Em ritmos distintos, a sustentabilidade expande-se do núcleo decisório para quem “põe a mão na massa”. Mas essa tendência de capilaridade ainda se restringe ao grupo de empresas pioneiras no movimento, dizem especialistas
Que a sustentabilidade entrou de vez no radar das empresas ninguém discute. Passado o momento inicial dos grandes líderes inspiradores do movimento, fomos investigar se e como o tema está se capilarizando na estrutura das empresas. Apesar de haver poucos dados e pesquisas sobre o assunto, é possível concluir que a tendência de capilarização da política de sustentabilidade nas organizações corporativas é real, embora ainda em fase inicial e não generalizada. Em ritmos distintos, algumas grandes empresas já avançam em ações para além do marketing e do cumprimento de regras (compliance), conforme apurou Página22 com consultores e gestores de sustentabilidade – mas constituem uma minoria.
Levantamento sobre sustentabilidade corporativa realizado em 2011 pela revista MIT Sloan Management Review e o Boston Consulting Group e publicado no início de 2012 mostra que 70% das companhias consultadas já incluíram a sustentabilidade de maneira permanente em suas agendas de gestão. Foram entre vistados em 2011 para esta terceira edição do estudo mais de 4 mil gerentes e executivos de empresas de 113 países, incluindo instituições na América do Sul.
O trabalho conclui que as empresas estão firmando compromissos significativos com práticas mais sustentáveis em seus negócios, ao investir tempo e dinheiro em estratégias que abordam cenários competitivos crescentemente moldados por fatores como mudança climática, escassez de recursos, incertezas regulatórias e volatilidade econômica.
O levantamento também revela que essas empresas reconhecem a necessidade da combinação de liderança sênior e gestão integrada para que as estratégias de sustentabilidade sejam bem-sucedidas. Entendem que precisam estabelecer parcerias com públicos relacionados de alguma forma a seus negócios – reguladores, fornecedores, organizações não governamentais e grupos de cidadãos.
Ainda segundo o estudo, empresas com experiência no tema há menos de dois anos estão 50% menos propensas a dizer que a sustentabilidade contribui para aumentar seus lucros do que as que têm mais de 12 anos de experiência. Tais empresas estão olhando além de comunicação, gestão de risco e reputação, e veem lucros emergentes não no futuro, mas agora.
Essas organizações entrevistadas são líderes do movimento da sustentabilidade, pioneiras, desenvolvem projetos inovadores e transformam essa abordagem em vantagem competitiva. Mas ainda formam um grupo minoritário, lançador de tendências que terão eco em momentos distintos no mercado e em empresas em diferentes níveis de implementação da sustentabilidade em suas cadeias produtivas.
“Não acredito que exista essa capilaridade como tendência generalizada”, avalia Flavia Moraes, sócia-diretora da FCM Consultoria e diretora da Associação Brasileira de Profissionais de Sustentabilidade (Abraps). “Estamos falando de empresas que estão no movimento há muito tempo e tiveram um líder ‘puxador’. Depois disso, o bastão foi passado para alguém em um nível bem alto dentro da organização, que se encarregou de promover a capilaridade dentro da empresa. Mas isso é para poucos e bons.” Ainda assim, Flávia percebe que a palavra da vez nas empresas é sustentabilidade e que as pessoas hoje têm essa questão mais próxima, em parte, por conta do papel da mídia.
O aumento da quantidade de relatórios de sustentabilidade pode ser tomado como indicador de que o tema vem sendo inserido nas agendas das empresas e envolvendo diferentes níveis hierárquicos. Seja ao permear a cadeia produtiva, ao incorporar o assunto no plano de negócios, seja mesmo na mobilização de gerentes e técnicos para ‘rechear’ esses relatórios, é fato que temos uma tendência aparentemente sem volta.
De acordo com dados do Ponto Focal da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, o país encontra-se em terceiro lugar no mundo em número de empresas que publicam relatórios de sustentabilidade. Mais de 160 relatórios brasileiros baseados nos padrões da GRI foram publicados em 2010. Quase 40 empresas brasileiras participam do Programa de Stakeholders (públicos de interesse) Organizacionais da GRI e os especialistas brasileiros estão bem representados nos órgãos de governança da iniciativa – e o Brasil foi o primeiro país onde se estabeleceu um Ponto Focal.
AINDA UMA MINORIA
Glaucia Terreo, coordenadora do Ponto Focal da GRI no Brasil, relata que tem visto muitos gestores colocarem a mão na massa, estudando muito, buscando conhecimento em cursos formais e em outras fontes, indo até as comunidades e falando com públicos com posições antagônicas, mas que isso ainda ocorre em uma parte minoritária do mundo corporativo do País: “Já seria muito se contarmos hoje com cerca de 250 empresas aparentemente engajadas, e, destas, 50 efetivamente engajadas. A maioria das empresas nem publica balanço financeiro”.
Para Glaucia, o principal entrave situa-se na cultura ainda vigente nas lideranças empresariais, que mantêm um pensamento arraigado no business as usual, tratando seu negócio sobretudo sob o prisma econômico-financeiro. “A maioria das companhias ainda trata o Relatório de Sustentabilidade como peça de propaganda. A turma do relatório da empresa toma o processo com seriedade, vai atrás de soluções e leva o material como ferramenta de gestão para o nível hierárquico de cima. Quando ele volta, vem com um monte de cortes e ‘cara’ de publicidade. Isso é sério!”, afirma.
A representante da GRI no Brasil avalia que a tendência de a sustentabilidade ocupar um lugar central nas estratégias corporativas é mais forte nas empresas com cadeia de negócios mais internacionalizada, que acabam por adotar padrões de produção mais rigorosos que a média do mercado, principalmente para evitar que suas operações sejam afetadas por aparatos regulatórios distintos nos diferentes contextos regionais.
“Na Dinamarca, por exemplo, as empresas de grande porte devem, por lei, prestar contas de seu desempenho socioambiental ou explicar publicamente os motivos de eventual recusa a seguir a norma legal. Procedimento parecido também é exigido das companhias que pleiteiam ingresso na Bolsa de Johannesburgo, na África do Sul. Na França, não tem explicação – é relatar ou relatar.” A BM&FBovespa, de São Paulo, passou este ano a recomendar às empresas nela listadas que publiquem relatórios de sustentabilidade ou expliquem por que não o fazem.
Dentre os avanços que reforçam a tendência no Brasil, Glaucia destaca o pronunciamento do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim), de setembro de 2012, sobre as melhores práticas de divulgação de informações sobre sustentabilidade, e o processo de construção de proposta regulatória pelo Banco Central tratando da responsabilidade socioambiental no âmbito das instituições financeiras. A proposição do BC esteve em consulta pública até setembro deste ano.
GREENWASHING POSITIVO
O fato de estar no discurso das empresas é também um sinal de presença nas agendas. Isso faz com que até mesmo o greenwashing tenha um lado ‘positivo’, na opinião de Luis Fernando Laranja, diretor-executivo da Ouro Verde Amazônia, empresa do Grupo Orsa: “Quando a empresa se declara ‘sustentável’, ela acaba de colocar a corda no pescoço. Não quer dizer que a corda vá apertar, mas ela pode se enforcar se alguém um dia cobrá-la publicamente”.
Laranja confessa-se frustrado com a lentidão com que o tema sustentabilidade tem impregnado de fato as empresas. Para ele, as métricas são termômetros fundamentais para detectar o grau de comprometimento com a sustentabilidade: “Na Ouro Verde, por exemplo, trabalhamos com produtos da indústria alimentícia e resolvemos certificá-los como orgânicos. Se você não tiver um selo, com uma terceira parte atestando, fica complicado provar que seu produto é orgânico”.
Marco Fujihara, diretor da KeyAssociados e da Way-Carbon, e cogestor do Fundo Brasil Sustentabilidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também demonstra ceticismo quanto à hipótese da tendência de capilarização. Para o consultor, ainda há muita dificuldade de gestão e a maioria das pessoas entende sustentabilidade como comunicação ou questão de compliance.
“Discordo que a sustentabilidade hoje esteja na linha da média gerência – essa média gerência continua fazendo compliance. A sustentabilidade tem que ficar com o CEO e ser diferenciação competitiva. Ainda não temos sustentabilidade como alavanca de valor. Quem está no operacional não consegue entender”, avalia.
Hoje, prossegue Fujihara, o grande indicador para medir a sustentabilidade em uma empresa são metas que ela mesma define e muitas vezes não consegue cumprir. “Aumentou o número de relatórios de sustentabilidade, mas ainda como comunicação. Menos de 10% das em- presas usam o relatório como instrumento de valor.” Segundo o consultor, empresas proativas no tema possuem um comitê de sustentabilidade, que faz ponte direta com o conselho de administração. “É preciso pensar junto, senão a visão fica muito compartimentalizada e não vira alavanca de valor, vira marketing.”
DE CIMA PRA BAIXO E VICE-VERSA
Até que ponto a sustentabilidade é mais bem incorporada à empresa quando vem de um movimento a partir do alto escalão? Há casos em que presidentes e diretores são responsáveis por introduzir o tema e estimular ações de sustentabilidade na empresa, dando direcionamento e transformando o assunto em uma das linhas estratégicas de condução (movimento conhecido pela expressão inglesa top-down).
“Se não houver alguém lá em cima ditando o ritmo e cobrando para que a coisa aconteça, o processo não avança. A rotina é muito difícil, nem sempre você consegue olhar pra frente e planejar a longo prazo”, avalia Luiz Pires, especialista em sustentabilidade da AES Tietê. Na AES, quem “ditou” os temas foi uma cadeia iniciada a partir do seu centro decisório, validada pelos funcionários. O grande salto da empresa foi a incorporação da sustentabilidade, no que passou a se chamar de planejamento estratégico sustentável, que se desenvolve sob a batuta do vice-presidente de gestão de performance. “É ele quem cobra os resultados.”
Mas o caminho inverso também pode ser trilhado: o chamado bottom-up, quando o movimento se inicia a partir da base da organização. Uma pessoa ou um departamento começa a implantar ações isoladas que acabam contaminando o topo hierárquico da companhia, em um trabalho de ‘formiguinha’.
Na TAM Linhas Aéreas, a política de sustentabilidade nasceu dos esforços da funcionária Rita Moreno, hoje coordenadora de sustentabilidade e meio ambiente da empresa. “Sou assistente social de formação e pratico sustentabilidade na minha casa. Fui estudar a respeito e achei que a TAM já tinha condição de implantar a área. Já havia práticas, mas era necessário estruturar um programa.” Hoje há um comitê que participa das principais decisões da companhia e valida o programa de sustentabilidade. E anualmente o planejamento é apresentado ao presidente da companhia. “Temos um trabalho de mapeamento dos stakeholders. Trabalhamos com clientes, funcionários, investidores e sociedade. Estamos em nosso terceiro Relatório de Sustentabilidade nos parâmetros da GRI.”
A boa nova é que, aos poucos, entre a alta direção e as pontas, as médias gerências começam a catalisar outros processos relacionados à sustentabilidade no interior das organizações: “A turma que está fazendo essa articulação no meio – embora algumas empresas usem a média gerência para ajudar apenas em assuntos meramente operacionais – começa a participar cada vez mais da análise estratégica do negócio. Até o momento em que chegaremos a um ponto tal que um catalisador não seja mais necessário, como aconteceu no movimento de qualidade nos anos 1990”, estima Meire Ferreira, gerente senior da Prática de Clima e Serviços de Sustentabilidade da Ernst & Young.
“Não é o time de sustentabilidade que coloca a mão na massa, e sim quem está nas pontas. O time cada vez mais será o apoio principal para que as diversas áreas da empresa possam ‘performar’ de maneira adequada”, diz.
Leia mais: Alma versus pragmatismo
[:en]Em ritmos distintos, a sustentabilidade expande-se do núcleo decisório para quem “põe a mão na massa”. Mas essa tendência de capilaridade ainda se restringe ao grupo de empresas pioneiras no movimento, dizem especialistas
Que a sustentabilidade entrou de vez no radar das empresas ninguém discute. Passado o momento inicial dos grandes líderes inspiradores do movimento, fomos investigar se e como o tema está se capilarizando na estrutura das empresas. Apesar de haver poucos dados e pesquisas sobre o assunto, é possível concluir que a tendência de capilarização da política de sustentabilidade nas organizações corporativas é real, embora ainda em fase inicial e não generalizada. Em ritmos distintos, algumas grandes empresas já avançam em ações para além do marketing e do cumprimento de regras (compliance), conforme apurou Página22 com consultores e gestores de sustentabilidade – mas constituem uma minoria.
Levantamento sobre sustentabilidade corporativa realizado em 2011 pela revista MIT Sloan Management Review e o Boston Consulting Group e publicado no início de 2012 mostra que 70% das companhias consultadas já incluíram a sustentabilidade de maneira permanente em suas agendas de gestão. Foram entre vistados em 2011 para esta terceira edição do estudo mais de 4 mil gerentes e executivos de empresas de 113 países, incluindo instituições na América do Sul.
O trabalho conclui que as empresas estão firmando compromissos significativos com práticas mais sustentáveis em seus negócios, ao investir tempo e dinheiro em estratégias que abordam cenários competitivos crescentemente moldados por fatores como mudança climática, escassez de recursos, incertezas regulatórias e volatilidade econômica.
O levantamento também revela que essas empresas reconhecem a necessidade da combinação de liderança sênior e gestão integrada para que as estratégias de sustentabilidade sejam bem-sucedidas. Entendem que precisam estabelecer parcerias com públicos relacionados de alguma forma a seus negócios – reguladores, fornecedores, organizações não governamentais e grupos de cidadãos.
Ainda segundo o estudo, empresas com experiência no tema há menos de dois anos estão 50% menos propensas a dizer que a sustentabilidade contribui para aumentar seus lucros do que as que têm mais de 12 anos de experiência. Tais empresas estão olhando além de comunicação, gestão de risco e reputação, e veem lucros emergentes não no futuro, mas agora.
Essas organizações entrevistadas são líderes do movimento da sustentabilidade, pioneiras, desenvolvem projetos inovadores e transformam essa abordagem em vantagem competitiva. Mas ainda formam um grupo minoritário, lançador de tendências que terão eco em momentos distintos no mercado e em empresas em diferentes níveis de implementação da sustentabilidade em suas cadeias produtivas.
“Não acredito que exista essa capilaridade como tendência generalizada”, avalia Flavia Moraes, sócia-diretora da FCM Consultoria e diretora da Associação Brasileira de Profissionais de Sustentabilidade (Abraps). “Estamos falando de empresas que estão no movimento há muito tempo e tiveram um líder ‘puxador’. Depois disso, o bastão foi passado para alguém em um nível bem alto dentro da organização, que se encarregou de promover a capilaridade dentro da empresa. Mas isso é para poucos e bons.” Ainda assim, Flávia percebe que a palavra da vez nas empresas é sustentabilidade e que as pessoas hoje têm essa questão mais próxima, em parte, por conta do papel da mídia.
O aumento da quantidade de relatórios de sustentabilidade pode ser tomado como indicador de que o tema vem sendo inserido nas agendas das empresas e envolvendo diferentes níveis hierárquicos. Seja ao permear a cadeia produtiva, ao incorporar o assunto no plano de negócios, seja mesmo na mobilização de gerentes e técnicos para ‘rechear’ esses relatórios, é fato que temos uma tendência aparentemente sem volta.
De acordo com dados do Ponto Focal da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, o país encontra-se em terceiro lugar no mundo em número de empresas que publicam relatórios de sustentabilidade. Mais de 160 relatórios brasileiros baseados nos padrões da GRI foram publicados em 2010. Quase 40 empresas brasileiras participam do Programa de Stakeholders (públicos de interesse) Organizacionais da GRI e os especialistas brasileiros estão bem representados nos órgãos de governança da iniciativa – e o Brasil foi o primeiro país onde se estabeleceu um Ponto Focal.
AINDA UMA MINORIA
Glaucia Terreo, coordenadora do Ponto Focal da GRI no Brasil, relata que tem visto muitos gestores colocarem a mão na massa, estudando muito, buscando conhecimento em cursos formais e em outras fontes, indo até as comunidades e falando com públicos com posições antagônicas, mas que isso ainda ocorre em uma parte minoritária do mundo corporativo do País: “Já seria muito se contarmos hoje com cerca de 250 empresas aparentemente engajadas, e, destas, 50 efetivamente engajadas. A maioria das empresas nem publica balanço financeiro”.
Para Glaucia, o principal entrave situa-se na cultura ainda vigente nas lideranças empresariais, que mantêm um pensamento arraigado no business as usual, tratando seu negócio sobretudo sob o prisma econômico-financeiro. “A maioria das companhias ainda trata o Relatório de Sustentabilidade como peça de propaganda. A turma do relatório da empresa toma o processo com seriedade, vai atrás de soluções e leva o material como ferramenta de gestão para o nível hierárquico de cima. Quando ele volta, vem com um monte de cortes e ‘cara’ de publicidade. Isso é sério!”, afirma.
A representante da GRI no Brasil avalia que a tendência de a sustentabilidade ocupar um lugar central nas estratégias corporativas é mais forte nas empresas com cadeia de negócios mais internacionalizada, que acabam por adotar padrões de produção mais rigorosos que a média do mercado, principalmente para evitar que suas operações sejam afetadas por aparatos regulatórios distintos nos diferentes contextos regionais.
“Na Dinamarca, por exemplo, as empresas de grande porte devem, por lei, prestar contas de seu desempenho socioambiental ou explicar publicamente os motivos de eventual recusa a seguir a norma legal. Procedimento parecido também é exigido das companhias que pleiteiam ingresso na Bolsa de Johannesburgo, na África do Sul. Na França, não tem explicação – é relatar ou relatar.” A BM&FBovespa, de São Paulo, passou este ano a recomendar às empresas nela listadas que publiquem relatórios de sustentabilidade ou expliquem por que não o fazem.
Dentre os avanços que reforçam a tendência no Brasil, Glaucia destaca o pronunciamento do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim), de setembro de 2012, sobre as melhores práticas de divulgação de informações sobre sustentabilidade, e o processo de construção de proposta regulatória pelo Banco Central tratando da responsabilidade socioambiental no âmbito das instituições financeiras. A proposição do BC esteve em consulta pública até setembro deste ano.
GREENWASHING POSITIVO
O fato de estar no discurso das empresas é também um sinal de presença nas agendas. Isso faz com que até mesmo o greenwashing tenha um lado ‘positivo’, na opinião de Luis Fernando Laranja, diretor-executivo da Ouro Verde Amazônia, empresa do Grupo Orsa: “Quando a empresa se declara ‘sustentável’, ela acaba de colocar a corda no pescoço. Não quer dizer que a corda vá apertar, mas ela pode se enforcar se alguém um dia cobrá-la publicamente”.
Laranja confessa-se frustrado com a lentidão com que o tema sustentabilidade tem impregnado de fato as empresas. Para ele, as métricas são termômetros fundamentais para detectar o grau de comprometimento com a sustentabilidade: “Na Ouro Verde, por exemplo, trabalhamos com produtos da indústria alimentícia e resolvemos certificá-los como orgânicos. Se você não tiver um selo, com uma terceira parte atestando, fica complicado provar que seu produto é orgânico”.
Marco Fujihara, diretor da KeyAssociados e da Way-Carbon, e cogestor do Fundo Brasil Sustentabilidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também demonstra ceticismo quanto à hipótese da tendência de capilarização. Para o consultor, ainda há muita dificuldade de gestão e a maioria das pessoas entende sustentabilidade como comunicação ou questão de compliance.
“Discordo que a sustentabilidade hoje esteja na linha da média gerência – essa média gerência continua fazendo compliance. A sustentabilidade tem que ficar com o CEO e ser diferenciação competitiva. Ainda não temos sustentabilidade como alavanca de valor. Quem está no operacional não consegue entender”, avalia.
Hoje, prossegue Fujihara, o grande indicador para medir a sustentabilidade em uma empresa são metas que ela mesma define e muitas vezes não consegue cumprir. “Aumentou o número de relatórios de sustentabilidade, mas ainda como comunicação. Menos de 10% das em- presas usam o relatório como instrumento de valor.” Segundo o consultor, empresas proativas no tema possuem um comitê de sustentabilidade, que faz ponte direta com o conselho de administração. “É preciso pensar junto, senão a visão fica muito compartimentalizada e não vira alavanca de valor, vira marketing.”
DE CIMA PRA BAIXO E VICE-VERSA
Até que ponto a sustentabilidade é mais bem incorporada à empresa quando vem de um movimento a partir do alto escalão? Há casos em que presidentes e diretores são responsáveis por introduzir o tema e estimular ações de sustentabilidade na empresa, dando direcionamento e transformando o assunto em uma das linhas estratégicas de condução (movimento conhecido pela expressão inglesa top-down).
“Se não houver alguém lá em cima ditando o ritmo e cobrando para que a coisa aconteça, o processo não avança. A rotina é muito difícil, nem sempre você consegue olhar pra frente e planejar a longo prazo”, avalia Luiz Pires, especialista em sustentabilidade da AES Tietê. Na AES, quem “ditou” os temas foi uma cadeia iniciada a partir do seu centro decisório, validada pelos funcionários. O grande salto da empresa foi a incorporação da sustentabilidade, no que passou a se chamar de planejamento estratégico sustentável, que se desenvolve sob a batuta do vice-presidente de gestão de performance. “É ele quem cobra os resultados.”
Mas o caminho inverso também pode ser trilhado: o chamado bottom-up, quando o movimento se inicia a partir da base da organização. Uma pessoa ou um departamento começa a implantar ações isoladas que acabam contaminando o topo hierárquico da companhia, em um trabalho de ‘formiguinha’.
Na TAM Linhas Aéreas, a política de sustentabilidade nasceu dos esforços da funcionária Rita Moreno, hoje coordenadora de sustentabilidade e meio ambiente da empresa. “Sou assistente social de formação e pratico sustentabilidade na minha casa. Fui estudar a respeito e achei que a TAM já tinha condição de implantar a área. Já havia práticas, mas era necessário estruturar um programa.” Hoje há um comitê que participa das principais decisões da companhia e valida o programa de sustentabilidade. E anualmente o planejamento é apresentado ao presidente da companhia. “Temos um trabalho de mapeamento dos stakeholders. Trabalhamos com clientes, funcionários, investidores e sociedade. Estamos em nosso terceiro Relatório de Sustentabilidade nos parâmetros da GRI.”
A boa nova é que, aos poucos, entre a alta direção e as pontas, as médias gerências começam a catalisar outros processos relacionados à sustentabilidade no interior das organizações: “A turma que está fazendo essa articulação no meio – embora algumas empresas usem a média gerência para ajudar apenas em assuntos meramente operacionais – começa a participar cada vez mais da análise estratégica do negócio. Até o momento em que chegaremos a um ponto tal que um catalisador não seja mais necessário, como aconteceu no movimento de qualidade nos anos 1990”, estima Meire Ferreira, gerente senior da Prática de Clima e Serviços de Sustentabilidade da Ernst & Young.
“Não é o time de sustentabilidade que coloca a mão na massa, e sim quem está nas pontas. O time cada vez mais será o apoio principal para que as diversas áreas da empresa possam ‘performar’ de maneira adequada”, diz.
Leia mais: Alma versus pragmatismo