Há os que acreditam que o sonho chinês será o pesadelo americano, mas a boa governança da sustentabilidade dependerá da relação entre esses dois países
É possível alcançar um “mundo sustentável” em 2050, desde que ocorra uma “virada” dos “anos de turbulência” para uma “época da transformação”, por volta de 2020. Tal é o cerne da estratégia Vision 2050: A new agenda for business, elaborada em 2010 por grupo de empresas globais mais responsáveis e publicada no Brasil em 2012 pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS.
O mais provável, contudo, é que turbulência e transformação continuem em franca simbiose, e que jamais se estabeleça tal alternância ou clara dominância de uma sobre a outra. Essa é a principal proposição do livro A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade, que acabo de lançar pela Editora 34. Principalmente em razão do descompasso histórico entre a atividade econômica e a política.
A acelerada globalização econômica vem sendo acompanhada por inevitável resistência da política, devido ao aprofundamento dos processos de soberania nacional, que nem sempre estão sendo acompanhados por avanços da democracia, como deixa bem patente o caso extremo da China. Por isso, deve-se supor que, tanto quanto a estabilidade e a paz globais, uma razoável governança da sustentabilidade dependerá essencialmente da relação que essa nova grande potência mantiver com os Estados Unidos.
Como enfatiza Henry Kissinger, uma guerra fria entre esses dois países impediria o progresso por uma geração dos dois lados do Pacífico. Disseminaria as disputas por influência nas políticas de cada região, justamente quando questões globais como proliferação nuclear, mudança climática e segurança energética exigem intensa cooperação global.
Se tal suposição não estiver muito errada, todos os possíveis avanços de governança global dependerão muito da força que vierem a adquirir, de cada lado, os “neoconservadores” americanos e os “triunfalistas” chineses, pois ambos apostam na inevitabilidade do conflito, por mais que seja viável a ascensão pacífica da China. Ambos acham que o sonho chinês será forçosamente o pesadelo americano.
A alternativa disponível é a aposta na construção de uma “Comunidade Pacífica”, adequada à coevolução da relação sinoamericana. Com ela, os dois países poderiam buscar seus imperativos domésticos, cooperando sempre que possível e se ajustando de modo a minimizar o conflito. Nenhum lado endossaria todos os objetivos do outro, muito menos presumiria uma total identidade de interesses, mas ambos procurariam identificar e desenvolver interesses complementares.
É dessa alternativa que depende um razoável acordo no G20, para que seja destravado o maior de todos os determinantes da sustentabilidade: o processo de descarbonização. Em vez de esperar que em 2015 surja mesmo algum consenso (aplicável só a partir de 2020) sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais, muito melhor seria um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G20. Ele daria crucial impulso à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria na transição.
Isso significa que pode ter menos importância do que parece a assim chamada “trajetória avançada” da União Europeia, da Coreia do Sul e do Japão, bem como a tendência “conservadora” da Índia e da Rússia, tão enfatizadas por Eduardo Viola e colegas [1]. Incomparavelmente mais importante é saber em que ritmo os EUA e a China “avançam de forma moderada”.
Ainda mais distante de minha avaliação está aquilo que Sérgio Abranches considerou em 2010 ser uma “agenda realista, factível e relevante”: introduzir no veio multilateral formal da ONU o Acordo de Copenhague, para que fosse fortalecido e aprofundado, como processo voluntário, por adesão, mas que poderia tornar-se cada vez mais politicamente vinculante [2].
[1] Eduardo Viola, Matías Franchini e Thais Lemos Ribeiro, Sistema Internacional de Hegemonia Conservadora: Governança Global e Democracia na Era da Crise Climática, Ed. Annablume, 2013.
[2] Sérgio Abranches. Copenhague, Antes e Depois, Ed. Civilização Brasileira, 2010.
O que a governança da sustentabilidade pode, sim, esperar da ONU é que tenha êxito seu procedimento já em curso para que Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) venham a substituir, em 2015, os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por mais que seja simplesmente impossível saber se tais ODS serão adequados à necessidade de redução das pegadas ecológicas do Norte, com simultânea redução das desigualdades socioeconômicas globais. Mesmo na hipótese de que venham a sê-lo, será necessário muito tempo para que comecem a ter impactos efetivos na orientação das políticas nacionais.
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Há os que acreditam que o sonho chinês será o pesadelo americano, mas a boa governança da sustentabilidade dependerá da relação entre esses dois países
É possível alcançar um “mundo sustentável” em 2050, desde que ocorra uma “virada” dos “anos de turbulência” para uma “época da transformação”, por volta de 2020. Tal é o cerne da estratégia Vision 2050: A new agenda for business, elaborada em 2010 por grupo de empresas globais mais responsáveis e publicada no Brasil em 2012 pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS.
O mais provável, contudo, é que turbulência e transformação continuem em franca simbiose, e que jamais se estabeleça tal alternância ou clara dominância de uma sobre a outra. Essa é a principal proposição do livro A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade, que acabo de lançar pela Editora 34. Principalmente em razão do descompasso histórico entre a atividade econômica e a política.
A acelerada globalização econômica vem sendo acompanhada por inevitável resistência da política, devido ao aprofundamento dos processos de soberania nacional, que nem sempre estão sendo acompanhados por avanços da democracia, como deixa bem patente o caso extremo da China. Por isso, deve-se supor que, tanto quanto a estabilidade e a paz globais, uma razoável governança da sustentabilidade dependerá essencialmente da relação que essa nova grande potência mantiver com os Estados Unidos.
Como enfatiza Henry Kissinger, uma guerra fria entre esses dois países impediria o progresso por uma geração dos dois lados do Pacífico. Disseminaria as disputas por influência nas políticas de cada região, justamente quando questões globais como proliferação nuclear, mudança climática e segurança energética exigem intensa cooperação global.
Se tal suposição não estiver muito errada, todos os possíveis avanços de governança global dependerão muito da força que vierem a adquirir, de cada lado, os “neoconservadores” americanos e os “triunfalistas” chineses, pois ambos apostam na inevitabilidade do conflito, por mais que seja viável a ascensão pacífica da China. Ambos acham que o sonho chinês será forçosamente o pesadelo americano.
A alternativa disponível é a aposta na construção de uma “Comunidade Pacífica”, adequada à coevolução da relação sinoamericana. Com ela, os dois países poderiam buscar seus imperativos domésticos, cooperando sempre que possível e se ajustando de modo a minimizar o conflito. Nenhum lado endossaria todos os objetivos do outro, muito menos presumiria uma total identidade de interesses, mas ambos procurariam identificar e desenvolver interesses complementares.
É dessa alternativa que depende um razoável acordo no G20, para que seja destravado o maior de todos os determinantes da sustentabilidade: o processo de descarbonização. Em vez de esperar que em 2015 surja mesmo algum consenso (aplicável só a partir de 2020) sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais, muito melhor seria um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G20. Ele daria crucial impulso à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria na transição.
Isso significa que pode ter menos importância do que parece a assim chamada “trajetória avançada” da União Europeia, da Coreia do Sul e do Japão, bem como a tendência “conservadora” da Índia e da Rússia, tão enfatizadas por Eduardo Viola e colegas [1]. Incomparavelmente mais importante é saber em que ritmo os EUA e a China “avançam de forma moderada”.
Ainda mais distante de minha avaliação está aquilo que Sérgio Abranches considerou em 2010 ser uma “agenda realista, factível e relevante”: introduzir no veio multilateral formal da ONU o Acordo de Copenhague, para que fosse fortalecido e aprofundado, como processo voluntário, por adesão, mas que poderia tornar-se cada vez mais politicamente vinculante [2].
[1] Eduardo Viola, Matías Franchini e Thais Lemos Ribeiro, Sistema Internacional de Hegemonia Conservadora: Governança Global e Democracia na Era da Crise Climática, Ed. Annablume, 2013.
[2] Sérgio Abranches. Copenhague, Antes e Depois, Ed. Civilização Brasileira, 2010.
O que a governança da sustentabilidade pode, sim, esperar da ONU é que tenha êxito seu procedimento já em curso para que Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) venham a substituir, em 2015, os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por mais que seja simplesmente impossível saber se tais ODS serão adequados à necessidade de redução das pegadas ecológicas do Norte, com simultânea redução das desigualdades socioeconômicas globais. Mesmo na hipótese de que venham a sê-lo, será necessário muito tempo para que comecem a ter impactos efetivos na orientação das políticas nacionais.