Obrasil tem lições a dar ao mundo em termos ambientais, como disse recentemente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas elas provêm mais da mobilização da sociedade do que do Estado. Segundo Kathryn Hochstetler, coautora com Margaret Keck do livro Greening Brazil – Environmental Activism in State and Society (2007, sem tradução), o País é um dos poucos emergentes que conciliam pressões por desenvolvimento a qualquer custo e demandas por proteção ambiental. Estas últimas cada vez mais são obtidas por meio do sistema judiciário, que, acionado para retardar projetos, acaba permitindo tempo para debate, diz a professora da Universidade de Waterloo, no Canadá. Defensores de questões ambientais e sociais, os ativistas brasileiros não se opõem ao desenvolvimento, analisa ela, mas a certos padrões de desenvolvimento, enquanto o governo guia-se pelo crescimento econômico.
Por Flavia Pardini
O presidente Lula disse que o Brasil dá lições ao mundo em assuntos ambientais. Se é verdade, que lições são essas?
Acho que o Brasil realmente tem exemplos a dar ao mundo. O que mais importa é a base de comparação, e o interessante para mim é que se trata de um país em que há pressões muito fortes por desenvolvimento, o que é essencial, uma vez que ainda há muitas pessoas que não comem bem, que precisam ter níveis melhores de consumo. De outro lado, é um dos poucos países em que há necessidade real e urgente de desenvolvimento e em que a política ambiental é também muito forte. Em comparação aos outros BRIC (Rússia, China e Índia), por exemplo, ou a países da América Latina, o Brasil oferece um modelo sobre como conciliar essas pressões. E, em certas áreas, o Brasil também oferece um modelo para os países globalmente – na área de energia, por exemplo. O Brasil fez coisas com energias renováveis, o programa do álcool e outros, cujos níveis de tecnologia e inovação vão além do que se alcançou nos EUA e, certamente, na Europa.
O governo é o responsável por esse sucesso ou devemos prestar atenção a outros atores? Quem são eles?
O modelo de proteção ambiental no Brasil nunca se baseou totalmente no Estado, é um modelo que depende de forte mobilização na sociedade e, às vezes, de forças de mercado – frequentemente elas são contra o meio ambiente, mas algumas vezes a favor, especialmente quando consumidores demandam proteção ambiental. Nunca foi o Estado. O subtítulo do nosso livro é “Ativismo Ambiental no Estado e na Sociedade”. Descobrimos que a parte da sociedade realmente foi essencial para o desenvolvimento da política ambiental brasileira. O Estado brasileiro, frequentemente, é o lugar onde se travam as batalhas e é quem faz algum tipo de mediação e compromisso entre as forças pelo desenvolvimento e as forças pela proteção ambiental. Em alguns momentos o Estado lidera, mas não acho que seja uma fonte de inovação.
Por que é importante, como parece indicar o presidente, que o País mostre ao mundo suas realizações ambientais? Como as forças ambientais internacionais estão conectadas a grupos domésticos?
O fato é que ainda há grandes problemas ambientais e muitos deles têm a ver com o modelo baseado em recursos naturais e na agricultura, que sempre foi base do desenvolvimento brasileiro e que tem sido boa parte da base do crescimento econômico no governo Lula. Acho que atores tanto nacionais quanto internacionais olham para a situação no Brasil e veem problemas ambientais reais, por isso acho que o presidente está reagindo a críticas. Sim, os programas energéticos são muito bons, mas claro que as usinas hidrelétricas têm seu lado negativo, desalojam populações, inundam florestas. Sim, o programa do álcool é muito bom do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa, mas é danoso do ponto de vista do cultivo da cana. Por isso acho que o presidente responde, em parte, porque há muita pressão internacional e doméstica, a política ambiental brasileira não é perfeita e há muitos, muitos problemas. É, em parte, uma posição defensiva.
Há alegações de que o movimento ambientalista representa preocupações estrangeiras. As grandes ONGs internacionais são ativas no Brasil. Há claro interesse internacional e, aparentemente, o presidente responde a isso. É o que move a política ambiental no Brasil?
Acho que é importante. Mas os brasileiros deveriam ler o trabalho de pessoas como o historiador do meio ambiente José Augusto Pádua, meu amigo, que mostrou que os temas ambientais têm uma história de centenas de anos no Brasil. Não considero persuasiva a ideia de que a proteção ambiental no Brasil é movida de fora. Em parte o que acontece é que a mídia tende a dar muito mais espaço para as grandes organizações, que frequentemente têm ligações internacionais, o Greenpeace, o WWF. Mas o que deixa de noticiar é que há centenas, milhares na verdade, de pequenas organizações que são brasileiras, muitas sem financiamento a não ser seu próprio tempo e trabalho, e há uma grande rede dessas organizações ao redor do País. Absolutamente não acho verdadeiro que a fonte das preocupações ambientais seja internacional.
O ponto do nosso livro é que as forças internacionais são importantes, mas porque apoiam um ou outro ator brasileiro, há muita pressão internacional pelo meio ambiente, mas também há muita pressão e apoio internacional às forças do desenvolvimento. O que acontece é que elas se tornam parte do debate nacional brasileiro, e acho que é uma manobra política por parte das pessoas que não querem proteção ambiental, dizer que é um movimento internacional, quando, na verdade, há milhares de organizações ambientais brasileiras e muito ativismo aqui mesmo no Brasil.
O que distingue o ambientalismo brasileiro? É o socioambientalismo? Por que sindicatos e outras entidades da esquerda ainda parecem tão distantes dos temas ambientais?
Desde a primeira vez que vim, em 1989, ao Brasil ouço os ambientalistas brasileiros ligarem as preocupações sociais às ambientais, é uma marca muito forte do movimento ambiental brasileiro. Atualmente é o socioambientalismo, mas já foi uma preocupação com a “poliséria” – uma combinação de poluição e miséria –, e há também as preocupações de justiça ambiental. Há vários rótulos, mas todos têm a ver com a compreensão de que é preciso pensar sobre os efeitos sociais e ambientais. Não diria que é unicamente brasileiro, mas que cresceu no Brasil ao mesmo tempo que aparecia em países como a Índia, ou em partes pequenas do movimento ambiental, especialmente na Europa.
O Partido dos Trabalhadores é um ator interessante em relação ao meio ambiente, pois está longe de ter uma posição uniforme. Às vezes, como no Acre, é um ator muito importante em favor do meio ambiente; no Rio Grande do Sul, esteve associado com a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) e alguns dos primeiros ambientalistas. Quando o Lula assumiu, a pergunta era que PT ele seria: o PT do Acre ou o PT do Zeca do PT? Os modelos diferentes têm a ver com as diversas compreensões sobre quanto conflito há entre o meio ambiente e desenvolvimento – não há uma posição única na esquerda brasileira ou no PT. Mas a maioria dos ambientalistas brasileiros que conheço diria que boa parte das atividades danosas ao meio ambiente também desaloja populações, interfere no modo de vida tradicional, talvez crie empregos, talvez não, mas frequentemente não beneficia as localidades em que se instala.
Eles conectam estes dois temas, não é um conflito real entre o meio ambiente e o desenvolvimento, é um conflito entre meio ambiente e padrões específicos de desenvolvimento.
Está claro agora qual PT o presidente Lula representa?
Ele representa muito mais o PT que vê o desenvolvimento como, de alguma maneira, bloqueado por temas ambientais. Fica muito claro na maneira como fala sobre licenciamento. Acho que a razão, em parte, é que quase toda a sua base de apoio quer crescimento econômico mais do que qualquer outra coisa. A força motriz de ambos os governos de Lula, na minha visão, tem sido fazer o País voltar a crescer e, claro, eles fizeram isso e acho que é importante para o Brasil. Mas fizeram isso de formas que parecem refletir a compreensão de que o crescimento simplesmente vai acontecer, e que o meio ambiente se opõe a isso.
A bancada ruralista – que compõe quase um quarto do Congresso – tem agido para derrubar parte da legislação ambiental. Ao mesmo tempo, pesquisas mostram que o brasileiro cada vez mais se preocupa com temas ambientais e apoia ações para enfrentá-los.
Há uma desconexão entre o Congresso e as pessoas que deveria representar? Ou não deveríamos confiar nas pesquisas?
Há muitas instâncias em que os políticos brasileiros falham na conexão com a população, mas minha visão é que, embora haja pessoas que respondem às pesquisas dizendo que o meio ambiente é muito importante, elas consideram importante uma série de outras coisas. E até agora não há padrão de votação no Brasil que reflita as preferências das pessoas sobre o meio ambiente.
As pessoas tendem a votar com base em outras coisas e, por isso, o sistema partidário não está organizado em torno de temas ambientais. Isso é verdade também nos EUA.
Quanto dano a bancada ruralista pode causar? Há barreiras no sistema judiciário ou na Constituição à derrubada da legislação ambiental, celebrada internamente como uma das melhores do mundo?
A legislação ambiental brasileira é muito boa e a bancada ruralista pode causar muito dano. Entretanto, há poucos países em que a política ambiental é tão judicializada quanto no Brasil, que fica atrás apenas dos EUA. Porque a Constituição de 1988 foi escrita de uma forma que insiste em que a proteção ambiental seja seguida, acho que teria de haver uma emenda constitucional para reverter as leis. Enquanto estiver na Constituição, pode ser levado ao sistema judiciário. E temos visto muita disposição por parte do Ministério Público, e em parte do Judiciário, de abraçar os argumentos que pelo menos bloqueiam por algum tempo mudanças ou propostas danosas à lei, no caso de não conseguirem derrubá-las por completo.
Outra coisa que cada vez mais integra a política ambiental brasileira não está nas leis, mas em arranjos que têm a ver com as preferências dos consumidores, por exemplo. O fato de que os consumidores europeus não querem alimentos geneticamente modificados, ou que os brasileiros expressam disposição de pagar mais por alimentos orgânicos, significa que há um espaço para o mercado, não importa como você legisle.
A importância do Judiciário no Brasil aponta uma diferença fundamental com países da região? As populações indígenas na Amazônia peruana confrontaram o governo por causa das políticas para a região. É raro ouvir a voz de populações locais no Brasil. A oposição à Medida Provisória sobre a regulação fundiária na Amazônia, por exemplo, vem de entidades que operam nas cidades.
Vários países andinos têm muito mais ativismo indígena e local, mas são países onde a população indígena é maior. Na Bolívia, é 60% da população. Não sei números exatos no Peru e no Equador, mas é em torno de um terço da população, e a proporção da população que vive na Região Amazônica é mais alta do que no Brasil. Apenas por questões demográficas, não surpreende ouvir mais dos ambientalistas urbanos, porque no Brasil 80% da população vive nas cidades.
Em relação ao ponto mais amplo sobre estratégias, grupos da sociedade civil que querem influenciar a política têm um menu de opções, podem protestar, usar oportunidades de participação que lhes são dadas, usar o sistema judiciário. Uma coisa que é pouco usual no Brasil, em comparação com a região e o resto dos BRIC, é que os ambientalistas e outros atores da sociedade civil têm mais oportunidades de participar. Eu falava ontem com um ambientalista, que disse ter contado 129 conselhos ambientais, só na esfera federal – desde o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) até instâncias específicas para, por exemplo, acompanhar a política de mudanças climáticas ou o Fundo Amazônia. É um número muito grande – se o Peru tiver um, eu ficaria surpresa.
Os ativistas não necessariamente protestam, tudo o que precisam fazer é ir ao Ministério Público e iniciar uma investigação, é uma maneira muito mais eficiente de agir. Protestos são frequentemente a última opção para grupos que não têm outras formas de ganhar acesso ao governo, mas no Brasilo menu tem mais escolhas do que aquele disponível para a sociedade civil em muitos países. O orçamento participativo é o mais famoso e estudado, mas o Brasil é realmente pouco usual pelas oportunidades institucionalizadas para que os ativistas estejam à mesa e sejam parte da discussão. Algumas instâncias são deliberativas e realmente tomam decisões, outras são apenas uma chance de conversar. Não digo que sejam todas efetivas, apenas que os peruanos não as têm.
A judicialização da política ambiental é uma lição a dar ao mundo?
Não tenho muita certeza de que a judicialização seja a melhor estratégia, mas ela está presente no Brasil, nos EUA, e é realmente eficaz em atrasar projetos que causam degradação ambiental. A função positiva que provavelmente ela desempenha no Brasil é a de forçar tempo para o debate. Várias vezes vi outros países latino-americanos começarem projetos semelhantes aos brasileiros que, seis meses depois, estão prontos. Instâncias como os conselhos e o Judiciário no Brasil desaceleram o processo o suficiente para que haja muito mais debate sobre se o projeto deveria ser feito, como deveria ser feito, e se há maneiras de mitigar algumas das consequências.
Está longe de ser um processo perfeito, mas de alguma forma é um modelo que poderia se espalhar. Um dos problemas no Brasil é que não há muitas instâncias formais para outros tipos de preocupação. O que frequentemente acontece com as audiências públicas ambientais é que se tornam lugares onde as pessoas articulam demandas por reforma agrária, por exemplo, o que não é diretamente responsabilidade das agências ambientais que promovem as discussões. Estas demandas deveriam ser enfrentadas de outra maneira, mas, nesse meio-tempo, afloram no processo ambiental.
Não soa muito construtivo bloquear em vez de propor políticas para o meio ambiente.
Para dar um exemplo, Brasil e Argentina fizeram a mesma coisa em 1996 em relação aos organismos geneticamente modificados (OGM), criaram uma comissão que aprovou o cultivo e a venda de OGM. Na Argentina, depois de dois anos, quase toda a produção de soja era GM. No Brasil, o caso foi para a Justiça e eventualmente saiu a nova Lei de Biossegurança, que permite a produção GM. Mas, enquanto isso, algumas das coisas que foram adicionadas à lei se tornaram requerimentos e os consumidores que se preocupam hoje deveriam encontrar, pelos menos hipoteticamente, informações sobre OGM nos rótulos. Os consumidores britânicos insistiram em que os supermercados não vendessem OGM, então os supermercados passaram a precisar de uma fonte de alimentos não-GM e, cada vez mais, optam pelo Brasil, em vez de pela Argentina e os EUA.
Esse tipo de coisa pôde acontecer por causa do tempo que o caso jurídico permitiu. É assim que vejo as forças de mercado também. Pode haver essas demandas dos consumidores que serão supridas por algum produtor – se os consumidores britânicos realmente não vão consumir OGM, alguém vai vender produtos não-GM a eles. O Brasil está em posição melhor do que a Argentina, que adotou os OGM totalmente, ou os EUA, que se recusam a fazer distinção no rótulo.
O resto do mundo deveria se importar com que tipo de política ambientalo Brasil adota? Por quê?
Muitas vezes certos tipos de processos sociais e tecnologias desenvolvidos na Europa, ou nos EUA, não funcionam em vários outros países, porque simplesmente assumem que várias outras coisas existem – por exemplo, infraestrutura social, física, econômica. O Brasil é um país emergente, mas também tem muita capacidade de desenvolver coisas novas, é inovador, acho que tem mais capacidade de desenvolver propostas que podem ser replicadas em outras partes do mundo do que projetos europeus.
O simples fato de que é um país tropical, por exemplo, significa que o desenvolvimento agrícola que sai de lugares como a Embrapa provavelmente é muito mais usável em outros países. Porque o Brasil tem a história recente de não ser muito democrático e de alguma forma forjou uma democracia forte, porque o Brasil muito recentemente não tinha um Judiciário independente e de alguma forma desenvolveu um Judiciário com capacidade de bloquear todo tipo de mau projeto de desenvolvimento, simplesmente porque fez uma série de transições, a experiência brasileira pode servir de modelo para mais países do mundo do que as experiências europeia ou americana.
O Brasil tem lições a dar ao mundo em termos ambientais, como disse recentemente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas elas provêm mais da mobilização da sociedade do que do Estado. Segundo Kathryn Hochstetler, coautora com Margaret Keck do livro Greening Brazil – Environmental Activism in State and Society (2007, sem tradução), o País é um dos poucos emergentes que conciliam pressões por desenvolvimento a qualquer custo e demandas por proteção ambiental.
Estas últimas cada vez mais são obtidas por meio do sistema judiciário, que, acionado para retardar projetos, acaba permitindo tempo para debate, diz a professora da Universidade de Waterloo, no Canadá. Defensores de questões ambientais e sociais, os ativistas brasileiros não se opõem ao desenvolvimento, analisa ela, mas a certos padrões de desenvolvimento, enquanto o governo guia-se pelo crescimento econômico.
O presidente Lula disse que o Brasil dá lições ao mundo em assuntos ambientais. Se é verdade, que lições são essas?
Acho que o Brasil realmente tem exemplos a dar ao mundo. O que mais importa é a base de comparação, e o interessante para mim é que se trata de um país em que há pressões muito fortes por desenvolvimento, o que é essencial, uma vez que ainda há muitas pessoas que não comem bem, que precisam ter níveis melhores de consumo. De outro lado, é um dos poucos países em que há necessidade real e urgente de desenvolvimento e em que a política ambiental é também muito forte. Em comparação aos outros BRIC (Rússia, China e Índia), por exemplo, ou a países da América Latina, o Brasil oferece um modelo sobre como conciliar essas pressões. E, em certas áreas, o Brasil também oferece um modelo para os países globalmente – na área de energia, por exemplo. O Brasil fez coisas com energias renováveis, o programa do álcool e outros, cujos níveis de tecnologia e inovação vão além do que se alcançou nos EUA e, certamente, na Europa.
O governo é o responsável por esse sucesso ou devemos prestar atenção a outros atores? Quem são eles?
O modelo de proteção ambiental no Brasil nunca se baseou totalmente no Estado, é um modelo que depende de forte mobilização na sociedade e, às vezes, de forças de mercado – frequentemente elas são contra o meio ambiente, mas algumas vezes a favor, especialmente quando consumidores demandam proteção ambiental. Nunca foi o Estado. O subtítulo do nosso livro é “Ativismo Ambiental no Estado e na Sociedade”. Descobrimos que a parte da sociedade realmente foi essencial para o desenvolvimento da política ambiental brasileira.
O Estado brasileiro, frequentemente, é o lugar onde se travam as batalhas e é quem faz algum tipo de mediação e compromisso entre as forças pelo desenvolvimento e as forças pela proteção ambiental. Em alguns momentos o Estado lidera, mas não acho que seja uma fonte de inovação.
Por que é importante, como parece indicar o presidente, que o País mostre ao mundo suas realizações ambientais? Como as forças ambientais internacionais estão conectadas a grupos domésticos?
O fato é que ainda há grandes problemas ambientais e muitos deles têm a ver com o modelo baseado em recursos naturais e na agricultura, que sempre foi base do desenvolvimento brasileiro e que tem sido boa parte da base do crescimento econômico no governo Lula.
Acho que atores tanto nacionais quanto internacionais olham para a situação no Brasil e veem problemas ambientais reais, por isso acho que o presidente está reagindo a críticas. Sim, os programas energéticos são muito bons, mas claro que as usinas hidrelétricas têm seu lado negativo, desalojam populações, inundam florestas. Sim, o programa do álcool é muito bom do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa, mas é danoso do ponto de vista do cultivo da cana.
Por isso acho que o presidente responde, em parte, porque há muita pressão internacional e doméstica, a política ambiental brasileira não é perfeita e há muitos, muitos problemas. É, em parte, uma posição defensiva.
Há alegações de que o movimento ambientalista representa preocupações estrangeiras. As grandes ONGs internacionais são ativas no Brasil. Há claro interesse internacional e, aparentemente, o presidente responde a isso. É o que move a política ambiental no Brasil?
Acho que é importante. Mas os brasileiros deveriam ler o trabalho de pessoas como o historiador do meio ambiente José Augusto Pádua, meu amigo, que mostrou que os temas ambientais têm uma história de centenas de anos no Brasil. Não considero persuasiva a ideia de que a proteção ambiental no Brasil é movida de fora.
Em parte o que acontece é que a mídia tende a dar muito mais espaço para as grandes organizações, que frequentemente têm ligações internacionais, o Greenpeace, o WWF. Mas o que deixa de noticiar é que há centenas, milhares na verdade, de pequenas organizações que são brasileiras, muitas sem financiamento a não ser seu próprio tempo e trabalho, e há uma grande rede dessas organizações ao redor do País. Absolutamente não acho verdadeiro que a fonte das preocupações ambientais seja internacional.
O ponto do nosso livro é que as forças internacionais são importantes, mas porque apoiam um ou outro ator brasileiro, há muita pressão internacional pelo meio ambiente, mas também há muita pressão e apoio internacional às forças do desenvolvimento. O que acontece é que elas se tornam parte do debate nacional brasileiro, e acho que é uma manobra política por parte das pessoas que não querem proteção ambiental, dizer que é um movimento internacional, quando, na verdade, há milhares de organizações ambientais brasileiras e muito ativismo aqui mesmo no Brasil.
O que distingue o ambientalismo brasileiro? É o socioambientalismo? Por que sindicatos e outras entidades da esquerda ainda parecem tão distantes dos temas ambientais?
Desde a primeira vez que vim, em 1989, ao Brasil ouço os ambientalistas brasileiros ligarem as preocupações sociais às ambientais, é uma marca muito forte do movimento ambiental brasileiro. Atualmente é o socioambientalismo, mas já foi uma preocupação com a “poliséria” – uma combinação de poluição e miséria –, e há também as preocupações de justiça ambiental. Há vários rótulos, mas todos têm a ver com a compreensão de que é preciso pensar sobre os efeitos sociais e ambientais. Não diria que é unicamente brasileiro, mas que cresceu no Brasil ao mesmo tempo que aparecia em países como a Índia, ou em partes pequenas do movimento ambiental, especialmente na Europa.
O Partido dos Trabalhadores é um ator interessante em relação ao meio ambiente, pois está longe de ter uma posição uniforme. Às vezes, como no Acre, é um ator muito importante em favor do meio ambiente; no Rio Grande do Sul, esteve associado com a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) e alguns dos primeiros ambientalistas. Quando o Lula assumiu, a pergunta era que PT ele seria: o PT do Acre ou o PT do Zeca do PT? Os modelos diferentes têm a ver com as diversas compreensões sobre quanto conflito há entre o meio ambiente e desenvolvimento – não há uma posição única na esquerda brasileira ou no PT. Mas a maioria dos ambientalistas brasileiros que conheço diria que boa parte das atividades danosas ao meio ambiente também desaloja populações, interfere no modo de vida tradicional, talvez crie empregos, talvez não, mas frequentemente não beneficia as localidades em que se instala.
Eles conectam estes dois temas, não é um conflito real entre o meio ambiente e o desenvolvimento, é um conflito entre meio ambiente e padrões específicos de desenvolvimento.
Está claro agora qual PT o presidente Lula representa?
Ele representa muito mais o PT que vê o desenvolvimento como, de alguma maneira, bloqueado por temas ambientais. Fica muito claro na maneira como fala sobre licenciamento. Acho que a razão, em parte, é que quase toda a sua base de apoio quer crescimento econômico mais do que qualquer outra coisa. A força motriz de ambos os governos de Lula, na minha visão, tem sido fazer o País voltar a crescer e, claro, eles fizeram isso e acho que é importante para o Brasil. Mas fizeram isso de formas que parecem refletir a compreensão de que o crescimento simplesmente vai acontecer, e que o meio ambiente se opõe a isso.
A bancada ruralista – que compõe quase um quarto do Congresso – tem agido para derrubar parte da legislação ambiental. Ao mesmo tempo, pesquisas mostram que o brasileiro cada vez mais se preocupa com temas ambientais e apoia ações para enfrentá-los.
Há uma desconexão entre o Congresso e as pessoas que deveria representar? Ou não deveríamos confiar nas pesquisas?
Há muitas instâncias em que os políticos brasileiros falham na conexão com a população, mas minha visão é que, embora haja pessoas que respondem às pesquisas dizendo que o meio ambiente é muito importante, elas consideram importante uma série de outras coisas. E até agora não há padrão de votação no Brasil que reflita as preferências das pessoas sobre o meio ambiente.
As pessoas tendem a votar com base em outras coisas e, por isso, o sistema partidário não está organizado em torno de temas ambientais. Isso é verdade também nos EUA.
Quanto dano a bancada ruralista pode causar? Há barreiras no sistema judiciário ou na Constituição à derrubada da legislação ambiental, celebrada internamente como uma das melhores do mundo?
A legislação ambiental brasileira é muito boa e a bancada ruralista pode causar muito dano. Entretanto, há poucos países em que a política ambiental é tão judicializada quanto no Brasil, que fica atrás apenas dos EUA. Porque a Constituição de 1988 foi escrita de uma forma que insiste em que a proteção ambiental seja seguida, acho que teria de haver uma emenda constitucional para reverter as leis.
Enquanto estiver na Constituição, pode ser levado ao sistema judiciário. E temos visto muita disposição por parte do Ministério Público, e em parte do Judiciário, de abraçar os argumentos que pelo menos bloqueiam por algum tempo mudanças ou propostas danosas à lei, no caso de não conseguirem derrubá-las por completo.
Outra coisa que cada vez mais integra a política ambiental brasileira não está nas leis, mas em arranjos que têm a ver com as preferências dos consumidores, por exemplo. O fato de que os consumidores europeus não querem alimentos geneticamente modificados, ou que os brasileiros expressam disposição de pagar mais por alimentos orgânicos, significa que há um espaço para o mercado, não importa como você legisle.
A importância do Judiciário no Brasil aponta uma diferença fundamental com países da região?
As populações indígenas na Amazônia peruana confrontaram o governo por causa das políticas para a região. É raro ouvir a voz de populações locais no Brasil. A oposição à Medida Provisória sobre a regulação fundiária na Amazônia, por exemplo, vem de entidades que operam nas cidades.
Vários países andinos têm muito mais ativismo indígena e local, mas são países onde a população indígena é maior. Na Bolívia, é 60% da população. Não sei números exatos no Peru e no Equador, mas é em torno de um terço da população, e a proporção da população que vive na Região Amazônica é mais alta do que no Brasil. Apenas por questões demográficas, não surpreende ouvir mais dos ambientalistas urbanos, porque no Brasil 80% da população vive nas cidades.
Em relação ao ponto mais amplo sobre estratégias, grupos da sociedade civil que querem influenciar a política têm um menu de opções, podem protestar, usar oportunidades de participação que lhes são dadas, usar o sistema judiciário.
Uma coisa que é pouco usual no Brasil, em comparação com a região e o resto dos BRIC, é que os ambientalistas e outros atores da sociedade civil têm mais oportunidades de participar. Eu falava ontem com um ambientalista, que disse ter contado 129 conselhos ambientais, só na esfera federal – desde o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) até instâncias específicas para, por exemplo, acompanhar a política de mudanças climáticas ou o Fundo Amazônia. É um número muito grande – se o Peru tiver um, eu ficaria surpresa.
Os ativistas não necessariamente protestam, tudo o que precisam fazer é ir ao Ministério Público e iniciar uma investigação, é uma maneira muito mais eficiente de agir. Protestos são frequentemente a última opção para grupos que não têm outras formas de ganhar acesso ao governo, mas no Brasilo menu tem mais escolhas do que aquele disponível para a sociedade civil em muitos países.
O orçamento participativo é o mais famoso e estudado, mas o Brasil é realmente pouco usual pelas oportunidades institucionalizadas para que os ativistas estejam à mesa e sejam parte da discussão. Algumas instâncias são deliberativas e realmente tomam decisões, outras são apenas uma chance de conversar. Não digo que sejam todas efetivas, apenas que os peruanos não as têm.
A judicialização da política ambiental é uma lição a dar ao mundo?
Não tenho muita certeza de que a judicialização seja a melhor estratégia, mas ela está presente no Brasil, nos EUA, e é realmente eficaz em atrasar projetos que causam degradação ambiental. A função positiva que provavelmente ela desempenha no Brasil é a de forçar tempo para o debate. Várias vezes vi outros países latino-americanos começarem projetos semelhantes aos brasileiros que, seis meses depois, estão prontos. Instâncias como os conselhos e o Judiciário no Brasil desaceleram o processo o suficiente para que haja muito mais debate sobre se o projeto deveria ser feito, como deveria ser feito, e se há maneiras de mitigar algumas das consequências.
Está longe de ser um processo perfeito, mas de alguma forma é um modelo que poderia se espalhar. Um dos problemas no Brasil é que não há muitas instâncias formais para outros tipos de preocupação. O que frequentemente acontece com as audiências públicas ambientais é que se tornam lugares onde as pessoas articulam demandas por reforma agrária, por exemplo, o que não é diretamente responsabilidade das agências ambientais que promovem as discussões. Estas demandas deveriam ser enfrentadas de outra maneira, mas, nesse meio-tempo, afloram no processo ambiental.
Não soa muito construtivo bloquear em vez de propor políticas para o meio ambiente.
Para dar um exemplo, Brasil e Argentina fizeram a mesma coisa em 1996 em relação aos organismos geneticamente modificados (OGM), criaram uma comissão que aprovou o cultivo e a venda de OGM. Na Argentina, depois de dois anos, quase toda a produção de soja era GM. No Brasil, o caso foi para a Justiça e eventualmente saiu a nova Lei de Biossegurança, que permite a produção GM.
Mas, enquanto isso, algumas das coisas que foram adicionadas à lei se tornaram requerimentos e os consumidores que se preocupam hoje deveriam encontrar, pelos menos hipoteticamente, informações sobre OGM nos rótulos. Os consumidores britânicos insistiram em que os supermercados não vendessem OGM, então os supermercados passaram a precisar de uma fonte de alimentos não-GM e, cada vez mais, optam pelo Brasil, em vez de pela Argentina e os EUA.
Esse tipo de coisa pôde acontecer por causa do tempo que o caso jurídico permitiu. É assim que vejo as forças de mercado também. Pode haver essas demandas dos consumidores que serão supridas por algum produtor – se os consumidores britânicos realmente não vão consumir OGM, alguém vai vender produtos não-GM a eles. O Brasil está em posição melhor do que a Argentina, que adotou os OGM totalmente, ou os EUA, que se recusam a fazer distinção no rótulo.
O resto do mundo deveria se importar com que tipo de política ambientalo Brasil adota? Por quê?
Muitas vezes certos tipos de processos sociais e tecnologias desenvolvidos na Europa, ou nos EUA, não funcionam em vários outros países, porque simplesmente assumem que várias outras coisas existem – por exemplo, infraestrutura social, física, econômica. O Brasil é um país emergente, mas também tem muita capacidade de desenvolver coisas novas, é inovador, acho que tem mais capacidade de desenvolver propostas que podem ser replicadas em outras partes do mundo do que projetos europeus.
O simples fato de que é um país tropical, por exemplo, significa que o desenvolvimento agrícola que sai de lugares como a Embrapa provavelmente é muito mais usável em outros países. Porque o Brasil tem a história recente de não ser muito democrático e de alguma forma forjou uma democracia forte, porque o Brasil muito recentemente não tinha um Judiciário independente e de alguma forma desenvolveu um Judiciário com capacidade de bloquear todo tipo de mau projeto de desenvolvimento, simplesmente porque fez uma série de transições, a experiência brasileira pode servir de modelo para mais países do mundo do que as experiências europeia ou americana.
PUBLICIDADE