejo dos sistemas agrícolas, tanto nas técnicas de produção quanto no melhoramento genético. E não se trata apenas de desenvolver novas variedades. Só recentemente o ponto central das pesquisas de melhoramento genético voltou-se para adaptação ao aumento de temperatura e déficit hídrico. Mas isso não significa que não existam sementes aptas a essas condições entre as muitas variedades já desenvolvidas pela Embrapa e outros centros de pesquisa.
O que falta é organizar todas essas pesquisas em um banco de informações e reavaliar os resultados sob a ótica da adaptação às novas condições climáticas. “A agricultura até agora não demandou soluções que ainda não existem. Nós temos alternativas, o que o País precisa é se organizar para implantá-las”, diz.
Pellegrino avalia que as seis ações [4] previstas no Programa de Agricultura de Baixo Carbono do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Programa ABC, atendem às necessidades de adaptação das técnicas de manejo agrícola. Ao recuperar pastagens degradadas, por exemplo, se reduz a pressão do desmatamento, contribuindo para a manutenção das florestas. Da mesma forma, a integração lavoura-pecuária-floresta inverte a lógica de produção em terra arrasada e contribui com a manutenção das florestas, como a regulação das chuvas.
[4] As seis ações são: recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura- pecuária-floresta e sistemas agroflorestais; plantio direto; fixação biológica de nitrogênio; florestas plantadas; e tratamento de dejetos animais
O governo aposta suas fichas no ainda magro Programa ABC [5] e no desenvolvimento de cultivares mais resistentes a temperaturas mais altas e déficit hídrico. E garante que os riscos da mudança climática para a agricultura foram incluídos nos Planos Safra. Isso porque o seguro agrícola depende do Zoneamento de Risco Climático, que analisa o grau de risco que o clima oferece às principais culturas do País. Os planos do governo incluem aumentar a rede de estações meteorológicas e criar uma agência nacional de assistência técnica. “Não basta ter crédito sem assistência técnica”, diz Caio Rocha, secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Mapa. A meta do governo é atender aos médios produtores, responsáveis por quase 500 mil estabelecimentos rurais.
[5] O Programa ABC dispõe de R$ 2 bilhões de crédito para projetos agropecuários nas suas seis linhas de ação, menos de 2% do orçamento de R$ 115,2 bilhão destinado ao Plano Safra 2012/2013. Mais na reportagem “Ainda no Bê-á-bá”
PANE ELÉTRICA
O sistema elétrico brasileiro também é sensível às mudanças no clima, mostram estudos da Coppe [6]. Os impactos viriam das alterações no comportamento médio das vazões nos rios e na ocorrência de tempestades e secas extremas, que podem prejudicar a operação das usinas hidrelétricas.
Embora as projeções para o final deste século não pareçam muito assustadoras, os números são considerados conservadores pelos pesquisadores da Coppe. Segundo eles, a maior vulnerabilidade do País reside na falta de registros ambientais [7] contínuos e confiáveis para embasar as análises de cenário.
[6] Veja mais em Riscos das Mudanças Climáticas no Brasil e Mudanças Climáticas e Segurança Energética no Brasil.
[7] Os dados de precipitação do Operador Nacional do Sistema, por exemplo, cobrem apenas as bacias dos rios Paraná, Paranaíba e Iguaçu. A Agência Nacional de Águas também monitora chuvas nas bacias brasileiras, mas seus registros são descontínuos.
No estudo sobre segurança energética, os pesquisadores da Coppe avaliaram como o sistema energético planejado para 2030 responderia às novas condições do clima projetadas pelo IPCC para o período de 2071 a 2100. No cenário mais otimista, a quantidade média anual de água que aflui para as usinas pode sofrer uma queda média de 8,6%. A Bacia do Rio São Francisco é a mais afetada, com queda de 23,4%. A instabilidade dos reservatórios aumentará a demanda pela reserva de energia, fornecida por meio das termelétricas a gás e carvão. Trata-se de uma ameaça importante para uma matriz energética dependente dos rios. Essas quedas de vazão podem reduzir a produção de eletricidade a partir de fontes hídricas em até 2,2%.
O Nordeste será a região mais afetada, tanto na geração de energia hidrelétrica como na produção de biodiesel e de energia eólica. Além de reduzir as vazões na Bacia do São Francisco, as mudanças no clima diminuirão o cultivo de oleaginosas e os ventos soprarão mais devagar no interior nordestino, podendo encolher em até 60% o potencial eólico nacional. Até mesmo as termelétricas a gás tornam-se vulneráveis. Suas turbinas são sensíveis a variações na temperatura e na umidade ambientes e podem ter perdas de eficiência que significariam o aumento do consumo de combustível. Para completar, mais calor na maior parte do País deverá aumentar a demanda de energia elétrica nas residências.
A primeira medida de adaptação recomendada pela Coppe é ampliar a produção de informação, ferramenta fundamental no planejamento. Elevar a eficiência e diminuir as perdas de energia dentro do sistema vêm em seguida. O rol de sugestões de medidas adaptativas inclui até reflexões sobre a tarifa dos consumidores, sugerindo a fixação dos preços da eletricidade de acordo com a capacidade de pagamento do consumidor. Para compensar o corte nas contas dos mais pobres, seria elevado o preço pago pelos consumidores de renda mais alta, em que o desperdício tende a ser maior.
Contudo, o governo ainda não incluiu esses cenários de mudança do clima em seu planejamento. A assessoria de comunicação do Ministério de Minas e Energia informou por e-mail à reportagem de Página22 que o PNE 2030 não aborda a adaptação à mudança climática porque foi elaborado em 2006, antes da publicação do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, divulgado em 2007.
Também comunicou que recentemente foi assinado um convênio entre o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o desenvolvimento de estudos sobre os impactos futuros da mudança climática no setor elétrico brasileiro e apresentar informações e propostas que permitirão apontar as medidas de adaptação.
(Colaboraram Mônica C. Ribeiro, Clarice Couto e Lydia Minhoto)