Uma herança mais abstrata, mas não menos importante, é o fortalecimento da sociedade em torno de causas e movimentos
Para além das gigantescas movimentações de recursos financeiros, a realização da Copa no Brasil está movimentando pessoas. E as direções são as mais diversas. Há, por exemplo, as populações afetadas pelas obras, que querem fazer valer seus direitos. De outro lado, jovens engajados em ações de melhorias na sociedade articulam-se em áreas como cultura, meio ambiente, moradia e esporte. Há ainda os trabalhadores da construção civil, que reivindicam melhores condições de trabalho nos canteiros dos estádios.
Esses atores, entre outros tantos, fazem parte de outro tipo de legado que poderá ser deixado pela Copa. Uma herança que não é tão concreta como um enorme estádio de futebol, mas fundamental para o amadurecimento da sociedade: a mobilização social.
Uma das principais expressões desse legado potencial está na Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop). A entidade, formada por pessoas de todas as cidades-sede, tem o objetivo de garantir os direitos de quem é atingido pelas obras preparatórias ao evento, além de buscar acompanhar de forma crítica os projetos propostos para cada município. O ponto nevrálgico é a remoção de moradias por conta da construção de estádios e obras de infraestrutura.
“Queremos ter uma ação mais propositiva nessas ocasiões de Copa e Olimpíada. Não é que a gente não quer que se construam apartamentos para essas pessoas que moram na favela. Somos totalmente a favor, mas desde que isso seja feito de acordo com o previsto na Constituição. Para remover uma família de um lugar, você precisa oferecer condições similares ou melhores na nova habitação”, afirma Argemiro Ferreira Almeida, um dos coordenadores da entidade.
Ele enumera algumas conquistas do movimento. Uma delas foi a denúncia das remoções ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), o que deu visibilidade internacional ao problema, gerando cobranças ao governo brasileiro. Também cita casos em que a mobilização ajudou a mudar os projetos originais. É o caso de Fortaleza, onde, segundo Almeida, houve acordo para atenuar impactos negativos das obras de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) na população pobre.
Para ele, a experiência de mobilização fomentada pela Copa será extremamente importante em outros momentos. “Com certeza haverá um legado positivo na consciência dos movimentos. Nossa expectativa é de que esses atores, agora munidos de uma melhor habilidade de discussão, possam prosseguir nas suas demandas, fazer uma negociação articulada e buscar acordos e apoios”, afirma.
Outro grupo que sai fortalecido com a articulação provocada pelos megaeventos esportivos é o dos trabalhadores da construção civil. Segundo Nilton Freitas, representante regional para a América Latina e Caribe da Internacional dos Trabalhadores da Construção Civil e da Madeira (ICM), o forte aquecimento do setor desde a segunda metade da década passada colaborou para alcançar conquistas significativas. As obras esportivas vêm reforçar a demanda acarretada pelo programa “Minha Casa, Minha Vida” e por investimentos em infraestrutura, como os do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Fizemos uma campanha chamada ‘Trabalho Decente Antes e Depois de 2014’ e os sindicatos tiveram uma atuação forte. Isso levou à conquista de acordos muito bons, talvez os melhores na história da construção no Brasil, em termos de aumento real de salários, treinamento da mão de obra, aplicação de medidas de segurança no trabalho e também da contratação formal”, afirma.
As obras dos estádios da Copa foram marcadas por greves de trabalhadores. Freitas ressalta que as conquistas alcançadas devem permanecer mesmo depois do evento, já que foram consolidadas por meio de acordos coletivos.
Mas não é só de reivindicações que se faz o legado das mobilizações sociais para a Copa. O projeto Imagina na Copa, por exemplo, tem uma proposta diferente: “É uma força-tarefa para promover uma virada para o Brasil até 2014. A Copa serve como um chamado, cria um senso de urgência para a mobilização”, explica Mariana Ribeiro, uma das idealizadoras do projeto.
A ideia do Imagina na Copa é incentivar jovens que queiram participar de alguma forma para a transformação do País, em áreas como cultura, esporte, moradia e meio ambiente. Para isso, uma das ações do grupo é registrar em vídeo experiências que já existem. Uma delas é o Gaia, projeto de estudantes de engenharia ambiental da Unesp de Sorocaba (SP), que atua no tratamento e na reciclagem de resíduos sólidos. Outra iniciativa já registrada é a Bibliocicleta, uma biblioteca comunitária itinerante criada por um estudante de design em Simões Filho (BA). Os vídeos estão disponíveis no site.
Além de produzir esse material, o Imagina na Copa oferece oficinas, nas quais os jovens se organizam para desenvolver um projeto de seu interesse. Mariana conta que a ideia surgiu de uma angústia sobre o pessimismo em relação ao evento. “A Copa é uma ocasião em que todo mundo olha pra gente. Sentimos que não estávamos usando o momento para gerar transformações positivas para o Brasil, que pudessem ser um legado real para a sociedade e que estão muito além de fazer estradas ou estádios”, afirma.
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