No âmbito da Convenção do Clima, o Brasil deve defender uma posição por mecanismos de compensação para redução de emissões de desmatamento
Por Mario Monzoni*
Na edição de maio de Página22, apresentei um breve histórico da discussão sobre florestas e clima no Brasil. A notícia é que hoje não se discute mais “se” o tema desmatamento entrará nos mecanismos propostos pela Convenção do Clima, mas “como” eles se darão. Neste artigo, gostaria de iniciar a discussão a respeito das alternativas do “como”.
O debate começa sobre a análise de cenários desenhados para as emissões globais e envolve a premissa de que o aumento médio da temperatura não pode passar de 2 graus Celsius, limite a partir do qualos modelos predizem implicações mais do que sérias para a qualidade de vida no planeta.
Segundo relatório produzido pela empresa de consultoria McKinsey [1], em 2005, foram emitidas cerca de 45 gigatoneladas (GT) de CO2e (dióxido de carbono equivalente). Em cenário business as usual, a McKinsey estima que as emissões globais devem alcançar 61 GT de CO2e, em 2020. Para um aumento de temperatura máximo desejável de 2 graus Celsius, no entanto, as emissões em 2020 não poderiam ser superiores a 44 GT de CO2e, ou seja, uma necessidade de redução da ordem de 17 GT de CO2.
Mesmo assumindo que os países se proponham, para um segundo período de comprometimento, a reduzir suas emissões em 40% em relação ao praticado em 1990 (compromisso bastante otimista, uma vez que o acordado em Kyoto foi de 5,2%), estima-se que ainda faltarão cerca de 8 GT de CO2e a ser reduzidas.
Aí é que entra a discussão sobre o papel das reduções de emissões de desmatamento tropical, no âmbito da Convenção e, em especial, perante a posição oficial brasileira. O problema é que essa questão tem sido “vendida” como um dilema, ou um falso dilema, no meu entender: temos de escolher entre tratar florestas por meio de mecanismos voluntários ou de um mecanismo de compensação, por meio do qualos países desenvolvidos poderiam cumprir seus compromissos de redução de emissão.
Segundo versões oficiais, se optarmos pela compensação na Convenção do Clima, o valor do crédito para as florestas seria maior, mas comprometeríamos o regime climático do planeta, uma vez que não imporíamos aos países desenvolvidos obrigações de redução de emissão – os 8 GT que faltam – de combustíveis fósseis.
Por outro lado, se tratarmos reduções de desmatamento em um regime voluntário – portanto, fora da Convenção do Clima, o que parece ser a posição brasileira – “garantiríamos” a exigência de que países desenvolvidos cumprissem compromissos por meio de reduções de emissões de fósseis, ao mesmo tempo que evitaríamos o aumento superior a 2 graus Celsius. Como efeito colateral, essa alternativa reduziria a demanda de créditos provenientes de floresta e, por consequência, seu preço.
Em outras palavras, esse dilema é vendido assim: se não tratarmos floresta por meio de um regime voluntário, vamos comprometer o equilíbrio climático do planeta e as metas de 2 graus.
É um dilema de refém! Em primeiro lugar, porque não será o tipo de mecanismo a ser adotado para florestas o grande responsável pela catástrofe climática. Em segundo, uma pergunta: por que florestas entram por último nessa conta? Por que não começamos os esforços de promoção do equilíbrio climático por redução de desmatamento? Por que floresta continua discriminada?
O desmatamento tropical representa 20% das emissões globais de gases de efeito estufa. Mais do que isso, com o aumento da temperatura, esse valor deve subir, uma vez que o processo de savanização comprometeria cada vez mais a função de sumidouro de carbono que as florestas exercem. No Brasil, florestas- principalmente por meio do desmatamento amazônico – representam grande parte das emissões nacionais (dependendo da fonte de pesquisa, esse número varia de 55% a 75%).
Partindo da premissa de que, na margem, as emissões oriundas de fósseis devem crescer no Brasil, e o desmatamento amazônico desacelerar em acordo com as metas propostas pelo governo federal, esse percentual, segundo a McKinsey, pode cair para 43% em 2030. Além disso, segundo a mesma fonte, a “eliminação do desmatamento até 2030 representa 72% das oportunidades brasileiras de abatimento”.
Não será por meio de mecanismos voluntários que vamos atingir essa meta e aproveitar a oportunidade de promover uma forte queda na taxa de desmatamento nos próximos 20 anos. É claro e evidente que a posição brasileira sobre emissões de desmatamento no âmbito da Convenção deve ser por um regime de compensação. Desmatar precisa ser muito caro!
E, se for necessário pagar caro para garantir que a elevação não ultrapasse 2 graus, que se busquem os meios. Quanto se gastou para resgatar a economia de uma crise cíclica do capitalismo? Por que não se pode investir um décimo disso para evitar o maior problema ambiental da história da humanidade?
*Coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas