Nas raízes profundas do desmatamento da Amazônia está o sucateamento de natureza política e ética, que vem de muito tempo, sem prazo para ser resolvido — e que não aparece nas imagens de satélite.
O que há de concreto no noticiário sobre o desmatamento na Amazônia, após décadas de debates, denúncias, movimentos e promessas? Olhando bem de perto, há uma única informação incontestável: a floresta está sendo dizimada de maneira gradual, sem falhar um dia, em ritmo lento ou vertiginoso, seja qual for a política do momento ou o último pacote emergencial de medidas.
Até hoje não se sabe ao certo o que o País quer da Amazônia ou para a Amazônia.
Houve tentativas desastrosas de ocupação econômica, como a dos anos 70. No início do governo Lula, em 2003, parecia ter chegado a hora de uma inflexão histórica.
A equipe do Ministério do Meio Ambiente assumiu com diagnóstico de qualidade e proposta de mudança intragovernamental assentada sobre dois pilares: a transversalidade na ação e o deslocamento do cerne da política ambiental para o coração do governo. Dizia-se que o ministério deveria deixar de ser a grande ONG governamental, eternamente na condição de litigante ou de pedinte, e exercer o papel de dinamizador dessa proposta. Chegou-se a pensar na criação de espaços inovadores para viabilizar a troca permanente de informações e o aprendizado institucional necessários para gerar políticas com alto grau de integração e participação.
O primeiro contragolpe veio a curtíssimo prazo, com o episódio da liberação da importação de pneus usados sem sequer ouvir o MMA. De lá para cá, a proposta inicial gerou alguns resultados importantes, muitas polêmicas, mas o principal revés aconteceu no seu núcleo vital. Não deu liga, faltou sensibilidade, vontade e ousadia, no tal coração do governo, para construir os alicerces de um avanço de repercussões globais. Perdeu-se a chance de uma experiência real de desenvolvimento sustentável, em escala nacional.
As políticas para a Amazônia contam essa história de maneira muito intensa, até porque o MMA a tal ponto jogou suas fichas no esforço de reduzir o desmatamento que, para a população em geral, talvez pareça que só se ocupa desse tema. É muito difícil analisar o ponto em que se está hoje, dado o risco de simplificar o que é de enorme complexidade. Mas é importante o exercício de refletir para além dos números.
A transversalidade foi ficando pelo caminho, embora em alguns momentos tenha gerado experiências interessantes que não se aprofundaram. O motor das relações intragovernamentais continua sendo o da competição por lógicas específicas e as razões de Estado são construídas conforme a força econômica e eleitoral de cada setor ou ministério. Sem contar que o chamado núcleo duro do governo vive na corda bamba: de um lado, dá seguidas demonstrações de irritação com a área ambiental; de outro, tem que contemporizar porque vive de olho nas repercussões internacionais.
Nesse caldeirão, é grande o desgaste assentada sobre dois pilares: a transversalidade na ação e o deslocamento do cerne da política ambiental para o coração do governo. Dizia-se que o ministério deveria deixar de ser a grande ONG governamental, eternamente na condição de litigante ou de pedinte, e exercer o papel de dinamizador dessa proposta. Chegou-se a pensar na criação de espaços inovadores para viabilizar a troca permanente de informações e o aprendizado institucional necessários para gerar políticas com alto grau de integração e participação.
O primeiro contragolpe veio a curtíssimo prazo, com o episódio da liberação da importação de pneus usados sem sequer ouvir o MMA. De lá para cá, a proposta inicial gerou alguns resultados importantes, para o MMA, como pôde ser visto a olho nu no anúncio recente do aumento do desmatamento da Amazônia e, logo em seguida, na decisão de ministros reunidos nos Conselho Nacional de Biossegurança que liberou variedades de milho transgênico.
Projetos de poder
Creio que a raiz dessa situação pode ser explicada pela escolha feita por Lula, no início de seu mandato anterior, de um modelo de governabilidade conservador, caduco, patrimonialista, servível apenas para projetos de poder, jamais para projetos de desenvolvimento. Naquele instante, o encantamento com sua eleição era tal que havia condições para abrir o modelo de governabilidade para a sociedade, expondo à luz do dia os setores acostumados a simplesmente lotear o Estado. Esta seria a reforma séria do sistema político, pois não daria aos partidos outro caminho que não o de se repensar e se adaptar a um saneamento da prática política.
A governabilidade vigente, fisiológica e fechada no sistema partidário, não permite lógicas horizontais e abertas de construção de políticas públicas estruturais. Assim, inexiste política socioambiental integrada de governo porque não há políticas de governo. Há apenas as tais “agendas” que, em geral, somem no ar. Em lugar de ações coordenadas e permanentes, há as “lições de casa”, que raramente passam do modismo burocrático e segmentado de cumprir o mínimo possível.
As políticas ambientais só têm existência real quando se expressam em todas as políticas setoriais. O MMA conceitua e propõe.
A despeito de seu esforço, se o governo, como um todo, não se comprometer cotidianamente com elas, viram almas penadas, sem materialidade. Quem as boicota sabe que não precisa ter medo, desde que disponha de bom cacife para trocar no balcão das conveniências do poder.
Nesse quadro, o que o senso comum espera do MMA e em particular da ministra Marina Silva — que “salve” a Amazônia — será sempre uma expectativa demasiada e injusta. À ação do ministério cabem críticas, mas é um equívoco imaginar que os problemas ambientais do País sejam apenas um passivo do desaparelhamento do Ibama ou do seu irmão siamês, o Instituto Chico Mendes. Há um sucateamento mais profundo e grave, de natureza política e ética, que vem de muito tempo e, infelizmente, não tem prazo para ser resolvido — e não aparece nas imagens de satélite.
*Maristela Bernardo – Jornalista, socióloga e consultora independente