Relatório do IPCC acende o alerta vermelho sobre o aquecimento global e deixa claro que não há mais tempo para discutir
O relatório lançado hoje pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) reforça o que grande parte dos cientistas do clima já indicavam: a atividade humana tem grande influência sobre a mudança climática, que já está acontecendo com velocidade e força cada vez maiores. O estudo, que teve a participação de dois mil cientistas do mundo inteiro, comparou dados sobre o clima, concentração de gases, oceanos e temperaturas para chegar a conclusões preocupantes.
Desde meados do século 20, mudanças climáticas acontecem muito mais rápida e bruscamente do que em toda a história do planeta. Por exemplo, o nível do mar avançou mais desde 1950 que nos dois milênios anteriores. Além disso, foi observado o aumento da temperatura do oceano e da atmosfera, bem como da concentração de gases de efeito estufa e a diminuição da quantidade de gelo e neve.
Os efeitos da mudança climática já vêm sendo sentidos em eventos extremos por todo o planeta – como maior incidência de tempestades, furacões, secas e até frios intensos –, o que pede ações urgentes dos governos e empresas para evitar consequências ainda mais desastrosas.
Apesar das evidências gritantes, parece que a mensagem não chega de forma clara aos atores mais relevantes. “As pessoas nos países mais ricos também estão vulneráveis, como recentes inundações, secas e tempestades na Europa, América do Norte e Austrália têm demonstrado, mas por causa da inércia política e interesses poderosos que dominaram as narrativas da mídia ao longo de décadas, eles são menos conscientes das ligações entre esses impactos e as suas emissões de carbono”, declara Saleemul Huq, membro sênior do grupo de mudança climática do Instituto Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED) e coordenador editorial no 2º Grupo de Trabalho do IPCC .
Já que está claro que o aquecimento global vai mexer com a vida de toda a população mundial, a palavra de ordem é ação, como esclarece a diretora do IIED Camilla Toulmin. “Os modelos climáticos ainda não são robustos o suficiente para prever os impactos em escala local e regional, mas está claro que todo mundo é vulnerável de alguma forma”, declara. “Cidadãos e líderes empresariais em todo o mundo precisam pressionar os governos a agir, tanto em casa como no cenário internacional.”
Imprensa parceira dos céticos?
O setor de energia é o que pede medidas mais urgentes, uma vez que a queima de combustíveis fósseis é responsável por 57% das emissões de gases de efeito estufa, segundo o IPCC. Mas o caminho passa pelo importante elemento da opinião pública. Enquanto ela não estiver convencida de que a produção e queima de combustíveis fósseis têm responsabilidade sobre a mudança climática, vai ser difícil convencer governos e empresas a investirem em energias renováveis.
Por esse motivo, a Avaaz fez uma campanha denunciando a política editorial do conglomerado de mídia de Rudolph Murdoch, poderoso empresário norte-americano, que leva o público a contestar a validade científica do aquecimento global e da responsabilidade humana sobre a mudança climática. A organização afirma que o barão da mídia tem interesse em preservar seus parceiros da indústria petrolífera, e por isso levanta um falso debate científico, dando espaço a conservadores céticos. É uma estratégia de discurso que funciona como desculpa para a inação dos cidadãos e conseqüente desmobilização da opinião pública.
Seja nos Estados Unidos ou no Brasil, céticos do clima continuam ganhando espaço desproporcional na mídia, como já foi tratado aqui no Blog da Redação. Entretanto, relatórios sérios como o do IPCC mostram que não há mais tempo para discussões vazias e que a imprensa deve, de uma vez por todas, assumir seu papel de informar a população sobre a gravidade da situação.
Nós, da Página22, nos esforçamos para disseminar a melhor informação sobre as mudanças climáticas. Em nossa edição de abril desse ano, abordamos o tema da “adaptação”, afinal, acreditamos que a Terra esteja aquecendo e, além de diminuir a emissão de gases do efeito estufa, é hora de se preparar para as mudanças que já são inevitáveis.
Oceanos
Um dos pontos que recebeu destaque no recente documento do IPCC foi a questão dos oceanos. As pesquisas mostram que o nível dos mares subiu 19 centímetros entre 1900 e 2012. A previsão mais pessimista para o futuro (na qual as emissões de gases de efeito estufa aumentam em três vezes) aponta que o mar poderá avançar uma média de 82 centímetros no mundo. Isso impactará em dezenas de milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras.
Oceanos é o tema da próxima edição de Página22, que será lançada em outubro. Além de informações sobre o impacto que o aquecimento global traz a nossas águas salgadas e da importância de sua conservação, traremos reportagens sobre a economia do mar e governança. Aguardem!