A batalha entre caçadores e defensores das baleias saiu, momentaneamente, dos oceanos e aportou nos tribunais. A Corte Internacional de Haia começou a ouvir nos últimos dias os argumentos dos dois lados sob processo iniciado pela Austrália contra um programa que o Japão alega ser científico de caça a baleias.
O xis da questão logo veio à tona. Enquanto a Austrália chamou cientistas como testemunhas, o Japão caracterizou a caça a baleias como tradição e afirmou que australianos tentam impor suas “preferências culturais” sobre o Japão.
“Foram-se os dias de missões civilizatórias e cruzadas morais”, disse o advogado dos japoneses. “Em um mundo com diversas civilizações e tradições, a lei internacional não pode se tornar um instrumento para impor as preferências culturais de alguns a prejuízo de outros”.
Segundo a defesa japonesa, a posição australiana – pelo fim de qualquer programa de caça a baleias – baseia-se na crença de que as “baleias são mamíferos únicos, sagrados e carismáticos que nunca deveriam ser mortos”.
De fato, as baleias estão entre os animais carismáticos da mega-fauna – junto com leões, tigres, ursos polares e panda – que estrelam as campanhas de várias organizações ambientalistas pela proteção da vida silvestre.
Elas são também símbolo de uma era não tão longínqua em que o poder dos combustíveis fósseis como fonte de energia ainda não havia sido totalmente explorado. Até meados do século XX, o óleo de baleia foi fundamental como combustível, para iluminação e para fabricação de inúmeros produtos.
Embora os homens pesquem e utilizem baleias há milênios, a indústria baleeira com frotas organizadas surgiu no século XVII. No fim da década de 1930, mais de 50 mil baleias por ano eram tiradas dos oceanos, ritmo considerado insustentável.
Depois da Segunda Guerra Mundial, entretanto, com o carvão e o petróleo substituindo o óleo de baleia em quase todas as suas aplicações, a indústria baleeira começou a declinar. O especialista em energia Armory Lovins compara os combustíveis fósseis na época atual ao óleo de baleia no século passado.
“Um sistema está morrendo e outros estão tentando nascer”, disse ele ao lançar seu livro Farewell to Fossil Fuels em 2010. “Já está claro para o petróleo e vai ser tornar mais claro que a competitividade do carvão está diminuindo antes que o produto se torne indisponível mesmo a preços altos. É a história da indústria baleeira, que perdeu clientes antes de esgotar as baleias, se repetindo”.
A indústria baleeira não esgotou as baleias e, desde que a Comissão Internacional das Baleias (CIB) adotou uma moratória à pesca comercial de baleias em 1986, o número de baleias retiradas dos oceanos caiu drasticamente. Japão, Noruega e Islândia continuam a pescar baleias a despeito da moratória.
Assim como Noruega e Islândia, o Japão tem uma longa associação com as baleias e sua indústria baleeira data de fins do século XIX. A carne de baleia se tornou alimento para a maioria dos japoneses depois da Segunda Guerra Mundial. Após a adoção da moratória, os japoneses oficialmente suspenderam a caça comercial, mas continuaram a caçar baleias sob o argumento de que é preciso pesquisa científica para oferecer base para a retomada das atividades de forma sustentável.
Há quem prefira o estabelecimento de cotas de acordo com padrões de sustentabilidade a uma moratória que, na prática, significa a pesca sem supervisão por países de tradição baleeira.
Tanto a Austrália quanto o Japão prometeram acatar a decisão que sairá de Haia. Com questões morais, culturais, éticas, políticas e científicas envolvidas, o veredicto, com certeza, terá impacto não só para as baleias.