Por trás dos modelos que projetam os impactos das mudanças climáticas está um sem-número de cientistas, gente com Ph.D. nas mais diversas especialidades das ciências naturais e exatas. Comunicação, entretanto, não é uma delas. A hora, segundo Guy Midgley, é de pedir ajuda a experts para transmitir a mensagem de que a mudança do clima provocada por atividades humanas é realidade, demanda ação, mas que ainda não passamos do ponto sem volta. Midgley chefia o grupo de pesquisa em mudança climática e bioadaptação do Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul e coordenou o capítulo sobre ecossistemas do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Em avaliação recente sobre os desafios para a conservação da biodiversidade diante da mudança climática, ele identificou na comunicação um dos mais difíceis. Se carregarem nas tintas ao transmitir a mensagem, os cientistas arriscam gerar desespero e paralisia. Por outro lado, é importante transparecer urgência, de forma a impelir a ação na esfera internacional. Não se trata de persuadir, adverte Midgley, mas de informar de maneira equilibrada a opinião de uma vasta gama de stakeholders sobre um tema carregado de questões morais e éticas. A opinião de Midgley pode ser vista como parte da visão emergente de que, além de modelos detalhados e de tecnologias inovadoras para lidar com os impactos das mudanças climáticas, é preciso alargar os horizontes e buscar conhecimento também na dimensão humana.
Por Flavia Pardini
O senhor sugere que, para transmitir a mensagem sobre as mudanças climáticas de maneira eficiente, os cientistas aconselhem-se com especialistas em comunicação, agências de publicidade, por exemplo. Por quê?
Os cientistas são muito bons ao comunicar-se entre eles, mas, em um tópico tão complicado e de importância pública tão ampla quanto a mudança climática, há um outro passo que precisa ser dado. E os cientistas não são treinados para dar esse passo. Então, minha sugestão é falar com pessoas que são treinadas em transmitir mensagens, e as agências de publicidade são um desses grupos.
Não acho que sejam necessariamente o único, ou o melhor grupo, porque muitas vezes são treinadas para tentar persuadir as pessoas a fazer certas coisas, e acho que a mensagem da mudança climática tem mais nuances do que apenas uma mensagem de persuasão. Como cientistas, precisamos pensar um pouco mais responsavelmente sobre como transmitir essa mensagem, porque ela pode engendrar uma sensação de desespero e isso, por sua vez, engendra uma reação negativa, de resistência.
Acho que há um trabalho muito importante a ser feito sobre como transmitir a mensagem da mudança climática de maneira eficaz para uma ampla gama de stakeholders. E acho que os cientistas poderiam se beneficiar de alguma ajuda para comunicar essa mensagem.
Isso tem acontecido? O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) ou a Organização das Nações Unidas (ONU) têm buscado essa ajuda?
Tem acontecido até certo ponto. A comunidade de ONGs com certeza tem feito muito trabalho de comunicação, mas não há um esforço orquestrado para que a mensagem seja transmitida de forma eficaz, a coisa é deixada para um processo ad hoc, em que alguns expoentes se destacam, como Al Gore. Ele é um excelente exemplo de alguém que encontrou um meio de comunicação para a mensagem da mudança climática. É uma mensagem de divulgação científica e, como consequência, o filme de Al Gore foi atacado por determinados grupos na sociedade que desejam negar a mensagem da mudança climática. Acho que a equipe de Al Gore fez um trabalho fantástico para transmitir a mensagem, e é de imaginar que eles provavelmente contaram com a consultoria de agências de publicidade sobre como comunicá-la.
O senhor acredita que os cientistas estão prontos para admitir que precisam de ajuda nesta tarefa, que seria necessário buscar conhecimento em algum outro lugar que não a academia?
Trata-se de um tema interessante e difícil, porque os cientistas realmente precisam ser céticos e ter uma visão geral do problema, pontos negativos e positivos, compreender todas as incertezas. O que se quer é que os cientistas estejam em posição de oferecer informação que seja o menos contaminada – eu uso a palavra contaminada com cuidado – possível por opiniões pessoais. O que se quer é transmitir uma mensagem puramente científica.
É uma corda fina em que é difícil de se andar. Uma pessoa que tem feito um trabalho maravilhoso é Stephen Schneider, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ele tem um website chamado Mediarology (http://stephenschneider.stanford. edu/Mediarology/MediarologyFrameset.html), um trocadilho com meteorologia usando a palavra mídia. É uma visão interessante da posição dos cientistas, e ele argumenta que há também uma posição moral que precisa ser tomada. O IPCC é muito eficaz, porque oferece informação que é relevante do ponto de vista da elaboração de políticas, mas não prescritiva.
Em outras palavras, eles resumem os dados de maneira relevante para aqueles que vão elaborar as políticas, mas não oferecem qualquer diretriz, e fica a cargo dos elaboradores de políticas fazer os julgamentos éticos, morais e estratégicos. Acho que esta é uma maneira eficaz. Ao mesmo tempo, os cientistas são sempre forçados a transmitir a mensagem, e é aí que as coisas se tornam confusas.
A maneira como a mensagem é transmitida é importante porque pode influenciar a forma com que as pessoas reagem à mudança climática, e estas reações podem por sua vez afetar o cenário global, certo?
Sim, acho que isso é verdade. O filme de Al Gore, em conjunção com o relatório do IPCC, e a enorme atenção dada pela mídia a ambos foram um divisor de águas na comunicação da mensagem da mudança climática. Mas, se você der uma olhada na prateleira de ciência da sua livraria local, vai ver uma ampla gama de opiniões sobre a mudança climática. Ela vai desde os James Lovelock (cientista inglês que propôs que a Terra funciona como um superorganismo, que chamou de Gaia) do mundo, que argumentam que é muito tarde para se fazer qualquer coisa e que o aquecimento já saiu do controle, aos Michael Crichton (escritor americano, autor de best-sellers, entre eles State of Fear, que tem o aquecimento global como pano de fundo), que escolhem a dedo quantas informações forem capazes de encontrar, vindas de pequenos cantos do mundo, para dizer que não há aquecimento, e colocam em um romance. Como integrante do grande público, você está exposto a todo o espectro de opiniões, então como faz para se informar? Quando a opinião está formada, fica mais difícil de mudá-la, então é o processo de formação de opinião, eu acredito, que queremos influenciar.
Se não pudermos influenciar esse processo, então é tentar influenciar o processo de mudança de opinião, o que é muito mais difícil. Não queremos dizer às pessoas como pensar, mas dar a elas informação da maneira mais equilibrada possível para permitir que tomem decisões que caibam dentro de suas perspectivas sobre a vida. Não se trata de um exercício de propaganda, mas de um exercício de comunicação equilibrada.
E como fazer isso?
Se pudermos receber conselhos daquelas pessoas que foram bem-sucedidas em informar opiniões de maneira equilibrada, acho que seria muito, muito útil.
A comunicação é apenas um dos desafios que o senhor identifica para a conservação da biodiversidade diante dos impactos das mudanças climáticas. Informação é outro desafio, e o senhor destaca especialmente o Hemisfério Sul nesse quesito. Por quê?
Por algumas razões. Uma delas é que, devido ao processo de colonização, há uma história muito mais curta do que se pode chamar de “ciência formal” no Hemisfério Sul como um todo. No Hemisfério Norte, há registros antigos, as pessoas vêm monitorando as coisas há séculos. Há um registro muito interessante, por exemplo, da floração das cerejeiras no Japão, que se estende por centenas de anos, realmente extraordinário.
Também há desafios no Hemisfério Sul, nos trópicos e nos subtrópicos relacionados a turbulências, incertezas políticas, coisas que não contribuem para o desenvolvimento do tipo de observação cuidadosa necessária para gerar informação. Isso não quer dizer que não haja informação, há muita informação a ser adquirida, informação mantida em todos os tipos de lugares, inclusive o conhecimento tradicional que se acumulou e que sobre o qual muitas pessoas vêm se debruçando. Essa é uma área difícil, desafiadora, mas acredito que oferece enorme potencial. Acho que muito trabalho tem sido feito no Hemisfério Sul para recolher e guardar informação.
Há também algumas ideias nascidas de observações no Hemisfério Norte que acabam automaticamente transferidas para o Hemisfério Sul, caso dos corredores para a biodiversidade. Como fazer para solucionar esse desequilíbrio entre Norte e Sul?
Os corredores podem não ser a única ou a melhor ideia que pode ser transferida a algumas partes do Hemisfério Sul – nas altas latitudes as espécies se adaptaram a migrar mais rapidamente porque foram pré-selecionadas por mudanças rápidas no passado, enquanto nos trópicos e subtrópicos isso talvez não seja verdade.
Uma enorme quantidade de trabalho tem sido desenvolvida em ecossistemas temperados, os ecossistemas frios e limitados em temperatura do Hemisfério Norte, há mais a ser feito. A falta de conhecimento sobre como os sistemas tropicais e subtropicais vão responder, ou já respondem, à mudança no clima vem sendo enfrentada, mas há ainda muito a se fazer para construir as redes científicas necessárias. Os ecossistemas de savana, que são um ecossistema dominante no mundo, precisam de muito mais trabalho em relação ao clima e à mudança global. O tema dos incêndios selvagens agora começa a receber mais atenção, já era tempo – este é um tema dos trópicos e subtrópicos e, portanto, tende a ser um tema do Hemisfério Sul.
Há falta de dinheiro para a pesquisa no Hemisfério Sul?
Há todo tipo de barreira. Há barreiras para trazer equipamento dos países desenvolvidos, é difícil de organizar viagens de campo com muito equipamento, há questões de visto de entrada para os pesquisadores, e há as capacidades locais que precisam ser construídas. Há toda uma série de desafios logísticos, sociais e econômicos para se trabalhar nesses sistemas. Mas, apesar disso, muitos grupos dos Estados Unidos, da Europa e de outras partes do mundo foram bem-sucedidos em seus trabalhos neste lado do mundo, há ótimas histórias de sucesso. É preciso esforço, financiamento, foco, mas eu acho que há enormes benefícios a se obter desses estudos.
No Brasil, há quem se ressinta da quantidade de cientistas estrangeiros fazendo pesquisa, por exemplo, na Amazônia, uma região comumente vista como cobiçada por forças internacionais. Faz diferença quem conduz a pesquisa, ou o que conta é a produção de boas informações para formular políticas sensatas para a região?
Isso é muito interessante. Eu acho que o Brasil é extremamente sortudo com o fato de que há tanto interesse internacional, parece-me que a ciência brasileira beneficiou-se enormemente desse interesse.
Acho que ficaríamos extremamente felizes de ter tanto esforço e investimento em ciência em meu país. Não sou brasileiro e não sei a história toda, mas como sul-africano eu ficaria extasiado se pudéssemos estimular a mesma quantidade de investimento.
É preciso que ele venha acompanhado de sensibilidade sobre a transferência de capacidades e o treinamento dos jovens em ciência e em habilidades úteis para que eles possam assumir seu lugar de direito no palco mundial. Parece-me que o Brasil tem algumas ótimas histórias de sucesso, há cientistas brasileiros brilhantes. A posição do Brasil nas negociações no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática tem sido reforçada enormemente pela excelente ciência que se faz no Brasil. Certamente como sul-africanos nós aceitaríamos de bom grado um pouco mais desse tipo de coisa.
Há oportunidades de colaboração entre o Brasil e África do Sul para que biodiversidade e mudança climática sejam explorados pelos dois países?
Exatamente. Temos que reforçar as relações Sul-Sul-Norte. Ou seja, relações Sul-Sul, mas com envolvimento do Norte. Há tremendo potencial para elas nas próximas décadas, tem acontecido em algumas esferas, e eu apoio esses movimentos fortemente.
O senhor também identifica como desafio a questão de integração e de compreensão, de conectar ilhas de conhecimento. É o caso, por exemplo, da junção de mudança climática e biodiversidade – uma área que até recentemente parecia difícil de explorar?
Sim, é preciso reconhecer onde temos conhecimento excelente, e onde temos espaços vazios entre polos de excelência, espaços que são realmente pobres e difíceis. Temos que começar a enfrentar alguns dos temas mais difíceis. Não é sempre, mas frequentemente o conhecimento tende a se acumular em torno de coisas que são solucionáveis e a migrar gradualmente para áreas que são muito menos solucionáveis. Temos que construir essas novas áreas de excelência e alto nível de conhecimento, fomentar a conversa entre pessoas de diversas disciplinas especializadas.
No campo da ecologia, por exemplo, há muitas áreas em que há alto nível de conhecimento e elas estão separadas de áreas com total falta de conhecimento. Trata-se de pegar pessoas com diferentes habilidades e fazê-las conversar e beneficiar-se umas das outras, em vez de competir.
As negociações internacionais que estão acontecendo neste momento sobre a mudança climática facilitam este tipo de integração?
Esta é uma ideia interessante. Acho que de alguma maneira isso acontece. As negociações tendem a ser muito conservadoras, mas de vez em quando aparece uma nova ideia que realmente chacoalha as coisas. A grande ideia nova que apareceu há alguns anos em Montreal (na reunião das partes da Convenção Quadro da ONU sobre Mudança Climática em 2005) foi a redução de emissões (de gases de efeito estufa) provenientes do desmatamento em países em desenvolvimento. Isso revigorou os estudos e a ciência nas áreas de florestas, de carbono e de biodiversidade, e acho que isso tem sido fantástico. Então, sim, acho que as negociações têm um papel a desempenhar. Muitos workshops especializados são organizados para discutir temas que jogarão luz nas negociações, e nesse sentido eu acho que a Convenção Quadro faz um ótimo trabalho em estimular questões científicas.
O senhor mencionou as emissões evitadas do desmatamento. A ideia é compensar países que reduzam sua taxa de desflorestamento, mas outros que sempre preservaram a floresta e não têm taxas tão altas de desmatamento talvez não contem com o mesmo benefício. Qual sua opinião?
O desmatamento é um grande naco do total de emissões e, por causa disso, precisa ser enfrentado de alguma maneira. A ideia é que não seja uma solução única para todos os casos, mas que possivelmente seja um elenco de soluções que ofereça incentivos para países que detêm floresta e encontram-se em situações diferentes: daqueles que desmataram em parte, passando por aqueles que não desmataram, até aqueles que desmataram totalmente. Com sorte o acordo final vai pelo menos dar algum tipo de incentivo a países em todas essas situações. Mas eu não sou especialista no tema do desmatamento, que é muito, muito complexo. Com certeza há progresso nas negociações e, para o bem do planeta e dos países que têm floresta, espero que o tema seja resolvido de maneira positiva.
Uma de suas especialidades tem sido a resposta de diferentes ecossistemas ao aumento do CO2, o principal gás de efeito estufa. Quais as conclusões desses estudos?
Na minha opinião, esta é uma história da savana e, portanto, do Hemisfério Sul. Descobrimos que há alguns tipos de espécies que respondem muito positivamente ao aumento do CO2. Achamos que isso pode muito bem estar mudando a estrutura de alguns ecossistemas, porque as gramíneas não respondem da mesma maneira positiva.
E isso, nós achamos, permite que as árvores cresçam muito mais rápido e fujam dos incêndios criados pelos sistemas rasteiros nas savanas. Um dos mecanismos que evitam que as árvores cubram toda a paisagem é o fogo nas gramíneas, que queima em segundos e mantém as árvores sob controle, por assim dizer.
Então, o aumento do CO2 permite que as árvores sobrevivam e cresçam mais rápido depois de serem danificadas pelo fogo. Isso é possivelmente um dos motivos mais fortes para o que se tem observado ao redor do mundo nesses sistemas- uma invasão de espécies lenhosas, de arbustos, e o aumento na quantidade de madeira. A comunidade internacional tem se concentrado no CO2 nas florestas, e não tem prestado atenção aos sistemas que possuem uma mistura de árvores e gramíneas, e a como mais CO2 vai potencialmente mudar esses sistemas. Infelizmente há apenas alguns experimentos nos quais podemos nos basear, precisamos de um esforço concentrado para estudar o aumento do CO2 nas savanas, eu acho.
O aumento do CO2 acaba afetando a biodiversidade?
Absolutamente sim, um sistema lenhoso abriga um elenco diferente de espécies, mamíferos, pássaros, insetos, répteis etc., do que um sistema aberto. Há uma mudança na diversidade que acompanha a mudança na estrutura.
Esta seria uma boa história para contar sobre a mudança climática?
Depende da perspectiva. Alguns dos nossos sistemas de gramíneas estão entre os mais diversos da África do Sul, então a invasão por árvores não seria uma ideia tão boa. Há também uma questão ligada à água, as gramíneas são boas fontes de água para nossos sistemas fluviais, então, se as árvores invadem esses sistemas e começam a usar a água, até certo ponto perdemos essa fonte potencial de água. Não queremos particularmente que a África do Sul seja coberta por árvores, nossos sistemas são diversos e abertos, e gostaríamos de mantê-los desta maneira, muito obrigado.
Como sempre, a situação é complexa e não há preto e branco.
Não, não há.
Por trás dos modelos que projetam os impactos das mudanças climáticas está um sem-número de cientistas, gente com Ph.D. nas mais diversas especialidades das ciências naturais e exatas. Comunicação, entretanto, não é uma delas. A hora, segundo Guy Midgley, é de pedir ajuda a experts para transmitir a mensagem de que a mudança do clima provocada por atividades humanas é realidade, demanda ação, mas que ainda não passamos do ponto sem volta.
Midgley chefia o grupo de pesquisa em mudança climática e bioadaptação do Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul e coordenou o capítulo sobre ecossistemas do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Em avaliação recente sobre os desafios para a conservação da biodiversidade diante da mudança climática, ele identificou na comunicação um dos mais difíceis.
Se carregarem nas tintas ao transmitir a mensagem, os cientistas arriscam gerar desespero e paralisia. Por outro lado, é importante transparecer urgência, de forma a impelir a ação na esfera internacional. Não se trata de persuadir, adverte Midgley, mas de informar de maneira equilibrada a opinião de uma vasta gama de stakeholders sobre um tema carregado de questões morais e éticas. A opinião de Midgley pode ser vista como parte da visão emergente de que, além de modelos detalhados e de tecnologias inovadoras para lidar com os impactos das mudanças climáticas, é preciso alargar os horizontes e buscar conhecimento também na dimensão humana.
O senhor sugere que, para transmitir a mensagem sobre as mudanças climáticas de maneira eficiente, os cientistas aconselhem-se com especialistas em comunicação, agências de publicidade, por exemplo. Por quê?
Os cientistas são muito bons ao comunicar-se entre eles, mas, em um tópico tão complicado e de importância pública tão ampla quanto a mudança climática, há um outro passo que precisa ser dado. E os cientistas não são treinados para dar esse passo. Então, minha sugestão é falar com pessoas que são treinadas em transmitir mensagens, e as agências de publicidade são um desses grupos.
Não acho que sejam necessariamente o único, ou o melhor grupo, porque muitas vezes são treinadas para tentar persuadir as pessoas a fazer certas coisas, e acho que a mensagem da mudança climática tem mais nuances do que apenas uma mensagem de persuasão. Como cientistas, precisamos pensar um pouco mais responsavelmente sobre como transmitir essa mensagem, porque ela pode engendrar uma sensação de desespero e isso, por sua vez, engendra uma reação negativa, de resistência.
Acho que há um trabalho muito importante a ser feito sobre como transmitir a mensagem da mudança climática de maneira eficaz para uma ampla gama de stakeholders. E acho que os cientistas poderiam se beneficiar de alguma ajuda para comunicar essa mensagem.
Isso tem acontecido? O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) ou a Organização das Nações Unidas (ONU) têm buscado essa ajuda?
Tem acontecido até certo ponto. A comunidade de ONGs com certeza tem feito muito trabalho de comunicação, mas não há um esforço orquestrado para que a mensagem seja transmitida de forma eficaz, a coisa é deixada para um processo ad hoc, em que alguns expoentes se destacam, como Al Gore. Ele é um excelente exemplo de alguém que encontrou um meio de comunicação para a mensagem da mudança climática. É uma mensagem de divulgação científica e, como consequência, o filme de Al Gore foi atacado por determinados grupos na sociedade que desejam negar a mensagem da mudança climática. Acho que a equipe de Al Gore fez um trabalho fantástico para transmitir a mensagem, e é de imaginar que eles provavelmente contaram com a consultoria de agências de publicidade sobre como comunicá-la.
O senhor acredita que os cientistas estão prontos para admitir que precisam de ajuda nesta tarefa, que seria necessário buscar conhecimento em algum outro lugar que não a academia?
Trata-se de um tema interessante e difícil, porque os cientistas realmente precisam ser céticos e ter uma visão geral do problema, pontos negativos e positivos, compreender todas as incertezas. O que se quer é que os cientistas estejam em posição de oferecer informação que seja o menos contaminada – eu uso a palavra contaminada com cuidado – possível por opiniões pessoais. O que se quer é transmitir uma mensagem puramente científica.
É uma corda fina em que é difícil de se andar.
Uma pessoa que tem feito um trabalho maravilhoso é Stephen Schneider, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ele tem um website chamado Mediarology, um trocadilho com meteorologia usando a palavra mídia. É uma visão interessante da posição dos cientistas, e ele argumenta que há também uma posição moral que precisa ser tomada. O IPCC é muito eficaz, porque oferece informação que é relevante do ponto de vista da elaboração de políticas, mas não prescritiva.
Em outras palavras, eles resumem os dados de maneira relevante para aqueles que vão elaborar as políticas, mas não oferecem qualquer diretriz, e fica a cargo dos elaboradores de políticas fazer os julgamentos éticos, morais e estratégicos. Acho que esta é uma maneira eficaz. Ao mesmo tempo, os cientistas são sempre forçados a transmitir a mensagem, e é aí que as coisas se tornam confusas.
A maneira como a mensagem é transmitida é importante porque pode influenciar a forma com que as pessoas reagem à mudança climática, e estas reações podem por sua vez afetar o cenário global, certo?
Sim, acho que isso é verdade. O filme de Al Gore, em conjunção com o relatório do IPCC, e a enorme atenção dada pela mídia a ambos foram um divisor de águas na comunicação da mensagem da mudança climática. Mas, se você der uma olhada na prateleira de ciência da sua livraria local, vai ver uma ampla gama de opiniões sobre a mudança climática. Ela vai desde os James Lovelock (cientista inglês que propôs que a Terra funciona como um superorganismo, que chamou de Gaia) do mundo, que argumentam que é muito tarde para se fazer qualquer coisa e que o aquecimento já saiu do controle, aos Michael Crichton (escritor americano, autor de best-sellers, entre eles State of Fear, que tem o aquecimento global como pano de fundo), que escolhem a dedo quantas informações forem capazes de encontrar, vindas de pequenos cantos do mundo, para dizer que não há aquecimento, e colocam em um romance.
Como integrante do grande público, você está exposto a todo o espectro de opiniões, então como faz para se informar? Quando a opinião está formada, fica mais difícil de mudá-la, então é o processo de formação de opinião, eu acredito, que queremos influenciar. Se não pudermos influenciar esse processo, então é tentar influenciar o processo de mudança de opinião, o que é muito mais difícil. Não queremos dizer às pessoas como pensar, mas dar a elas informação da maneira mais equilibrada possível para permitir que tomem decisões que caibam dentro de suas perspectivas sobre a vida. Não se trata de um exercício de propaganda, mas de um exercício de comunicação equilibrada.
E como fazer isso? Se pudermos receber conselhos daquelas pessoas que foram bem-sucedidas em informar opiniões de maneira equilibrada, acho que seria muito, muito útil.
A comunicação é apenas um dos desafios que o senhor identifica para a conservação da biodiversidade diante dos impactos das mudanças climáticas. Informação é outro desafio, e o senhor destaca especialmente o Hemisfério Sul nesse quesito. Por quê?
Por algumas razões. Uma delas é que, devido ao processo de colonização, há uma história muito mais curta do que se pode chamar de “ciência formal” no Hemisfério Sul como um todo. No Hemisfério Norte, há registros antigos, as pessoas vêm monitorando as coisas há séculos. Há um registro muito interessante, por exemplo, da floração das cerejeiras no Japão, que se estende por centenas de anos, realmente extraordinário.
Também há desafios no Hemisfério Sul, nos trópicos e nos subtrópicos relacionados a turbulências, incertezas políticas, coisas que não contribuem para o desenvolvimento do tipo de observação cuidadosa necessária para gerar informação. Isso não quer dizer que não haja informação, há muita informação a ser adquirida, informação mantida em todos os tipos de lugares, inclusive o conhecimento tradicional que se acumulou e que sobre o qual muitas pessoas vêm se debruçando. Essa é uma área difícil, desafiadora, mas acredito que oferece enorme potencial. Acho que muito trabalho tem sido feito no Hemisfério Sul para recolher e guardar informação.
Há também algumas ideias nascidas de observações no Hemisfério Norte que acabam automaticamente transferidas para o Hemisfério Sul, caso dos corredores para a biodiversidade. Como fazer para solucionar esse desequilíbrio entre Norte e Sul?
Os corredores podem não ser a única ou a melhor ideia que pode ser transferida a algumas partes do Hemisfério Sul – nas altas latitudes as espécies se adaptaram a migrar mais rapidamente porque foram pré-selecionadas por mudanças rápidas no passado, enquanto nos trópicos e subtrópicos isso talvez não seja verdade.
Uma enorme quantidade de trabalho tem sido desenvolvida em ecossistemas temperados, os ecossistemas frios e limitados em temperatura do Hemisfério Norte, há mais a ser feito. A falta de conhecimento sobre como os sistemas tropicais e subtropicais vão responder, ou já respondem, à mudança no clima vem sendo enfrentada, mas há ainda muito a se fazer para construir as redes científicas necessárias. Os ecossistemas de savana, que são um ecossistema dominante no mundo, precisam de muito mais trabalho em relação ao clima e à mudança global. O tema dos incêndios selvagens agora começa a receber mais atenção, já era tempo – este é um tema dos trópicos e subtrópicos e, portanto, tende a ser um tema do Hemisfério Sul.
Há falta de dinheiro para a pesquisa no Hemisfério Sul?
Há todo tipo de barreira. Há barreiras para trazer equipamento dos países desenvolvidos, é difícil de organizar viagens de campo com muito equipamento, há questões de visto de entrada para os pesquisadores, e há as capacidades locais que precisam ser construídas. Há toda uma série de desafios logísticos, sociais e econômicos para se trabalhar nesses sistemas. Mas, apesar disso, muitos grupos dos Estados Unidos, da Europa e de outras partes do mundo foram bem-sucedidos em seus trabalhos neste lado do mundo, há ótimas histórias de sucesso. É preciso esforço, financiamento, foco, mas eu acho que há enormes benefícios a se obter desses estudos.
No Brasil, há quem se ressinta da quantidade de cientistas estrangeiros fazendo pesquisa, por exemplo, na Amazônia, uma região comumente vista como cobiçada por forças internacionais. Faz diferença quem conduz a pesquisa, ou o que conta é a produção de boas informações para formular políticas sensatas para a região?
Isso é muito interessante. Eu acho que o Brasil é extremamente sortudo com o fato de que há tanto interesse internacional, parece-me que a ciência brasileira beneficiou-se enormemente desse interesse.
Acho que ficaríamos extremamente felizes de ter tanto esforço e investimento em ciência em meu país. Não sou brasileiro e não sei a história toda, mas como sul-africano eu ficaria extasiado se pudéssemos estimular a mesma quantidade de investimento.
É preciso que ele venha acompanhado de sensibilidade sobre a transferência de capacidades e o treinamento dos jovens em ciência e em habilidades úteis para que eles possam assumir seu lugar de direito no palco mundial. Parece-me que o Brasil tem algumas ótimas histórias de sucesso, há cientistas brasileiros brilhantes. A posição do Brasil nas negociações no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática tem sido reforçada enormemente pela excelente ciência que se faz no Brasil. Certamente como sul-africanos nós aceitaríamos de bom grado um pouco mais desse tipo de coisa.
Há oportunidades de colaboração entre o Brasil e África do Sul para que biodiversidade e mudança climática sejam explorados pelos dois países?
Exatamente. Temos que reforçar as relações Sul-Sul-Norte. Ou seja, relações Sul-Sul, mas com envolvimento do Norte. Há tremendo potencial para elas nas próximas décadas, tem acontecido em algumas esferas, e eu apoio esses movimentos fortemente.
O senhor também identifica como desafio a questão de integração e de compreensão, de conectar ilhas de conhecimento. É o caso, por exemplo, da junção de mudança climática e biodiversidade – uma área que até recentemente parecia difícil de explorar?
Sim, é preciso reconhecer onde temos conhecimento excelente, e onde temos espaços vazios entre polos de excelência, espaços que são realmente pobres e difíceis. Temos que começar a enfrentar alguns dos temas mais difíceis. Não é sempre, mas frequentemente o conhecimento tende a se acumular em torno de coisas que são solucionáveis e a migrar gradualmente para áreas que são muito menos solucionáveis. Temos que construir essas novas áreas de excelência e alto nível de conhecimento, fomentar a conversa entre pessoas de diversas disciplinas especializadas.
No campo da ecologia, por exemplo, há muitas áreas em que há alto nível de conhecimento e elas estão separadas de áreas com total falta de conhecimento. Trata-se de pegar pessoas com diferentes habilidades e fazê-las conversar e beneficiar-se umas das outras, em vez de competir.
As negociações internacionais que estão acontecendo neste momento sobre a mudança climática facilitam este tipo de integração?
Esta é uma ideia interessante. Acho que de alguma maneira isso acontece. As negociações tendem a ser muito conservadoras, mas de vez em quando aparece uma nova ideia que realmente chacoalha as coisas. A grande ideia nova que apareceu há alguns anos em Montreal (na reunião das partes da Convenção Quadro da ONU sobre Mudança Climática em 2005) foi a redução de emissões (de gases de efeito estufa) provenientes do desmatamento em países em desenvolvimento. Isso revigorou os estudos e a ciência nas áreas de florestas, de carbono e de biodiversidade, e acho que isso tem sido fantástico.
Então, sim, acho que as negociações têm um papel a desempenhar. Muitos workshops especializados são organizados para discutir temas que jogarão luz nas negociações, e nesse sentido eu acho que a Convenção Quadro faz um ótimo trabalho em estimular questões científicas.
O senhor mencionou as emissões evitadas do desmatamento. A ideia é compensar países que reduzam sua taxa de desflorestamento, mas outros que sempre preservaram a floresta e não têm taxas tão altas de desmatamento talvez não contem com o mesmo benefício. Qual sua opinião?
O desmatamento é um grande naco do total de emissões e, por causa disso, precisa ser enfrentado de alguma maneira. A ideia é que não seja uma solução única para todos os casos, mas que possivelmente seja um elenco de soluções que ofereça incentivos para países que detêm floresta e encontram-se em situações diferentes: daqueles que desmataram em parte, passando por aqueles que não desmataram, até aqueles que desmataram totalmente.
Com sorte o acordo final vai pelo menos dar algum tipo de incentivo a países em todas essas situações. Mas eu não sou especialista no tema do desmatamento, que é muito, muito complexo. Com certeza há progresso nas negociações e, para o bem do planeta e dos países que têm floresta, espero que o tema seja resolvido de maneira positiva.
Uma de suas especialidades tem sido a resposta de diferentes ecossistemas ao aumento do CO2, o principal gás de efeito estufa. Quais as conclusões desses estudos?
Na minha opinião, esta é uma história da savana e, portanto, do Hemisfério Sul. Descobrimos que há alguns tipos de espécies que respondem muito positivamente ao aumento do CO2. Achamos que isso pode muito bem estar mudando a estrutura de alguns ecossistemas, porque as gramíneas não respondem da mesma maneira positiva.
E isso, nós achamos, permite que as árvores cresçam muito mais rápido e fujam dos incêndios criados pelos sistemas rasteiros nas savanas. Um dos mecanismos que evitam que as árvores cubram toda a paisagem é o fogo nas gramíneas, que queima em segundos e mantém as árvores sob controle, por assim dizer.
Então, o aumento do CO2 permite que as árvores sobrevivam e cresçam mais rápido depois de serem danificadas pelo fogo. Isso é possivelmente um dos motivos mais fortes para o que se tem observado ao redor do mundo nesses sistemas- uma invasão de espécies lenhosas, de arbustos, e o aumento na quantidade de madeira. A comunidade internacional tem se concentrado no CO2 nas florestas, e não tem prestado atenção aos sistemas que possuem uma mistura de árvores e gramíneas, e a como mais CO2 vai potencialmente mudar esses sistemas. Infelizmente há apenas alguns experimentos nos quais podemos nos basear, precisamos de um esforço concentrado para estudar o aumento do CO2 nas savanas, eu acho.
O aumento do CO2 acaba afetando a biodiversidade?
Absolutamente sim, um sistema lenhoso abriga um elenco diferente de espécies, mamíferos, pássaros, insetos, répteis etc., do que um sistema aberto. Há uma mudança na diversidade que acompanha a mudança na estrutura.
Esta seria uma boa história para contar sobre a mudança climática?
Depende da perspectiva. Alguns dos nossos sistemas de gramíneas estão entre os mais diversos da África do Sul, então a invasão por árvores não seria uma ideia tão boa. Há também uma questão ligada à água, as gramíneas são boas fontes de água para nossos sistemas fluviais, então, se as árvores invadem esses sistemas e começam a usar a água, até certo ponto perdemos essa fonte potencial de água. Não queremos particularmente que a África do Sul seja coberta por árvores, nossos sistemas são diversos e abertos, e gostaríamos de mantê-los desta maneira, muito obrigado.
Como sempre, a situação é complexa e não há preto e branco.
Não, não há.
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