Empresas e bancos abraçam a expressão “desenvolvimento sustentável”, enquanto pesquisas denunciam a distância entre discurso e prática. Especialistas explicam por que mudar é tão difícil
Por Amália Safatle
Chega o fim do ano e a “linha de produção” do Grupo Eco, empresa de brindes corporativos e eventos sustentáveis, está a todo vapor. Logotipos de seus clientes – as mais variadas empresas e instituições financeiras – estampam agendas, caixinhas e cestas de Natal, muitos deles acompanhados da expressão: “Responsabilidade Socioambiental”.
Não faz muito tempo, em um dos encontros com cliente, Davis de Luna Tenório, sócio-presidente do Grupo Eco, ressaltava as características socioambientais do seu bufê de orgânicos quando o gerente de marketing da empresa, uma companhia de grande porte, o interrompeu: “Mas a ministra Marina Silva não é contra isso?” Ele não entendeu a pergunta. Até perceber que o executivo estava confundindo orgânico com transgênico.
O Grupo Eco é um dos raros cases empresariais do que se chama “inovação para a sustentabilidade”. Não se trata de mais uma empresa buscando adaptar o sustentável à velha prática de fazer negócios. Ao contrário, ela é que nasceu adaptada a uma nova visão de mundo, com a estratégia 100% voltada à sustentabilidade, cadeia de fornecedores social e ambientalmente certificada e uso de matéria-prima renovável, entre outros atributos (leia mais sobre organizações inovadoras à página 30).
Quando Tenório iniciou os negócios, há cinco anos, mencionar o termo sustentabilidade era quase como falar com as paredes. Hoje, diretores e gerentes de marketing, na maioria das grandes corporações, procuram o Eco, orientados pelo chefe de que “a empresa precisa ser sustentável” – ou parecer sustentável. “A expressão já não assusta mais. O problema agora é o entendimento”, diz ele, que contabilizou crescimento 200% nas vendas da empresa entre 2007 e 2006, impulsionadas principalmente a partir de janeiro deste ano.
O problema de compreensão com o qual Tenório se depara no dia-a-dia foi captado em recente pesquisa realizada pelo Ibope, com 500 executivos no Brasil. Do total, 80% não entendem que ética está relacionada com a prática socioambiental e apenas um terço afirmou que considera sustentabilidade uma questão estratégica para a empresa. Talvez porque a maioria acredite que preço e produto continuarão a ser os grandes drivers de escolha do consumidor, enquanto avaliam que pagar impostos e encargos sociais são alguns dos fatores que mais impactam negativamente a empresa.
CASO DE SUCESSO
A pesquisa é também reveladora da visão de mundo dessa parcela do empresariado brasileiro. De uma base de 474 entrevistados, 74% concordam que a China é um caso de sucesso internacional, ao mesmo tempo que 51% admitem que o País não investe em desenvolvimento social e 78% entendem que ele não preserva o meio ambiente. Sinal claro de que o sucesso ainda é associado ao crescimento econômico e dissociado do desenvolvimento socioambiental.
“Nós fracassamos”, desabafou o fundador do Instituto Ethos, Oded Grajew, diante da apresentação desses resultados à imprensa. Ele sabe que o universo pesquisado corresponde muito ao dos associados do instituto. O tom de Grajew talvez tenha sido muito dramático, uma vez que o Ethos já exerceu um importante papel de apresentar o tema e colocá-lo na agenda das empresas no Brasil. Inicia-se, agora, um trabalho tão ou mais difícil, que é o de convergir do discurso para a prática.
Outro estudo, realizado pela Fundação Dom Cabral, traz resultados igualmente preocupantes. De 134 empresas declaradamente comprometidas com responsabilidade social ou sustentabilidade – pela participação formal em grupos tais como Global Compact da ONU, Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa e Global Reporting Initiative (GRI) – convidadas a responder o questionário, apenas 30 o fizeram. Deste universo, responderam os responsáveis pela estratégia da empresa.
Um dos resultados da pesquisa é que mesmo as companhias mais comprometidas ou familiarizadas com a “causa” não reconhecem os impactos negativos que geram na sociedade e no meio ambiente. “Para a maioria delas, os efeitos são positivos ou não existem”, comenta Cláudio Bruzzi Boechat, professor da Fundação Dom Cabral. O impacto no ecossistema, na água, na energia e na distribuição de renda, por exemplo, é tido como positivo. E nas mudanças climáticas foi considerado nulo, segundo a pesquisa. É verdade que a coleta de dados havia sido feita antes da última divulgação dos relatórios da ONU sobre clima, mas mesmo assim, é de estranhar que as empresas já não estivessem informadas sobre a relação entre suas atividades e o aquecimento global.
IMPACTO CONCENTRADOR
Para Boechat, igualmente preocupante é que as empresas em geral não percebam ou admitam perceber o seu grande impacto econômico, que é o da concentração de renda. De certa forma, essa concentração é inerente à sua existência, é sua razão de ser. Por mais que gere empregos, pague impostos e preste um serviço à sociedade fornecendo determinado produto de que as pessoas precisam – esses seriam seus impactos positivos -, a empresa concentra capital financeiro, capital intelectual e tecnológico, recursos humanos e recursos naturais. Ao transformar tudo isso em produtos e serviços, e receber dinheiro ao vendê-los, incluindo a margem de lucro, aglutina a renda gerada em sua volta. Essa é a forma de operar em um sistema capitalista – sem isso, simplesmente deixaria de ser empresa. Mas, por outro lado, não pode fechar os olhos a esse profundo impacto concentrador.
Outra constatação de especialistas como Boechat é que quase 100% do que a empresa movimenta em tempo e recursos ainda corresponde às antigas formas de operar e de ver o mundo. Segundo Joe Sellwood e Luís Iseppe, sócios da Rever Consulting, que há dois anos representa no Brasil a aliança Global Leadership Network (GLN), grosso modo, 97% da operação das empresas seguem o velho script, enquanto elas tentam plugar os outros 3% a práticas de sustentabilidade – isso em empresas que estão preocupadas com esse tema. Imagine nas demais.
A GLN é uma joint venture entre o Boston College e a consultoria AccountAbility, dirigida por Simon Zadek. Trata-se de uma rede mundial pela qual as companhias são orientadas e trocam informações de como colocar a sustentabilidade em prática, dentro de seu planejamento estratégico. No Brasil, entre as participantes estão Alcoa, Santander, Vivo e IBM. “As empresas entram por razões distintas, algumas justamente por estar perdidas em relação ao que fazer”, afirmam os sócios da Rever.
“Elas são bombardeadas o tempo todo com novos conceitos e não sabem o que precisam incorporar de fato”, diz Sellwood. Segundo Iseppe, o presidente chega à conclusão de que é necessário abordar a sustentabilidade, embora nem saiba exatamente o que isso significa. Resolve nomear alguém para tratar disso. A primeira reação desta pessoa é buscar uma norma, um procedimento. “Aí ela chega com um calhamaço de material e vê que não consegue implementar, até perceber que não existe mesmo um padrão.” Ou seja, cabe a cada empresa buscar o seu caminho e descobrir seus pontos estratégicos. Para isso, precisa investir, além de dinheiro, energia, atenção e foco. O GLN existe justamente para ajudar a encontrar o foco. São identificadas cinco bandeiras estratégicas – por exemplo, logística ou cadeia de fornecedores.
UM AVANÇO
“De alguns meses para cá – isso é uma novidade -, percebo que as empresas começam a entender que não dá para fazer tudo de uma vez, que é necessário escolher os pontos fundamentais e começar por eles. Sem conhecer esse conceito, intuitivamente estão entendendo a importância da materialidade”, afirma Iseppe. Materialidade significa identificar na operação os impactos que realmente afetam os negócios e a sociedade.
Segundo Sellwood e Iseppe, uma medida para avaliar o sucesso é quando a empresa deixa de tratar o tema da sustentabilidade separadamente, e o incorpora ao dia-a-dia.
A Philips – companhia que, como a Basf, já integrou a GLN – criou um departamento de sustentabilidade para a América do Sul, gerenciado por Flávia Moraes. Ela busca aplicar em seu trabalho a definição de sustentabilidade da Comissão Brundtland, ou seja, atender às necessidades da geração atual sem comprometer as necessidades das gerações futuras (leia entrevista com Gro Brundtland à pág. 58).
“Advogo que ter um departamento de sustentabilidade ainda é bom, mas acredito que em um futuro distante não será mais necessário, quando o tema estiver plenamente incorporado na empresa”, afirma ela. “Quando surgiu o conceito da qualidade, também foi preciso criar um posto de gerente para isso, mas aos poucos essa função tem sumido. Aqui na Philips só existe nas fábricas”, diz.
Do tempo da “qualidade total” para cá, é possível traçar uma linha evolutiva ou, na palavras de Boechat, uma “expansão de percepção”. A qualidade expandiu a percepção da empresa para o cliente. A partir daí, ela começou a enxergar para fora de seus muros, interagindo com mercado, concorrentes, fornecedores, o que levou ao desenvolvimento de cadeias produtivas, clusters e arranjos produtivos locais. Depois, expandiu a percepção para a responsabilidade social, enxergando, além do mercado, sua participação e função na sociedade. No passo seguinte, até os dias hoje, a sustentabilidade entrou pela vertente ambiental, englobou os conceitos anteriores e propôs conectar a empresa à situação planetária, aos limites físicos da Terra, aos ciclos da natureza e à idéia das gerações futuras.
A responsabilidade no sentido amplo, entretanto, é um conceito que deve perdurar nessa linha do tempo, uma vez que “res” significa “coisa”, e “ponsibilidade”, equilíbrio. Isso, segundo Boechat, significa buscar equilíbrio na relação entre stakeholders (as diversas partes da sociedade com as quais a empresa se relaciona), na relação entre produção e conservação ambiental, e na dualidade competição/cooperação. “As empresas foram criadas com fins lucrativos, para ter capacidade de competir e não para cooperar.” Mas, quando outros segmentos da sociedade esperam mais que a geração de lucro, começa a cobrança por um espírito mais cooperativo. A natureza é um bom modelo disso, onde se manifestam tanto as forças de competição – que levam à evolução -, como as de cooperação.
MÁQUINA AZEITADA
É aqui que se retoma a clássica discussão sobre o papel da empresa e seu compromisso com o acionista, no âmbito da governança corporativa. A governança imprimiu códigos de boa prática, enfatizando transparência e ética, valores que caminham na direção da sustentabilidade. Mas na medida em que a empresa se dispõe a abrir mão de lucros mais imediatos em razão dos resultados no longo prazo, começa a haver um conflito entre um dos stakeholders, que é o acionista, e a política de sustentabilidade da empresa. O mesmo vale para seus executivos, que, em geral, enfatizam resultados imediatos para impulsionar suas carreiras. “Com a Lei de Sarbannes-Oxley, que fortalece a governança corporativa e torna essa máquina mais azeitada, o conflito se acirra”, observa Boechat.
Como lembra Carlos Eduardo Lessa Brandão, coordenador do Centro de Pesquisas e Conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a externalidade (impacto negativo de uma operação da empresa que não é assumido por ela) é considerada boa do ponto de vista do acionista, pois faz com que o lucro da empresa seja preservado, enquanto a sociedade paga a conta. “Um dos dilemmas existenciais da empresa é este: o acionista tem mais direito que o não-acionista?”, diz. Discussão que remete novamente à necessidade de equilíbrio – ou responsabilidade – entre as partes.
Para as companhias “em crise existencial”, Thomaz Wood Jr., professor titular da FGV/Escola de Administração de Empresas de São Paulo, afirma que “há cada vez mais consumidores e acionistas sensíveis a questões relacionadas à justiça social e ao meio ambiente. E também acionistas que não são sensíveis, mas sabem o estrago que pode ocorrer no preço da ação se a empresa for denunciada por práticas social ou ambientalmente condenadas”.
Além disso, os fundos de investimento socialmente responsável estão em expansão ao redor do mundo, buscando justamente as ações de companhias orientadas para a sustentabilidade e com ativos duradouros. E, segundo Maria Ester de Freitas, também professora titular da FGV-Eaesp, “está cada vez mais claro que o foco apenas nos interesses de curto prazo atenta contra a própria vida da empresa, como bem demonstram vários escândalos empresariais divulgados pela imprensa mundial nos últimos anos”.
Está aí um bom ponto de discussão para o 8º Congresso Brasileiro de Governança Corporativa, marcado para 12 e 13 de novembro, e tem como tema “Sustentabilidade e Governança – Estratégia para a Perenidade das Organizações”. No evento, será divulgado um guia, coordenado por Brandão, com participação de diversos representantes da sociedade civil, que explica o conceito ao investidor e empresário e mostra a correlação entre a sustentabilidade e o sucesso das empresas.
Segundo Thomaz Wood, nessa linha evolutiva a tendência é que as empresas se tornem sistemas mais abertos, porosos e influenciados pela sociedade. Para ele, dado seu peso na economia e sua influência sobre outras esferas da vida, há uma coevolução em curso: sociedade e empresas se influenciam mutuamente, alterando valores, comportamento e padrões de consumo. “O alerta a ser dado é que nem sempre os interesses são convergentes. Por isso a sociedade não pode abdicar de exercer controle sobre as organizações”, afirma o professor, que intui a existência de diferentes graus de adesão às novas práticas, no quadro Quem é você?
Assim como no IBGC, que reúne representantes do mainstream econômico, a sustentabilidade começa a entrar em fóruns como o do Prêmio Nacional da Qualidade, que tradicionalmente laureia o setor empresarial. Os fundamentos da premiação que até então eram basicamente a qualidade, na edição de 2006 passaram a incluir a capacidade de “atuar como sistema vivo em ecossistema complexo”.
QUE QUALIDADE?
Mas, para Maria Ester de Freitas, da FGV, as empresas estão pulando de conceito ainda sem ter plenamente absorvido o anterior. “Penso que não apenas os termos ‘sustentabilidade’ e ‘responsabilidade social’ não tenham ainda sido compreendidos. A própria ‘qualidade’ tem deixado a desejar em muitos sentidos”, afirma.
Ela cita exemplos: do ponto de vista do cliente, a qualidade do atendimento hoje, predominantemente eletrônico, “é um desastre e uma falta de respeito com o consumidor”. Do ponto de vista do trabalhador, a qualidade de seu tempo no trabalho não raro piorou em virtude da maior competição, pressão por metas e ameaça permanente de desemprego. Do ponto de vista pessoal, a qualidade de vida fora do trabalho tem sido sacrificada e o lazer ainda é tratado como supérfluo e não como uma necessidade para preservar a saúde física e mental.
Se os primeiros passos nessa linha evolutiva, que não pediam mudanças profundas no jeito das empresas de operar e entender o mundo, ainda apresentam problemas, o que dizer do atual desafio, que exige mudanças estruturais? E como isso deve acontecer num mundo corporativo que se deixa levar por modas gerenciais, como foram nos anos 90, além da qualidade total, a reengenharia, o comércio eletrônico, a terceirização?
A palavra ‘paradigma’, exemplifica Maria Ester, hoje aparece freqüentemente na fala de muitos dirigentes de empresas para se referir a alguma mudança de meios, métodos ou formas de fazer. “Só isso. Mas ela tem um sentido muito mais complexo e profundo, que implica um acordo sobre uma forma de ver o mundo, agir sobre ele ou estudá-lo.” Para ela, o mesmo se dá em relação à palavra sustentabilidade – ou desenvolvimento sustentável -, que passa a ser tratada apenas como ferramenta de gestão ou ponto de chegada, e não como uma profunda mudança de mentalidade, uma construção permanente, uma opção pelo futuro, e que envolve frentes simultâneas como meio ambiente, comunidades, direitos humanos, governança.
VERDADE INCONVENIENTE
Por que é tão difícil mudar o paradigma de fato nas organizações, fazer com que a sustentabilidade entre no seu core business? “De certa forma, a opção pela sustentabilidade é uma aposta ou um ato de fé no futuro que você não vai ver. E pensar o futuro é difícil – e inconveniente – porque a gente assume que não estará aqui, portanto, assume a morte”, responde a professora.
Além disso, ressalta Paulo Durval Branco, da consultoria Ekobé, há um choque brutal de pensamentos. De um lado, a visão sistêmica do mundo; de outro, o modelo mental das empresas que impera sob a lógica de Descartes – segundo a qual mente, corpo, espírito e emoção estão em caixinhas separadas. “As empresas seguem esse modelo cartesiano, reducionista e fragmentário. A visão de Descartes é de dominação da natureza pelo homem, a partir do momento em que o homem enxerga a natureza como ‘o outro’.”
Modelos de gestão menos rígidos e hierarquizados, segundo Branco, estariam mais alinhados à prática da sustentabilidade nas organizações. Um deles é o da sociocracia (leia entrevista à pág. 32), que tem sido aplicada na construção da terceira geração de normas ISO, a 26000, discussão na qual se busca um entendimento entre diversos stakeholders, que têm visões discordantes entre si.
Mas além dessas razões de cunho interno, há razões externas à empresa. Apesar de ser causadora de grandes impactos econômicos, sociais e ambientais, a organização não faz isso sozinha. “Quando a gente fala em externalidades, acha que só o empresário ou acionista se beneficiam disso. Não é verdade”, afirma José Carlos Barbieri, professor da FGV-Eaesp.
Por exemplo, quando se critica a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, há outros atores em jogo. O governo atual não quer se submeter ao vexame do “apagão”, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso. A indústria também quer energia barata para produzir. E o consumidor quer energia para ter acesso aos produtos – e a produtos baratos. Tudo isso “conspira” a favor das hidrelétricas.
“Essa é a dinâmica do sistema capitalista”, diz Barbieri. O mesmo ocorre quando a sociedade civil defende banir o uso de carros. A Central Única dos Trabalhadores quer emprego nas fábricas de automóveis. A indústria automobilística, obviamente, quer produzir e vender cada vez mais. E o governo age como um importante parceiro dessa indústria porque recebe grande volume de recursos na forma de impostos.
Essa dinâmica, que aparentemente funciona muito bem, mas é insustentável, ainda é favorecida por um ambiente regulatório que inibe mudanças. “O não surgimento de uma nova cultura corporativa na velocidade necessária da emergência socioambiental deve-se muito aos atuais incentivos de mercado e sua regulação”, afirma Ricardo Young, diretor-presidente do Instituto Ethos.
“A legislação trabalhista, por exemplo, contempla muito a segurança do trabalhador e sua liberdade de associação. Mas não trata da ‘camada” da sustentabilidade, que inclui trabalho decente, interlocução, salubridade. Há toda uma nova geração de regulações a ser feita”, diz.
Outro caso é o da reciclagem, lembra Branco da Ekobé: o lixo reciclado, ao contrário do produto virgem, é bitributado, enquanto há uma série de subsídios que estimulam indústrias poluidoras.
OVO E GALINHA
Por isso, segundo Young, para que haja mudanças de paradigma, é preciso que a sociedade caminhe junto. Mas deve partir de pelo menos um setor a faísca que “incendeia” os demais. Em geral, ela tem partido da sociedade civil organizada, até porque pressionar por mudanças é sua característica. O que não exime as empresas de assumir um papel mais proativo.
O caso do enxofre no diesel é emblemático. O Brasil, na contramão de países desenvolvidos, tem uma das mais altas taxas de enxofre no diesel, fabricado pela Petrobras. São 500 partes por milhão, enquanto o parâmetro internacional é de 50 ppm. Uma campanha encabeçada pelo Movimento Nossa São Paulo – Outra Cidade cobra a redução da taxa, comprovadamente responsável por prejuízos à saúde e até mortes.
Mas segundo Luís Cesar Stano, gerente de desempenho em segurança, meio ambiente e saúde da estatal, para se reduzir é preciso uma regulamentação do mercado, por parte da Agência Nacional do Petróleo. Ele argumenta que não adianta a Petrobras investir nisso se a indústria automobilística não se adaptar anteriormente à mudança. E a indústria alega que só fará mudanças depois da regulamentação, e que precisa de tempo para adaptar os motores. “Os consumidores também terão de pagar pela redução, pois o custo dos investimentos será repassado a eles. Por isso, a sociedade toda precisa estar engajada”, afirma Stano.
O mesmo vale para a substituição de combustíveis fósseis por renováveis ou menos poluentes. “A Petrobras tem de manter sua lógica econômica. Não adianta colocar na praça um produto menos poluente e mais caro se o consumidor não estiver disposto a pagar por ele.”
Mas se a Petrobras é uma empresa estatal, não caberia a ela atuar como instrumento de uma política pública que provoca mudanças, em vez de se entregar às leis de mercado? Stano responde que a companhia hoje é muito business oriented, e atua em uma sociedade de mercado, na qual o uso de subsídios não é uma política sustentável. Enquanto a Petrobras, a ANP e a indústria automobilística aguardam umas às outras, o enxofre continua no diesel.
PODER DE EROTIZAÇÃO
Responsável pelo branding de organizações como Natura e ABN Amro Real, o publicitário Ricardo Guimarães tem uma visão bem particular do tema. Para ele, a questão é que a sustentabilidade entrou no mundo corporativo pela porta da accountability, a prestação de contas. Foi motivada pela culpa, na busca de licenças para operar. “Com isso, a sustentabilidade perdeu o poder de erotização, com as empresas tendo de fazer algo, e não querendo fazer algo. Assim, não ingressou no planejamento estratégico”, afirma.
Mas, para ele, começa uma nova fase em que não se buscará mais o produto “menos pior”, e sim produtos bons. “A Eco-92 falou do dever. Entramos agora na fase do poder, em que empresas começam a enxergar a sustentabilidade como oportunidade”, diz. Por isso, Guimarães não considera ruim o tema de entrar no radar dos departamentos de marketing, uma vez que lá pode ser explorado o seu aspecto sedutor.
Enquanto isso, as companhias voltadas à sustentabilidade vivem conflitos existenciais diariamente. “No relatório GRI (Global Reporting Initiative) da Natura, a empresa enfatiza a redução do consumo de água. Ao mesmo tempo, quando mostra o aumento das vendas, indica que aumentou o consumo”, exemplifica Young, do Ethos. “Como lidar com essa contradição?”, questiona ele.
A Amanco, fabricante de tubos e conexões adquirida do GrupoNueva, com base no Chile, pela mexicana Mexchem, foi fundada por um dos criadores do Conselho Mundial de Desenvolvimento Sustentável, Stephan Schmidheiny. Todos os funcionários são avaliados segundo o tripple botton line, ou seja, pelo seu desempenho econômico, ambiental e social, informa Marise Barroso, diretora corporativa de marketing. A empresa ainda persegue metas de ecoeficiência, buscar respeitar a comunidade no entorno, seleciona fornecedores de acordo com atributos socioambientais e busca a geração mínima de resíduos. Mas como lida com a idéia de que sustentabilidade não combina com crescimento? Marise não tem muito o que responder, a não ser que se busca reduzir os impactos e cumprir um papel social fornecendo soluções para países em desenvolvimento que não atingiram condições mínimas de saneamento.
Na Unilever, um calcanhar-de-aquiles é a geração imensa de embalagens, que se transformam rapidamente em lixo pela sociedade de consumo. Resíduos sólidos, água, energia e aquecimento global são os temas ambientais que entraram no radar do GRI da empresa. Elaine Molina, gerente de responsabilidade social, afirma que se tem buscado aplicar critérios de ecodesign às embalagens, com diminuição no tamanho, e reduzir as emissões de poluentes por meio da substituição energética nas fábricas, pelo bagaço de cana-de-açúcar. Outra medida é a preocupação com o pós-consumo, por isso a empresa participa do programa de coleta seletiva na rede Pão de Açúcar.
A iniciativa da reciclagem é louvável, mas, como questiona Barbieri, da FGV, não se trata de mais uma forma de reduzir a culpa e manter a licença para operar, assim como se adere a projetos de neutralização de carbono?
Nem tudo, entretanto, é só redução de passivo, ou culpa. Para Young, do Ethos, pode estar em esboço um movimento de reconhecimento do ativo da sustentabilidade, talvez mostrando que ela começa a se tornar sedutora, como quer Guimarães. “Interessante observar que empresas com esse histórico, como o ABN, estão sendo compradas”, afirma Young. A Serasa é outro exemplo, adquirida em julho pelo grupo irlandês Experian. A Amanco foi adquirida em fevereiro, e a compra levou a uma alta significativa na ação da Mexchem. Pode ser mera coindência, ou o reconhecimento de que empresas com esse perfil acabam sendo mais bem geridas.
Para Young, embora o Santander tenha uma cultura centrada em custo, pagou pelo good will de sustentabilidade do ABN, ainda que o motivo da compra tenha sido puramente a expansão dos negócios no mundo. O que fará com essa política é por ora desconhecido. A reportagem procurou o Santander no Brasil, mas por meio de sua assessoria de imprensa o banco informou que não comentaria o assunto. Segundo Guimarães, “se o grupo espanhol não for arrogante e estiver lendo os jornais, saberá manter esse ativo”.