Mais que desconstituir a legislação ambiental, o setor ruralista – com apoio do governo e de forças político-partidárias no Congresso – põe a perder toda uma cultura política muito interessante, a de negociar, articular e trabalhar a diversidade de interesses. A avaliação é de Maristela Bernardo, jornalista com especialização em Sociologia, voltada para a área de meio ambiente. Foi nesse modelo de negociação, com muita conversa em meio às divergências, que o arcabouço ambiental brasileiro se formou. Para ela, o que se está tentando fazer agora chama atenção porque não tem nada disso. E a grande razão é a eleição de2010.
Com experiência de 25 anos em Brasília, atuando como consultora do Senado, como assessora de Marina Silva ou como consultora independente, Maristela explica por que foi e é impossível exercer uma política ambiental de fato no Brasil. Mas vê alguma luz em movimentos políticos espontâneos que se organizam em torno da causa da sustentabilidade, talvez capazes de envolver a sociedade na discussão de um projeto de País e de descontruir um pouco daquilo em que se transformou o poder político no Brasil: um monolito impressionante de grupos, caciques e feudos.
O que pode explicar, a seu ver, a conduta e o posicionamento do governo Lula em relação à sustentabilidade? Falta compreensão do tema? Falta uma visão estratégica?
Em primeiro lugar, tem um papel fundamental a figura do próprio Lula, suas origens, suas convicções. No discurso estudado, ele até mostra aparente compreensão do papel do meio ambiente, mas, nas posições reveladas espontaneamente, aparece uma postura muito conservadora, sob todos os aspectos. Do ponto de vista social, vem de um ideário que nem sei se poderia chamar de esquerda – acho que ele nunca foi essencialmente de esquerda, e, sim, uma pessoa que tem a ideologia do movimento sindical.
Então, como um sindicalista, sua adesão é a uma teoria do desenvolvimento que hoje consideramos bastante ultrapassada, tal qual compreendida nos séculos XIX e XX, a teoria do crescimento mesmo. Isso não prejudica o fato de que ele tenha preocupação social, mas também esta é limitada, porque é linear, só vê um lado da justiça social. Para ele, justiça social é dar aos pobres a possibilidade de ascender aos padrões de classe média, é ter todo o arsenal de consumo que a classe média tem.
Uma entrevista que ele deu à Veja, vários anos atrás, me chamou a atenção a esse aspecto. Foi questionado por que ele estava se vestindo bem, acho que estava com um terno Giorgio Armani, e ele respondeu que seu sonho era que todo operário pudesse ter um Giorgio Armani. Alguma coisa está profundamente errada aí. Por que o sonho do operário deveria ser este? Que significado tem isso, a não ser uma ideologia da justiça social como ascensão à classe média, do ter mais bens? Não envolve questões relacionadas à sensibilidade, à felicidade, nada mais complexo. Recentemente, no Dia do Meio Ambiente, ele voltou com um discurso muito antigo diante do conjunto de elementos que a gente precisa considerar quando fala em desenvolvimento, em relações globais, em mudanças climáticas. Ele volta com o discurso de que “se os ricos destruíram todas as suas florestas, por que agora querem que a gente preserve as nossas, para que eles possam respirar?” Ele não chega a pensar que, se a progressão do aquecimento global continua, quem sofrerá os maiores problemas são os pobres, são os países pobres.
Então, uma primeira dificuldade é essa dicotomia entre a grande ascendência do Lula sobre a população, como os níveis de aprovação mostram, e a figura carismática conservadora, que não alcança a dimensão ambiental. Em segundo lugar, por exemplo, a Marina Silva, que agora está fazendo muitas críticas, sempre procura preservar a figura do presidente.
Por uma questão partidária?
Talvez até de convivência, de memória histórica da relação entre eles, porque acha que o Lula tem um papel importante na questão social, até porque, se ela o atacasse, seria problemático, inclusive do ponto de vista afetivo. Então ela tenta preservá-lo. Eu já penso o contrário: que o conjunto de pessoas que estão na cabeça do governo comunga dessa postura limitadíssima de compreensão do desenvolvimento nesse cenário global.
Quando a Marina estava no governo, a figura central desse embate era a Dilma (Rousseff). A cabeça do governo não faz emanar algo diferente dessa postura conservadora. Então aí aparece um terceiro elemento dessa questão. Se a gente deixar de lado a política ambiental, verá que o grande problema são as outras políticas, pois são traçadas de maneira que não têm como absorver organicamente a questão ambiental. Primeiro, porque são instruídas por uma visão de desenvolvimento que é de crescimento material. Segundo, porque estão distribuídas em um modelo de governabilidade que não tem lógica, que é o modelo da barganha política. Se você dá um ministério por meio de barganha, depois outro, e outro, não tem como criar uma ligação de políticas públicas entre eles, porque se transformam em feudos de poder. Assim, a lógica deles é muito mais partidária e eleitoral. Mas, como para abordar o meio ambiente você precisa de um mínimo de lógica entre todas as políticas, não há como ultrapassar essa barreira. Há quase uma impossibilidade teórica.
Portanto, apesar dos avanços nos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente ainda é a ONG dentro do governo, que briga com os outros, que cria caso, que às vezes consegue uma concessão aqui e ali, mas não está incorporada no governo, é considerada uma excrescência, que dá trabalho, que provoca ruídos internacionais. Há uma “descostura”, e não vejo, a continuar esse padrão de compreensão do que seja um modelo de desenvolvimento, uma solução. Do período em que a Marina estava no governo até agora, na gestão do (Carlos) Minc, houve várias decisões de governo, vários decretos que se poderiam em tese considerar como avanço.
Mas agora, com essa articulação dos ruralistas em torno de mudanças profundas na legislação ambiental, vê-se que esses avanços não têm base institucional no sistema de poder. Podem ter base na sociedade. Nos últimos tempos, formadores de opinião e articulistas praticamente sem exceção têm manifestado extrema preocupação com o que está acontecendo na área ambiental. Mesmo os que nada têm a ver com a área ambiental estão dizendo: “É preciso tomar cuidado, porque a coisa está indo em um rumo muito perigoso”.
O exemplo de Barack Obama poderia influenciar de alguma forma a maneira de o atual governo enxergar o desenvolvimento sustentável?
Isso vai depender de o Obama continuar tomando medidas de impacto real. Ele já disse com muita clareza e pertinência aonde quer chegar, e inclusive como o meio ambiente se coloca como saída para a crise. Isso está claro e, para mim, já é um divisor de águas fundamental. gora, aqui, no Brasil, tem um jogo de forças que até este momento desconsidera totalmente isso. Porque isso não repercute na população em geral, mas em uma certa camada que percebe e se sente inconformada com o fato de haver uma sinalização dessas dos EUA e não se conseguir jogar positivamente com ela.
Aqui temos condições excepcionais que nenhum outro país tem, para fazer propostas que pudessem inclusive colocar em xeque o próprio Obama. O Brasil poderia propor a ele: “Vamos fazer juntos isso, vamos propor isso junto para a comunidade internacional”. Mas essa oportunidade é perdida, porque por aqui temos um jogo de forças que não percebe isso como oportunidade. Nessa mobilização por mudança da legislação ambiental, vê-se que não é percebido como oportunidade.
São percebidas apenas as oportunidades que envolvem o curtíssimo prazo e os ganhos excepcionais de um setor muito reduzido da sociedade. Não são percebidas oportunidades de diversificar o jogo, de envolver mais setores. O que veem no Obama é só um discurso: “Não tem nada a ver com a gente, ele está fazendo a jogada dele lá, mas a nossa jogada aqui é outra”.
Agora, se o Obama colocar na prática, assumir o comando, vai incomodar o próprio Lula, que tem pretensões de liderança na área internacional, assim como já está incomodado com a posição dos formadores de opinião no Brasil. Ao mesmo tempo, é um jogo duplo perigoso, pois, em toda essa articulação no Congresso para mexer com a legislação ambiental, a ponta parece ser os ruralistas, mas a chave do processo é o governo. Porque, se o governo quisesse, ele mobilizaria suas forças no Congresso e nada disso estaria acontecendo. Ou está francamente tomando as iniciativas para fragilizar a legislação – por meio de medidas provisórias como a da grilagem (MP 458) e a de pavimentação de estradas sem licenciamento –, ou é força auxiliar.
No momento em que o governo não faz nada para evitar, o fundamental não é centrar fogo nos ruralistas, e, sim, tentar desconstruir, mostrar as entranhas do papel do governo mesmo. Se essa legislação toda mudar, se o Código Florestal for alterado para o modelo aprovado em Santa Catarina, se a Lei nº 6.938 for derrubada (que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente), se a lei de crimes ambientais for parcialmente derrubada, se a lei do Sistema de Unidades de Conservação for também parcialmente derrubada, como propõem os ruralistas, é óbvio que as iniciativas foram destes, mas só aconteceu porque o governo se fingiu de morto.
Esse desmonte ambiental parece algo crônico, mas recentemente teria ficado agudo em vista das eleições?
Para se ter ideia da perda, a Lei nº 6.938 é de 1981. A partir daí, e com maior ênfase com a Constituição de 1988, temos quase 30 anos de articulação para se conseguir essa legislação ambiental. Participei de vários desses momentos, são articulações complexas, demoradas, tem que chamar muitos setores, briga, briga, briga, aí se conseguem alguns consensos. Então, nessa legislação ambiental, talvez até mais que em outras, tem embutido também um modelo de negociação, um modelo de funcionamento institucional que envolve muita conversa. O que chama a atenção agora é que o que se está tentando fazer não tem nada disso.
É um setor interessado em derrubar essa legislação dos últimos 30 anos com base unicamente na força político-partidária no Congresso e com apoio do governo. O setor ruralista, combinado com o governo, vai desconstituir não só a legislação ambiental, mas uma cultura política muito interessante, a de negociar, articular e trabalhar minimamente a diversidade de interesses. O motivo com certeza é a eleição. O setor ruralista está com esse grau de atrevimento, vamos dizer assim, porque está visualizando não só os possíveis benefícios financeiros com a derrubada dessas leis – porque isso seria do interesse de setores econômicos fortes, que jogariam muito dinheiro na eleição –, como a própria oportunidade de colocar o governo no canto da parede para negociar com ele, pois o governo está com a mesma perspectiva eleitoral.
Em um dos seus últimos artigos, Marina revela que uma pessoa muito ligada aos ruralistas lhe disse: “Se você não gostou da lei de regularização fundiária, prepare-se, porque vai ficar pior, pois queremos liquidar a fatura até o final do ano”. A liquidação da fatura até o final do ano significa que tem a ver com a eleição de 2010.
Esse debate tem sido polarizado por figuras midiáticas, como Kátia Abreu e Carlos Minc. Mas, mesmo reduzido a isso, pode chamar a atenção dos formadores de opinião e enriquecer a discussão sobre desenvolvimento?
Sim, talvez essas figuras midiáticas colaborem de maneira negativa, mas deem uma certa visibilidade ao assunto e, com essa visibilidade, mais gente preste atenção e se posicione. Essa reação qualitativa, que são desses colunistas e todos os que estão se manifestando contra, certamente tem a ver com a visão de que não é possível colocar os interesses do País reduzidos a esse embate. Então, estão tentando trazer à tona tudo o que está em jogo. Mas vejo com muita restrição esse modelo de transformar as discussões em torno de algumas figuras. Quem está na roda hoje? O Minc, a Kátia Abreu e a Marina, basicamente.
Para mim, o Minc foi uma espécie de decepção. Por um lado, ele faz um discurso extremamente contundente, tem todo um palavreado que repete exaustivamente, contra os ruralistas, contra os depredadores do meio ambiente, tem umas palavras de ordem. Mas está tomando um baile tremendo. Algumas vezes ele tenta justificar medidas do governo, em outras, quando não tem jeito, toma uma atitude incompreensível: o que defendia ontem, hoje sai atacando. Essa inconstância fragiliza demais a área ambiental. Não passa seriedade e mostra que não está sendo levado em conta dentro do governo.
Aliás, já no tempo da Marina, é inconcebível que o PAC tenha sido desenhado sem chamar a área ambiental. Você faz um programa de enorme impacto, mexendo com a Amazônia inteira, com obras de infraestrutura, e não chama a área de meio ambiente para planejamento, faz à revelia. Não só não chama para planejar, como a desconsidera na hora de mitigar os efeitos.
Acho que o Minc acaba ampliando essa caixa de ressonância negativa, porque tem uma personalidade muito contraditória. Se uma hora sai xingando Kátia Abreu e os ruralistas, e em seguida pede desculpas, quem sai bem na foto é a Kátia Abreu. Se essas personalidades tiveram um papel, foi o de chamar a atenção de que o problema é sério – há reação de ONGs, o Instituto Ethos vai fazer um protesto público (fez ao final da Conferência Internacional do Ethos) –, mas tem o efeito contrário de fragilizar demais a capacidade de negociação da área ambiental dentro do governo.
Gostaria de acrescentar um comentário sobre o papel do Lula: a força política e carismática que ele tem no País redobra a sua responsabilidade, mas não que os anteriores não tivessem feito o mesmo jogo. Fernando Henrique (Cardoso), Itamar (Franco) e (José) Sarney sempre agiram na área ambiental movidos por pressão internacional. Nunca tivemos um estadista que pensasse à frente. Isso faz falta no Brasil, algo parecido com a eleição do Obama, que tem um mínimo de visão de processo. Os presidentes que tivemos, todos eles depois da ditadura, tiveram uma visão política do desenvolvimento, mas não uma visão do processo maior. Se não houver um entranhamento da questão ambiental, não se vaiconseguir fazer política ambiental nunca. E nenhum deles teve esse tipo de postura.
O Estadão, em um editorial recente, aconselhou o ministro Minc a fazer o mesmo que a Marina (pedir demissão) para honrar a própria biografia. Na sua visão seria mesmo o melhor a fazer? Ou ele deveria continuar e tentar mudar algo? Ou está sem saída?
Acho que ele está meio sem saída. E talvez o caminho de sair fosse ele criar um caso muito interessante. Porque, justamente no final da gestão Lula e às vésperas de uma eleição, o governo tem que se defrontar com a sua incoerência na área ambiental. Mas duvido que o Minc faça isso, porque a tentativa dele é de ficar. E ele está ficando, me parece, da pior maneira possível, está ficando como o enfant terrible que é perdoado de alguns excessos. Ou seja, está ficando sem força, que é capaz de tirar do Lula agrados paternalistas, mas não uma virada de mesa em relação ao que está acontecendo no Congresso, por exemplo. E, se não consegue essa virada de mesa, deveria sair, pois a saída dele criaria um fato político mais importante do que ficar nessa postura.
A senhora acha que a temática da sustentabilidade, ainda que não da forma ideal, pode aparecer na próxima campanha eleitoral e permear algum discurso? Acho que vai aparecer, porque tem muita gente incomodada com esse processo eleitoral que não apresenta nada de novo. O Zé Eli (José Eli da Veiga) já fez um artigo sobre isso, dizendo que o (José) Serra e a Dilma serão rigorosamente iguais. Exatamente por não ter nenhuma novidade e haver grande desânimo em relação aos processos políticos, teria uma massa crítica no País para se manifestar em 2010 com propostas e discussões não voltadas para o candidato, mas, sim, para o País.
O que a senhora acha do movimento “Marina Silva Presidente” (marinasilvapresidente.ning.com). Como surgiu? Ela própria quer ser presidente?
Antes mesmo de ela sair do MMA, em conferências e palestras aonde ia, alguém gritava no final: “Marina presidente!” Depois que ela saiu do ministério e voltou ao Senado, essas pressões se intensificaram. Pessoas conversavam com ela, mostrando que seria a pessoa ideal para puxar um projeto político diferente de tudo que existe. Ela sempre viu isso com muita restrição, com a convicção de que não se tratava de ter um nome, mas uma articulação na sociedade para colocar isso na agenda política. Esse movimento é de gente muito jovem que já a vinha pressionando desde as conferências nacionais de meio ambiente. Minha interpretação é de que hoje a Marina é sensível a isso, mas vê enormes problemas. Um deles passa por uma opção político-partidária. Se a Marina se coloca para o PT, será massacrada, interferindo em um projeto monolítico, fechado.
Se por acaso a Dilma não tiver condições de concorrer, a Marina não será a candidata dos sonhos, e, caso se coloque, será acusada de tudo, de dividir o partido, de provocar uma derrota, coisas do gênero. E, se sair do PT, a própria legislação eleitoral não permite a candidatura, ela perderia a condição de senadora, não seria viável. Mas esse horizonte de a Marina vir a ser candidata a presidente está na cabeça de muita gente, e ela começa a considerar que pode ser, sim, um caminho. Fora desse site do pessoal mais jovem, que está propondo o nome dela para presidente, nas conversas mais demoradas sobre o assunto a ideia não é lançar seu nome, e, sim, criar um movimento que talvez futuramente tenha na Marina, ou em outra pessoa, um candidato a presidente.
Um movimento que mire, sim, o poder, mas que antes precisa se estruturar e dizer com clareza que poder está querendo. Que consiga colocar no projeto de país um modelo institucional com propostas para processos eleitorais diferentes e novos. Talvez um grande aglutinador de forças políticas seria não criar um partido novo, mas articular propostas para uma reforma política que não seja essa reforma cosmética que o Congresso sempre tem na agenda, mas que mexa com as estruturas, como quebrar o monopólio dos partidos sobre o poder. A Constituição obriga que, para se candidatar, é preciso pertencer a um partido. A gente teria que permitir à sociedade apresentar candidatos avulsos. E outras coisas do gênero, que desconstituíssem um pouco o que se transformou o poder político no Brasil: um monolito impressionante, inexpugnável, de grupos, caciques e feudos.
Interessante que o “Marina Silva Presidente” é um movimento de jovens. Isso sinalizaria alguma tendência?
Sim. Muita gente mais experiente não vê viabilidade nisso que apareceu pela internet agora, mas começa a achar aí um chamado para fazer algo mais consistente. Por isso, em 2010 deve haver uma movimentação nesse sentido da sustentabilidade política, que não vai ficar só em torno de questões socioambientais, mas mirar realmente o poder político.
Nesta edição, estamos abordando o valor da diversidade e o problema da intolerância com as minorias. Mas, quando a gente fala na classe política, haveria um excesso de tolerância por parte do brasileiro?
Acho que não chega a ser tolerância, é um desânimo que leva a uma postura perigosa: “Ah, isso não vai mudar nunca”. É uma falta de autoestima política. Boa parte dos brasileiros acha que política é desprezível, não é para gente de bem. Isso porque nas eleições não tem movimentos políticos independentes das candidaturas, como o que talvez apareça em 2010, puxado pela sustentabilidade. Talvez esta seja a grande novidade, e tenha capacidade de mobilização.
Sobre isso, queria acrescentar que o Minc talvez seja vítima desse tipo de cultura política. Ele é muito vinculado a projetos políticos cariocas. Então pode ter perdido força no governo porque tentou se fortalecer para concorrer a cargos no Rio, na sua saída do ministério. Essa mistura nunca dá certo, principalmente na área que lida com questões de meio ambiente e sustentabilidade. Na hora em que se entra num cargo desses, tem que entrar inteiro, e não fazer o cálculo do que aquilo vai render no momento em que sair. Senão, ele entra na mesma lógica que o está prejudicando. Exatamente. O Minc foi, em parte, vítima disso. Em vez de se entregar à causa, colocou o ministério dentro de seu cálculo político.
Em sua análise, por que a esquerda e os sindicatos no Brasil não parecem ter absorvido a temática ambiental, mas somente a social, com uma preocupação muito restrita a emprego e renda?
A esquerda brasileira teve e tem ainda, apesar de ter havido uma mudança bem significativa, um papel bastante perverso na constituição da questão ambiental dentro do Brasil. Lá no início, a postura da esquerda era ser contrária, era acusar os ambientalistas de serem “pau-mandado” de americanos, de defenderem uma causa da burguesia, uma causa de populações de Primeiro Mundo, que, por não terem mais com que se preocupar, se preocupavam agora com a natureza.
Isso não se deveu ao próprio movimento ambientalista, que pode ter tido mesmo um discurso elitista?
No momento do preservacionismo, você poderia até dizer isso, que a preocupação dos ambientalistas era criar unidades de conservação e nada mais. Mas isso foi politizado pela esquerda como: “Meio ambiente é algo que não nos diz respeito, é algo para populações de Primeiro Mundo”. Essa resistência durante muito tempo bloqueou o desenvolvimento da questão ambiental no Brasil. Havia uma desqualificação política, como se tivesse de fazer uma opção: ou proteger o meio ambiente, ou permitir que as populações despossuídas se apossassem da natureza como um direito a progredir, gerar emprego, renda.
Essa oposição entre meio ambiente e justiça social tem muito do pensamento de esquerda. E acho que ainda hoje há núcleos na esquerda que pensam assim. Entre a Constituinte e a Rio-92, formou-se um caldo de cultura com crescimento de número de ONGs ambientalistas, dissociada de toda a cultura de esquerda. E em 92, a primeira coisa que aconteceu foi um choque entre essa quantidade de ONGs ambientalistas e ONGs como Ibase, Fase, que no período da ditadura tinham se organizado em torno de questões sociais. Foram enormes os choques entre essas ONGs, chamadas de “desenvolvimento”, com grande experiência política, e aquele monte de ONGs ambientalistas, com gente muito maluca, muito jovem, que não respeitava o passado deles.
Ao mesmo tempo, esse choque de cultura provocou uma síntese, tanto é que o conceito socioambiental emergiu daí. De pessoas que viram a necessidade de lidar com as duas coisas ao mesmo tempo. Mas muita gente na esquerda se manteve impermeável a isso, até hoje. No Congresso, por exemplo, o deputado Augusto Carvalho, que era do Partidão (hoje licenciado), fazia discursos aliados aos militares. Assim como Aldo Rebelo (PCdoB-SP), com aquela visão de que os estrangeiros querem nos invadir, tomar a Amazônia. Então, há uma mistura de esquerda e direita contra os ambientalistas, por achar que estes são vendidos. Isso hoje é residual.
Tem movimentos sociais, como o MST, que se mostra avançado em termos ambientais. Independente de se concordar ou não com seus métodos, o MST tem um discurso ambiental que faz sentido com suas reivindicações. Talvez, neste momento, haja no confronto uma nova síntese, porque ainda tem gente que vê o socioambiental de esquerda e gente que vê o socioambiental de modo mais universal, para além de ideologias de esquerda e direita. O conflito ainda existe, ainda está latente. E, caso se vá procurar uma força política para a sustentabilidade, esse conflito pode emergir novamente, e aí será necessário um novo tipo de síntese em torno da diversidade. Porque não dá para pensar só em uma sustentabilidade de esquerda, que separe os setores da sociedade. Tem que ser uma sustentabilidade por inteiro. Esse é o desafio quando se pensa na possibilidade de um projeto de país com base na sustentabilidade e na diversidade.