Podemos habitar um novo planeta já em 2100, experimentando ainda mais extremos do que os vivenciados hoje. O mapa está traçado, mas ainda cabe algum desvio de rota
Começamos a experimentar um novo planeta. Sacudida por transformações causadas por fenômenos naturais, a Terra, que já passou por períodos de frio seguidos por ondas de calor há cerca de 450 milhões de anos e testemunhou a extinção de espécies como os dinossauros, agora contabiliza um outro fator acelerador da mudança climática: a atividade humana.
Cientistas concordam que, desde a Revolução Industrial, com o uso cada vez mais disseminado dos combustíveis fósseis e seus derivados, os números do clima [1] no planeta atingiram patamares nunca observados nessa escala de tempo.
A primeira década do século XXI já deu uma amostra considerável do que está por vir. Foram os anos mais quentes desde que o primeiro sistema de medição de temperatura começou a funcionar em 1850 [2].
[1] A concentração de CO2 na atmosfera já aumentou 40% desde a Revolução Industrial. Svante Arrhenius, físico e químico sueco, que nasceu no século XIX, foi o responsável pela primeira previsão climática da história, em 1896: estimou que, caso as emissões de CO2 dobrassem, a temperatura do planeta aumentaria entre 5 e 6 graus – muito semelhante às previsões de hoje
[2] Segundo o relatório The Global Climate 2001-2010 – A Decade of Climate Extremes, publicado em julho pela Organização Meteorológica Mundial (OMM)
Aumentos extremos de temperatura foram registrados na Europa, na África, no Brasil, na América do Norte e Central, na Oceania. Em todo o mundo, dados demonstram o aumento acentuado de temperatura neste início de século, o que resultou também na maior incidência de ocorrências climáticas extremas em todo o mundo.
Só para rememorar alguns eventos dramáticos, uma onda de calor na Europa em 2003 matou cerca de 20 mil pessoas. No Paquistão, as inundações fizeram mais de 1.500 vítimas em 2010, afetando milhões de pessoas. O furacão Katrina, que assolou os EUA em 2005, deixou quase 2 mil mortos.
No Brasil, não foi diferente [3]. A ocorrência de desastres naturais aumentou 268% na década de 2000 em comparação com os 10 anos anteriores, de acordo com dados apresentados na 1a Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, em setembro. O País apresentou crescimento em todos os tipos de desastres naturais característicos do continente americano, de acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais. Cerca de 2.500 pessoas morreram no País em função desses eventos, em especial na região Sudeste.
[3] O Brasil ocupa o sexto lugar entre os dez países mais afetados por desastres naturais, segundo o relatório Global Climate Risk Index
Segundo José Marengo, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climáticada ONU (IPCC), desde 1850 o aquecimento foi de cerca de 0,9 grau, e mais de 66% dele aconteceu depois de 1950. “Parece pouco, mas 1 grau a mais em nossa temperatura já nos causa febre e mal-estar. Isso também acontece com o planeta. Na região tropical, que tem a maior biodiversidade, não há adaptação, e sim transformação. Um bioma pode sumir e aparecer outro diferente.”
Em setembro, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgou o sumário executivo de seu primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN 1). Feito nos mesmos moldes do relatório do IPCC, indica que no Brasil o aumento de temperatura até 2100 ficará entre 1 e 6 graus, em comparação à registrada no fim do século XX.
A ocorrência de chuvas deverá diminuir nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do País. Já nas regiões Sul e Sudeste, haverá um incremento do número de precipitações. Os dados indicam cheias e secas mais frequentes e intensas, o que deve alterar a vazão dos rios, prejudicar abastecimento de reservatórios de água e reduzir a biodiversidade nesse ambiente.
“O que estamos alterando não é o clima da próxima década ou até o final deste século. Existem várias simulações que mostram concentrações altas de CO2 até o ano 3000, pois os processos de remoção do CO2 atmosférico são muito lentos”, alerta Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos cientistas brasileiros que participam da elaboração do relatório.
De fato, podemos estar iniciando uma nova era. Parafraseando o historiador britânico Eric Hobsbawm, uma nova era dos extremos [4].
[4] Considerada uma das principais obras de Hobsbawm, Era dos Extremos – O Breve Século XX – 1914-1991 discorre sobre as profundas mudanças – baseadas em catástrofes, crises e incertezas – vividas em curto período de tempo, em contraposição ao “longo” século XIX.
Leia mais:
Mundo em extremos: veja as principais alterações no clima previstas no mundo e no Brasil
[:en]Podemos habitar um novo planeta já em 2100, experimentando ainda mais extremos do que os vivenciados hoje. O mapa está traçado, mas ainda cabe algum desvio de rota
Começamos a experimentar um novo planeta. Sacudida por transformações causadas por fenômenos naturais, a Terra, que já passou por períodos de frio seguidos por ondas de calor há cerca de 450 milhões de anos e testemunhou a extinção de espécies como os dinossauros, agora contabiliza um outro fator acelerador da mudança climática: a atividade humana.
Cientistas concordam que, desde a Revolução Industrial, com o uso cada vez mais disseminado dos combustíveis fósseis e seus derivados, os números do clima [1] no planeta atingiram patamares nunca observados nessa escala de tempo.
A primeira década do século XXI já deu uma amostra considerável do que está por vir. Foram os anos mais quentes desde que o primeiro sistema de medição de temperatura começou a funcionar em 1850 [2].
[1] A concentração de CO2 na atmosfera já aumentou 40% desde a Revolução Industrial. Svante Arrhenius, físico e químico sueco, que nasceu no século XIX, foi o responsável pela primeira previsão climática da história, em 1896: estimou que, caso as emissões de CO2 dobrassem, a temperatura do planeta aumentaria entre 5 e 6 graus – muito semelhante às previsões de hoje
[2] Segundo o relatório The Global Climate 2001-2010 – A Decade of Climate Extremes, publicado em julho pela Organização Meteorológica Mundial (OMM)
Aumentos extremos de temperatura foram registrados na Europa, na África, no Brasil, na América do Norte e Central, na Oceania. Em todo o mundo, dados demonstram o aumento acentuado de temperatura neste início de século, o que resultou também na maior incidência de ocorrências climáticas extremas em todo o mundo.
Só para rememorar alguns eventos dramáticos, uma onda de calor na Europa em 2003 matou cerca de 20 mil pessoas. No Paquistão, as inundações fizeram mais de 1.500 vítimas em 2010, afetando milhões de pessoas. O furacão Katrina, que assolou os EUA em 2005, deixou quase 2 mil mortos.
No Brasil, não foi diferente [3]. A ocorrência de desastres naturais aumentou 268% na década de 2000 em comparação com os 10 anos anteriores, de acordo com dados apresentados na 1a Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, em setembro. O País apresentou crescimento em todos os tipos de desastres naturais característicos do continente americano, de acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais. Cerca de 2.500 pessoas morreram no País em função desses eventos, em especial na região Sudeste.
[3] O Brasil ocupa o sexto lugar entre os dez países mais afetados por desastres naturais, segundo o relatório Global Climate Risk Index
Segundo José Marengo, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climáticada ONU (IPCC), desde 1850 o aquecimento foi de cerca de 0,9 grau, e mais de 66% dele aconteceu depois de 1950. “Parece pouco, mas 1 grau a mais em nossa temperatura já nos causa febre e mal-estar. Isso também acontece com o planeta. Na região tropical, que tem a maior biodiversidade, não há adaptação, e sim transformação. Um bioma pode sumir e aparecer outro diferente.”
Em setembro, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgou o sumário executivo de seu primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN 1). Feito nos mesmos moldes do relatório do IPCC, indica que no Brasil o aumento de temperatura até 2100 ficará entre 1 e 6 graus, em comparação à registrada no fim do século XX.
A ocorrência de chuvas deverá diminuir nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do País. Já nas regiões Sul e Sudeste, haverá um incremento do número de precipitações. Os dados indicam cheias e secas mais frequentes e intensas, o que deve alterar a vazão dos rios, prejudicar abastecimento de reservatórios de água e reduzir a biodiversidade nesse ambiente.
“O que estamos alterando não é o clima da próxima década ou até o final deste século. Existem várias simulações que mostram concentrações altas de CO2 até o ano 3000, pois os processos de remoção do CO2 atmosférico são muito lentos”, alerta Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos cientistas brasileiros que participam da elaboração do relatório.
De fato, podemos estar iniciando uma nova era. Parafraseando o historiador britânico Eric Hobsbawm, uma nova era dos extremos [4].
[4] Considerada uma das principais obras de Hobsbawm, Era dos Extremos – O Breve Século XX – 1914-1991 discorre sobre as profundas mudanças – baseadas em catástrofes, crises e incertezas – vividas em curto período de tempo, em contraposição ao “longo” século XIX.
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