Após amplo processo de consulta pública, uma série de dispositivos foi pensada para garantir a conservação das matas e a geração de benefícios sociais e econômicos por meio das concessões florestais
As florestas públicas – aquelas pertencentes à União, aos estados e aos municípios – representam pelo menos 194 milhões de hectares, ou 22% do território brasileiro.
Até recentemente, ao governo cabia, apenas, a proteção de largas extensões de matas, sem a possibilidade de usá-las para estimular a economia local e contribuir na geração de renda. No entanto, no caso da Amazônia, onde se encontram 92% dessas florestas, a pressão advinda da grilagem de terras e do avanço da fronteira agropecuária resulta nas alarmantes e conhecidas taxas de desmatamento. A alternativa de somente manter parcelas de matas protegidas em reservas intocáveis não é suficiente para aliviar pressões sociais nem impede invasões e predação de seus recursos. A conseqüência é a necessidade de mais e mais medidas de combate, punição e controle, com substancial gasto de recursos públicos, sem resolver o problema na origem.
O governo entendeu que a variável que faltava é a valorização da floresta pública, associada a atividades sustentáveis. Como milhares de pessoas vivem dos recursos naturais, o aumento dos benefícios gerados por meio de seu uso ainda promoveria o aumento da consciência sobre a conservação.
Para pôr essas idéias em prática, foi preciso criar um marco regulatório. A Lei de Gestão de Florestas Públicas (nº 11.284), promulgada em 2 de março de 2006, estabelece e detalha três formas de gestão florestal: criação de unidades de conservação; destinação para uso sustentável pelas comunidades locais; e assinatura de contratos de concessão florestal com empresas brasileiras, por meio de licitação.
Além disso, cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal e o Serviço Florestal Brasileiro, ao qual cabem o gerenciamento das florestas públicas e o fomento de atividades florestais.
Não faltou debate na elaboração da lei, que adveio de um amplo processo de consulta durante 14 meses, envolvendo diferentes atores da sociedade. Das 13 audiências públicas realizadas, sete foram feitas nos estados da Amazônia. Nesse processo, foi a concessão florestal que mais causou debates calorosos. A discussão envolveu especialistas, estudos comparativos de outros países, seminários, reuniões, audiências públicas e outras formas de participação.
O resultado foi um sistema robusto e original em vários quesitos, ao incluir a concorrência pública como a forma de adquirir uma concessão florestal e ao dar maior peso a aspectos socioeconômicos e ambientais no manejo florestal proposto do que ao preço pago pelo concessionário.
Espera-se que, até 2010, 2 milhões de hectares de florestas públicas da União estejam sob esse regime.
A primeira licitação foi lançada no final de 2007, na qual 14 empresas disputavam a concessão da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. Mas, ao comprovar a falta de documentos necessários, a Comissão de Licitação inabilitou todos os concorrentes.
Em seguida, após enviar nova documentacão, foram habilitadas as empresas Amata, Civagro, Porto Júnior, Sakura Madeiras, e os consórcios liderados pela Alex Madeiras e pela ZN Madeiras.
Concessão ou privatização?
Por ser um conceito novo aos brasileiros, há quem ainda confunda concessão florestal com privatização de terras e internacionalização da Amazônia. São comparações equivocadas. Concessão é o direito que o governo concede a entes privados para manejo sustentável de produtos e serviços de uma determinada floresta pública.
Esse direito é concedido mediante licitação aberta a empresas brasileiras — as estrangeiras não podem participar. O que se concede é apenas o direito de exploração de produtos e serviços, enquanto a floresta e a terra permanecem públicas. Ao governo cabe monitorar e garantir que a exploração seja feita de forma sustentável, dentro de critérios rigidamente acordados em contrato.
Também é comum confundir desmatamento com manejo florestal, atividade normalmente envolvida em uma concessão. Desmatamento significa derrubada da mata.
No manejo florestal não há, em hipótese alguma, a remoção total da floresta e sim a sua utilização de forma planejada e com o menor impacto possível, de forma a respeitar o ciclo de regeneração. Quando obedecidas as regras técnicas, a floresta continua a desempenhar serviços ecológicos essenciais, como proteção do solo contra a erosão, preservação da qualidade da água e manutenção da biodiversidade.
A lei determina o que pode ser explorado: madeira, produtos não madeireiros (óleos, frutos, resinas, plantas ornamentais, plantas medicinais), resíduos de madeira (para produção de carvão, por exemplo) e serviços florestais, como ecoturismo. A delimitação das áreas e as formas de exploração também seguem regras: não se pode fazer concessão em qualquer floresta pública.
Antes de serem designadas como áreas potenciais, é preciso descrevê-las, identificar a demanda e a oferta por produtos florestais na região de sua abrangência, a compatibilidade com políticas setoriais ali existentes, avaliar a infra-estrutura e a logística disponíveis na área de abrangência do plano, e indicar mecanismos que garantam o acesso democrático às concessões. O resultado dessa análise é apresentado no Plano Anual de Outorga Florestal (Paof).
Com o objetivo de encorajar a participação de pequenas empresas e associações, é facultada a participação de consórcios.
Dessa forma, os pequenos players podem formar parcerias para competir. Outra preocupação constante no processo de concessão florestal é a manutenção dos direitos das comunidades tradicionais presentes.
Antes que uma área entre em licitação, o Serviço Florestal Brasileiro realiza estudos preliminares e participativos para identificar a existência de populações tradicionais na área e o uso que fazem da floresta.
Para que as concessões sejam acompanhadas de forma transparente e exista um controle social efetivo, todos os documentos relativos ao processo estão disponíveis na página do Serviço Florestal na internet. O Cadastro de Florestas Públicas – onde as áreas são identificadas – e o Paof passam por um processo de consulta, em que a população pode opinar pela web ou por meio das audiências públicas. Os passos para o lançamento de um edital de concessão são acompanhados e discutidos na Comissão de Gestão de Florestas Públicas, que assessora o Serviço Florestal e conta com representantes dos diferentes setores da sociedade.
Além disso, para garantir a sustentabilidade do manejo, o prazo dos contratos de concessão é, normalmente, longo e estabelecido de acordo com o ciclo de corte ou de exploração, que considera o tempo de regeneração da mata.
No caso dos produtos madeireiros, que exigem o corte de algumas árvores, estabeleceu-se o período médio de 30 a 35 anos. Como por lei apenas as árvores com diâmetro acima de 50 centímetros podem ser exploradas, as que estão abaixo dessa medida no momento da primeira exploração são mantidas na floresta até que, no início do segundo ciclo de corte, já tenham atingido o tamanho permitido – garantindo a manutenção dos estoques e a saúde da floresta.
Por ser um modelo em experimentação, dentro do período de dez anos a partir da publicação da lei a área total com concessões florestais da União não poderá ultrapassar 20% das florestas disponíveis para esse fim.
Ao final destes dez anos, cada concessionário, individualmente ou em consórcio, não poderá concentrar mais de 10% das florestas públicas disponíveis para concessão em cada esfera de governo.
Benefícios e desafios
Até 2010, espera-se que o programa gere 9 mil postos de trabalho e renda superior a R$ 100 milhões anuais, considerando apenas o produto madeira serrada. É interessante perceber como um processo ainda em andamento, para a Floresta Nacional do Jamari, já provocou um dinamismo nas perspectivas econômicas locais. Do modo como a licitação foi montada, existe grande potencialidade de retorno local por meio da geração de empregos, da capacitação de mão-de-obra e da implantação de indústrias na região.
Os recursos diretamente arrecadados com o pagamento das concessões também devem contribuir para o fortalecimento de uma economia florestal e da conservação ambiental. Esse recurso é dividido entre União, estados e municípios. Os dois últimos, monitorados por conselhos de meio ambiente, devem obrigatoriamente utilizar o dinheiro para o apoio e promoção da utilização sustentável dos recursos florestais.
Instituições federais, como o Serviço Florestal Brasileiro, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, usarão os recursos, respectivamente, para fomentar as atividades de manejo, fiscalizar as florestas públicas e implementar Unidades de Conservação.
Parte do volume arrecadado será, ainda, recolhida ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal e destinada ao fomento de atividades sustentáveis e à inovação tecnológica do setor. Sua aplicação será monitorada por um conselho consultivo, com participação dos entes federativos e da sociedade civil.
Portanto, o acompanhamento da sociedade é tão fundamental quanto as atividades de monitoramento da concessão em si. Nesse caso, vários órgãos estão envolvidos, entre eles o Serviço Florestal, o Ibama, o Instituto Chico Mendes e auditores independentes. Durante todo o período de vigência do contrato estão previstas auditorias independentes periódicas, em um prazo máximo de três anos, que acompanharão a atividade do concessionário. Também haverá monitoramento por imagens de satélite e rastreamento de caminhões, além de acompanhamento da cadeia de custódia.
Os prejuízos ao meio ambiente serão sopunidos nas esferas administrativa, civil e penal, com possibilidade de suspensão do contrato e utilização da garantia depositada para compensar danos.
Em resumo, uma série de dispositivos foi pensada e planejada na lei para garantir a conservação das florestas, o maior alcance possível dos benefícios por ela gerados e a preservação do modo de vida das populações tradicionais. No entanto, o processo de concessão florestal é novo. Seus regulamentos, critérios e indicadores estão sendo agora planejados e implementados. Esse momento deve ser visto como grande oportunidade para que a sociedade brasileira aperfeiçoe esse processo, valorize as florestas e contribua para mantê-las em pé.
* Claudia Azevedo Ramos – Diretora do Serviço Florestal Brasileiro – Ministério do Meio Ambiente