Por Amália Safatle
Sem pressão popular, nada feito. A esfera política, assim como se deu no mundo corporativo, só deve evoluir na direção da sustentabilidade se provocada pela opinião pública e suas cobranças. Assim, a poucos meses da 15ª Conferência das Partes (COP), na qual se depositam votos de transformações vitais na agenda climática global, e às vésperas de ano eleitoral no Brasil, o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) conclama a população a se mobilizar por uma causa que tem na agenda uma tarefa premente: aprovar o projeto de lei que institui a Política Nacional de Mudança Climática.
Três projetos tramitam na Câmara, um deles de sua autoria, construído com base em consulta pública realizada pelo Observatório do Clima, que aglutina representantes da sociedade civil. Aprová-lo antes da COP sinalizaria ao mundo que a sociedade brasileira se posiciona de forma diferente da do governo.
A transparência e a articulação propiciadas pelas novas tecnologias são razões para Loures vislumbrar mudanças no fazer política, em que pese o descrédito popular em suas instituições. Administrador de empresas formado pela FGV, Loures aproximou-se da temática ambiental em 1989 quando procurado por Mary Alegretti, que, anos antes, com Chico Mendes, buscava agregar valor à castanha-do-pará e viabilizar as reservas extrativistas na Amazônia.
O projeto resultou na barra de cereais Nutry, da empresa de sua família, a Nutrimental. Hoje, o deputado vê como maior desafio aproximar os representantes políticos de seus representados.
Suas propostas e sua atuação política alinham-se ao tema do desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade dá voto? Ou seja, é uma ideia que se sustenta politicamente?
Acho que não, porque a sociedade brasileira não faz a pressão que deveria fazer sobre seus representantes políticos. A sociedade não compreendeu ainda que já foi capturada pela questão ambiental. Infelizmente, só diante de uma tragédia, de um evento extremo, é que existe algum tipo de mobilização. Há um oportunismo muito grande na utilização do tema como bandeira política e a sociedade brasileira não exerce seu papel de protagonista nesse tema. As boas experiências nacionais ficam diminuídas, eclipsadas, obscurecidas por movimentações que acontecem em outros países, como se tudo isso fosse um espetáculo, mas não é. Por isso, quando converso com o agricultor, quando falo com o motorista de táxi, busco a tradução dessa linguagem para o cotidiano deles. Essa tradução é fundamental para resultar em voto, em voto consciente a favor de uma comunidade sustentável, de uma empresa sustentável.
Então, trata-se mais de uma questão de comunicação, de decodificar sustentabilidade em fatos do dia a dia das pessoas, como a enchente…
…o preço da comida por conta da modificação do regime de chuvas, a saúde pública por problemas respiratórios, alérgicos, por contaminação, e que, num prazo maior, pode levar a efeito cancerígeno. Nos EUA, por exemplo, as leis que vinham sendo desenvolvidas em consequência de votações apoiadas por assembleias estaduais – por proposição de governadores, como na Califórnia e outros estados – passaram a ser uma questão de segurança nacional, porque o surgeon general, essa figura de médico que existe lá, recomenda ao governo reduzir as emissões de poluentes. O que é um ponto positivo na sociedade que tem a maior frota de veículos do planeta e o maior número de carros por família.
Isso significa que lá houve uma associação correta entre saúde pública e sustentabilidade. Mas não há, no Brasil, esse nível de percepção, o que deveria ser o foco dos vereadores, dos prefeitos, dos deputados estaduais, federais. Todos os políticos deveriam, ao longo de suas campanhas, posicionar-se sobre o que pretendem fazer diante desse tema. Normalmente, o discurso fica no plano raso e a comunicação é de baixa qualidade.
Certamente é um problema de comunicação. Então nós, aos trancos e barrancos, vamos ao longo de cada desastre ambiental tomar contato, ainda que episódico, com as enchentes no Nordeste, com os desabamentos em Santa Catarina, com os deslizamentos em Minas Gerais, com as frustrações de safra no Paraná ou mesmo com a dengue no Rio de Janeiro, cujo fenômeno também é influenciado por alterações no regime de chuvas.
Nas próximas eleições, o tema da sustentabilidade, ainda que mal comunicado, será muito mais conhecido da população do que nas eleições passadas. O senhor acredita que haverá mudança no discurso político de forma a incorporá-lo?
Se não houver pressão inteligente – porque política se faz por pressão sobre os políticos- , não haverá esse debate de maneira qualificada no ano que vem. Nem pelos governadores, nem pelos candidatos à Presidência. A partir de hoje, todos deveríamos procurar questioná-los antecipadamente.
Pelo mesmo princípio da precaução que temos quanto à mudança climática, devemos ter o princípio da precaução política com relação aos futuros prováveis candidatos e partidos políticos. Há 27 partidos políticos legalmente cadastrados no Brasil com certidão eleitoral para poder apresentar candidatos. Então, imediatamente, nós deveríamos obter uma posição desses 27 partidos referente a qual projeto defendem em relação à sustentabilidade.
Não existem 27 projetos diferentes, portanto é evidente que cada partido não tem grande divergência em relação ao outro. Podem divergir quanto a como chegar lá, mas essa também é uma oportunidade de mostrar como as estruturas partidárias devem se aproximar desse tema, é uma razão para convergir na direção desse debate. A sustentabilidade é uma grande oportunidade de convergência. Isso tem de ser feito no plano partidário e, depois, buscando um compromisso com cada candidato. Deve ser objeto da pressão popular, à medida que a internet avança, que as redes sociais se ampliam, e o volume e a qualidade dos debatedores aumentam.
Vivemos hoje um ponto de mutação, estamos em um momento de grande transformação econômica, social e política, e as redes que vão se desenvolver são uma ferramenta excepcional de pressão. Pressão que já existe no Congresso: nós já recebemos muitos emails diretamente, mas muito pouco sobre a questão da sustentabilidade. Talvez as pessoas não estejam realmente mobilizadas, até porque não sabem exatamente que aspecto, que tema, projeto ou ideia deveriam apoiar e fazer prevalecer ao longo do tempo. Porque são vários os temas: a educação ambiental, as energias renováveis, as novas formas de manejo agrícola.
Em vez de conteúdo, falando agora sobre a forma como a política se organiza e é exercida, no Brasil: a gente observa um jogo de forças que induz à corrupção, à barganha, ao favorecimento. Não é incompatível falar dessas matérias dentro de um sistema que por si só não é sustentável?
A transição se dá pelo voto. Ela é acelerada ou postergada pelo voto. A modelagem política atual está sofrendo profunda transformação. Isso está claro nos escândalos do Senado e da Câmara. Por incrível que possa parecer ao leitor – eu falo como quem observa de dentro, faço parte da Casa – está havendo uma tentativa muito grande de reaproximação do Congresso com a sociedade.
Se você observar uma pesquisa que foi feita pela revista Época poucas semanas atrás, chamada o “Congresso no Espelho”, 247 parlamentares já admitem que a mudança nos procedimentos é necessária. Estamos em mudança acelerada. Quem acha que as coisas ficarão como eram está atrelado a um mundo que não existe mais. O mundo muda com a velocidade da internet. O político está on-line. Nós incorporamos o processo da rede no debate político, o que vai acelerar essa troca entre o representante e o representado.
A corrupção também será exposta. O século XXI é o século da transparência e ela vai prevalecer para os que acreditam e para os que não acreditam nela. Menos em virtude do processo de evolução humana e mais do processo de evolução tecnológica, o fato é que tudo facilita a transparência, inclusive porque há a câmera digital, o microgravador, o grampo telefônico, a possibilidade de transmitir qualquer decisão imediatamente para qualquer ponto do planeta. Portanto, não há onde se apegar no sentido de imaginar uma estrutura política que não seja transparente, e que essa distância entre as instituições e a sociedade permaneça. Assim como será mais acelerada a substituição daqueles representantes que estejam se afastando das razões que os fizeram ser escolhidos.
Aposto muito mais na sociedade civil que no modelo arcaico de se fazer política. Até porque o mundo mudou e essa questão da sustentabilidade só carece de um desafio de comunicação, de mobilização, de incorporação dos efeitos positivos da política. Todos nós temos preocupações básicas com as questões pessoais: pagar as contas, cuidar da família, educar os filhos, essas são as questões centrais. Depois, as outras passam a ser a satisfação no trabalho, o progresso, as questões envolvendo a comunidade. E a questão política fica muito distante. As pessoas em geral percebem a política como uma dimensão na qual não estão inseridas, o que também é um equívoco.
O que os demais colegas na Câmara pensam sobre sustentabilidade?
Existe um grupo pequeno que milita.
Milita mais por conveniência, em busca de dividendos políticos, ou por convicção?
Existe um grupo muito capaz, de deputados especializados no tema, líderes em seus respectivos partidos, que fazem parte da Frente Parlamentar Ambientalista, que é a maior das frentes parlamentares- somos hoje cerca de 300 deputados federais de todos os estados e partidos com representantes na Câmara, em 11 grupos temáticos. Sou o coordenador do GT do Clima e fizemos um grande trabalho no Itamaraty e na Casa Civil, além de no Ministério do Meio Ambiente. Mas o Ministério da Ciência e Tecnologia, do meu ponto de vista, é a grande base de apoio desse conjunto de políticas hoje no País.
Conversamos muito com a Thelma Krug (do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), com o ministro (Luiz Alberto) Figueiredo, no Itamaraty, com o embaixador (Sérgio) Serra e com muitas das representações empresariais: CNI, Fiesp. Eu diria que as principais empresas brasileiras estão mais adiantadas que o próprio governo, no que diz respeito à adaptação a esse novo fenômeno. Portanto, existe, sim, um grupo de parlamentares diligentes, disciplinados, capacitados, mas a questão da sustentabilidade não adquiriu na Câmara a condição de tema prioritário.
Esse é um desafio que todos aqueles que percebem a gravidade do momento têm: levar para o plenário aquelas temáticas que possam ser convertidas em políticas públicas. Porque aí sim, pela via política, você obriga o governo brasileiro a se posicionar em temas nos quais vacila, como a não adoção de metas voluntárias (para redução de emissão de gases de efeito estufa). Com isso, o Brasil perde a oportunidade de se colocar como única potência ambiental legítima, com condições de exercer essa liderança. Eu mesmo já propus isso ao presidente Lula e ao ministro (Celso) Amorim, quando estivemos almoçando com o secretário-geral (das Nações Unidas) Ban Ki-Moon, no ano passado, na ocasião em que visitou o Brasil.
Naquele momento, debatia-se muito o fato de o Brasil ter ou não assento no Conselho de Segurança da ONU. E o maior argumento que recomenda a presença do Brasil é menos geopolítico e mais ligado à postura, à atitude de quem tem a maior reserva de florestas, de água doce, a maior área agricultável do planeta sob a sua guarda. Ou seja, a postura da política brasileira e as experiências já desenvolvidas a que me referi no início da entrevista são valorosas para o mundo inteiro, inclusive para dar esse equilíbrio. O Brasil não deve entrar no Conselho por ser uma potência industrial ou comercial ou por qualquer outro mérito que não o ambiental. Para isso, o Brasil precisa dizer: “Sim, nós vamos liderar esse esforço da sustentabilidade”.
E por que isso não acontece?
Porque a agenda ambiental foi sequestrada por interesses associados à política comercial. Ficou associada a outras agendas de interesse nacional que colocaram numa vala comum um tema que se sobrepõe a todos os outros. E a agenda climática precisa ser destacada da agenda de interesses de outra ordem. Isso precisa acontecer antes da COP 15.
O Brasil, ao lado da Rússia, da China e da Índia, precisa se posicionar em Copenhague a favor de um mergulho sem volta na sustentabilidade.
Mas, enquanto a classe política brasileira em peso não estiver convencida da importância dessas questões, o quanto é possível haver mudanças de fato? Pois somente os movimentos sociais e a pressão popular não bastam, certo?
Sem dúvida. A política exercida na sua plenitude é a mais nobre das atividades. E o inverso é verdadeiro. A sensibilização dos principais atores do País, a começar do presidente da República, existe. Porém, é preciso estimular essa convicção nas principais lideranças políticas de que esse é um bom caminho, para que ele passe para o campo das prioridades nacionais. Ele só passará do estágio de atenção e alerta para o estágio da prioridade se houver pressão popular, inteligente, setorial.
Mas essa não é uma postura passiva por parte dos políticos? No meio empresarial, é comum ouvir: “Enquanto o consumidor não pedir, a gente não entrega”. Com isso, não deixa de haver uma proatividade por parte dos políticos?
Existem muitos gestores e políticos que já estão atuando e militando independentemente dos resultados. No meu caso, essa militância se dá há 20 anos. A classe política precisa ser estimulada a cumprir com seu dever nessa questão. Mas, quando se faz pressão, é preciso fazê-la de forma dirigida e inteligente, e não de forma emocional. A pressão inteligente é fazer votar no Congresso Nacionalos projetos -e eu já identifiquei pelo menos três importantes- , todos eles propondo a criação da Política Nacional de Mudança Climática.
O fato de haver três projetos somente na área climática não dispersa as forças?
Não, porque são projetos complementares. Temos um projeto de lei original do (deputado Antonio Carlos de) Mendes Thame (PSDB-SP), que abre a discussão e introduz o tema (PL 261/2007); temos a versão do governo, que de certa maneira revela os limites que o próprio governo percebe hoje para avançar; e temos o que eu propus (PL 5415/2009), que é fruto do que a sociedade pede. Todas as ONGs, vários cientistas e professores, militantes, inclusive membros do governo, do MMA, do MCT – gente de todas as origens e posições que contribuiu para fazer o que eu entendo que seja o mais atualizado e moderno conjunto de normas com vistas ao que o Brasil deveria fazer já, em função das mudanças climáticas.
Os três projetos serão consolidados, até porque o processo legislativo levará a que esses itens todos sejam debatidos e transformados em uma única política. O que não podemos é deixar que essa discussão se prolongue para 2010, que, por ser ano eleitoral, tende a capturar as energias do Congresso por conta das agendas das eleições de dois terços do Senado, todos os deputados federais, todos os governadores e o presidente da República. Então, a hora da movimentação é agora. Se não avançarmos neste semestre de 2009 – e este é um desafio que faço para todos aqueles que se interessam pelo assunto -, vamos perder a oportunidade de Copenhague e vamos perder fundamentalmente todo o debate político do ano que vem, pois não teremos tido o tempo para produzir essa mobilização social junto aos deputados.
O que o cidadão, mesmo em casa, pode fazer?
Pode escrever para a Câmara e o Senado, onde tem como identificar todos os emails de todos os senadores e de todos os deputados. Pode escrever para o email do presidente da República, do ministro do Meio Ambiente, do ministro da Ciência e Tecnologia, do ministro do Itamaraty, o Celso Amorim. Ele pode, ainda que de maneira eletrônica, e, portanto, sem gerar emissões de gases – a maneira mais correta, inclusive, é essa -, pedir a eles, semanalmente se for o caso, que adotem uma postura de liderança na mudança climática, que apoiem a aprovação dos três projetos de lei que tramitam na Câmara e amplie a vigilância sobre seus representantes, e especialmente aqueles que tiverem alguma relação com alguma autoridade em qualquer área, e perguntem qual a posição sobre a sustentabilidade.
É importante que esse conceito seja entendido em uma linguagem simples por todos. Isso é mais fácil para quem está fora do Brasil. Os asiáticos e os europeus, por exemplo, entendem o que é a ausência de uma floresta, porque já não a têm mais. Entendem a dificuldade com a poluição, porque vivem em cidades na grande maioria poluídas, especialmente na China. Compreendem muito o que é o verde e a exuberância da biodiversidade, justamente pela escassez dela.
Nós temos esse desafio adicional, porque as pessoas imaginam que uma árvore a mais, uma árvore a menos não faz diferença, e faz. Então, temos de apresentar com muita eficácia os impactos de tudo o que está acontecendo para as pessoas na frente de suas casas, seja do ponto do vista do que se passa com o lixo, com o saneamento, com o consumo de energia, com o excesso de agrotóxicos na comida. Já as crianças estão muito mais atentas a isso do que nós estávamos ao nosso tempo.
Serão eleitores muito mais mobilizados?
Com certeza.
Qual a sua estimativa em relação à aprovação do projeto de lei de sua autoria ainda este ano?
Tenho muita confiança de que, na Câmara, seja aprovado este ano. Advogo uma mobilização popular, peço por ela, preciso da ajuda de todos os que se dispuserem a pressionar o Parlamento. Essa é uma das poucas decisões que o Brasil, ao tomar, toma a favor do planeta. Já informei ao presidente (da Câmara) Michel Temer que apresentei o projeto, já pedi a ele que dê prioridade de tramitação a esse projeto, somos do mesmo partido, o PMDB é o maior partido do Brasil. Não podemos evitar a tramitação em comissões porque, pela regra constitucional, ele não pode ir diretamente a plenário sem que o mérito tenha sido avaliado antes, então há de ser avaliado pela Comissão de Meio Ambiente. Após esse procedimento, aí sim nós podemos acelerar o processo de votação.
Estou focado nisso, é a única coisa que pretendo fazer neste semestre. Se os deputados brasileiros arquivarem ou derrubarem o projeto, ou o transformarem em uma proposta sem significado, isso deve ser objeto de preocupação do País, ao passo que, se for aprovado, será um sinal de maturidade e de compromisso da Câmara com a questão ambiental.
E por que tem de ser neste semestre? Porque vai mostrar na COP 15 que a posição do povo brasileiro não é necessariamente igual à do governo brasileiro. E, portanto, o País deseja, através de seus representantes, que o governo seja mais ousado.
Essa percepção da escassez de recursos naturais, pelo estrangeiro, que o senhor comentou, é a razão pela qual os movimentos e os partidos verdes em outros países têm mais relevância que no Brasil?
Países com economias mais industrialmente desenvolvidas já perceberam os efeitos daquela que é a principal falha de mercado do modelo atual: que gera riqueza, emprego e renda, por um lado, e poluição, destruição e baixa qualidade ambiental, por outro. Alguns desses países têm maior facilidade em perceber a consequência de não tomar decisões imediatas. Por exemplo, os ingleses, que moram numa ilha e percebem claramente o que pode acontecer se houver a elevação do nível do mar, colocando em ameaça a própria integridade de seu espaço físico. Ou países como a Holanda. Mais claramente na costa da Índia, ou Bangladesh, ou Mianmar, ou países insulares como a Indonésia, que percebem que não há estratégia antecipada possível a eventos extremos, nem tecnologia, nem dinheiro para fazer frente a isso.
Então, os partidos verdes têm uma mesma tese, mas impactos diferentes nos países em que estão inseridos. E se fragilizaram pela dificuldade em transformar seu discurso em realidade. Muitos que admiravam os verdes – na Itália, por exemplo – ao longo dos anos perceberam que aquela mudança não era imediata. E como não estamos falando em um evento de curto prazo, e sim em um processo de transformação e ampliação de consciência, também não podemos, seja em que partido for, tentar sinalizar para as pessoas que a solução está ao alcance da mão, chegando em questão de dias ou semanas. Porque esse é um processo quase que geracional.
É provável que a próxima geração estará capacitada e já na gestão plena de um outro modelo de organização social que terá essa responsabilidade, que será incorporada por todos os partidos políticos do mundo. Talvez a diferença entre eles seja a questão do ritmo, se mais ou menos acelerado, se a um custo maior ou menor, mas a agenda introduzida pelos partidos verdes será incorporada por todos os outros partidos, como de certo modo já foi. Talvez essa seja uma das razões pelas quais os partidos verdes tenham avançado menos do que se imaginava.
Esse é um fenômeno que revela maturidade do processo político. Seria assustador se apenas os partidos verdes estivessem defendendo a sustentabilidade. Nos EUA, tanto os democratas como os republicanos têm líderes importantes nessa área. E nos partidos Trabalhista e Conservador britânicos, a mesma coisa.
A militância verde é transversal aos partidos brasileiros também?
Sim, todos eles têm hoje pelo menos um representante, não em nível de programa, mas de militância. Agora, até por uma questão constitucional, eu defendo o Parlamento global. O que é isso? São líderes e políticos escolhidos por seus cidadãos que participam de uma estrutura não física, sem sede, sem remuneração, que debatem pela internet os avanços nas suas legislações locais ou numa legislação global e se apoiam mutuamente, fazendo pressão em seus governos.
Na ONU, são tomadas decisões que representam o interesse de cada nação. Não representam necessariamente o interesse da população de cada nação e, sim, o dos governos eleitos naquele período histórico. Então nós, os parlamentares – esse movimento já está acontecendo, principalmente entre parlamentares suecos, britânicos, americanos, japoneses, italianos, franceses, alguns poucos chilenos -, já temos um grupo que está trabalhando em um anel de pressão política global. Os avanços ou os retrocessos que acontecem em cada um dos países são compartilhados, e essa rede pode se encontrar a qualquer momento e vai se encontrar em Copenhague.
Que tipo de poder esse Parlamento é capaz de ter?
Não é um poder deliberativo, porque a governança global não existe institucionalmente. Mas os parlamentares trabalham juntos, trocam informações, facilitam processos políticos e observam a realidade uns dos outros. É muito mais poderosa a visão que o outro tem de nós do que a nossa visão sobre nós mesmos. Então, nós sabemos a importância que o Brasil tem nesse momento – eu falo com parlamentares de outros países e percebo a angústia que eles relatam porque aguardam fundamentalmente uma posição brasileira, que é chave. E o governo sabe disso.
Justamente porque sabe, o governo trava, segura?
Segura. Porque traz para a mesa de negociação outros temas associados ao interesse nacional, mas não necessariamente à sustentabilidade. Só que esta agenda é a central do planeta, é a principal decisão política que todos terão de tomar nos próximos 30 anos, para que possa haver os próximos 300 anos.
Caso contrário, vai-se colocar em xeque a capacidade de governança, de equilíbrio – não ambiental, mas político do planeta. Se não formos capazes de equacionar os conflitos que virão, teremos de lidar com as consequências da falta de acordo. No estágio mais agudo, a guerra. A questão da água, da comida, da saúde pública, essas disfunções todas levarão a um processo de desgovernança.
O quanto os últimos escândalos no Senado o desanimam a seguir com a carreira pública?
Desanimariam se não significassem a transformação da instituição. A existência dos escândalos revela a mutação pela qual está passando o Senado e a Câmara, aproximando o representado de seu representante. O que desanima é a generalização desse fenômeno, é o eleitor achar que todos são iguais. Como Nelson Rodrigues ensinava, toda unanimidade é burra. Não se pode dizer que todos os jornalistas são incompetentes, que todos os médicos são inábeis, que todos os policiais são bandidos, nem que todos os professores são incapazes. Toda generalização nasce sem legitimidade. Tenho certeza de que vamos ter instituições muito mais representativas após esses escândalos. Seria muito pior se não estivessem acontecendo e a prática fosse mantida. Eu prevejo dias melhores para todas as instituições.[:en]
Sem pressão popular, nada feito. A esfera política, assim como se deu no mundo corporativo, só deve evoluir na direção da sustentabilidade se provocada pela opinião pública e suas cobranças. Assim, a poucos meses da 15ª Conferência das Partes (COP), na qual se depositam votos de transformações vitais na agenda climática global, e às vésperas de ano eleitoral no Brasil, o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) conclama a população a se mobilizar por uma causa que tem na agenda uma tarefa premente: aprovar o projeto de lei que institui a Política Nacional de Mudança Climática.
Três projetos tramitam na Câmara, um deles de sua autoria, construído com base em consulta pública realizada pelo Observatório do Clima, que aglutina representantes da sociedade civil. Aprová-lo antes da COP sinalizaria ao mundo que a sociedade brasileira se posiciona de forma diferente da do governo.
A transparência e a articulação propiciadas pelas novas tecnologias são razões para Loures vislumbrar mudanças no fazer política, em que pese o descrédito popular em suas instituições. Administrador de empresas formado pela FGV, Loures aproximou-se da temática ambiental em 1989 quando procurado por Mary Alegretti, que, anos antes, com Chico Mendes, buscava agregar valor à castanha-do-pará e viabilizar as reservas extrativistas na Amazônia.
O projeto resultou na barra de cereais Nutry, da empresa de sua família, a Nutrimental. Hoje, o deputado vê como maior desafio aproximar os representantes políticos de seus representados.
Suas propostas e sua atuação política alinham-se ao tema do desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade dá voto? Ou seja, é uma ideia que se sustenta politicamente?
Acho que não, porque a sociedade brasileira não faz a pressão que deveria fazer sobre seus representantes políticos. A sociedade não compreendeu ainda que já foi capturada pela questão ambiental. Infelizmente, só diante de uma tragédia, de um evento extremo, é que existe algum tipo de mobilização. Há um oportunismo muito grande na utilização do tema como bandeira política e a sociedade brasileira não exerce seu papel de protagonista nesse tema. As boas experiências nacionais ficam diminuídas, eclipsadas, obscurecidas por movimentações que acontecem em outros países, como se tudo isso fosse um espetáculo, mas não é. Por isso, quando converso com o agricultor, quando falo com o motorista de táxi, busco a tradução dessa linguagem para o cotidiano deles. Essa tradução é fundamental para resultar em voto, em voto consciente a favor de uma comunidade sustentável, de uma empresa sustentável.
Então, trata-se mais de uma questão de comunicação, de decodificar sustentabilidade em fatos do dia a dia das pessoas, como a enchente…
…o preço da comida por conta da modificação do regime de chuvas, a saúde pública por problemas respiratórios, alérgicos, por contaminação, e que, num prazo maior, pode levar a efeito cancerígeno. Nos EUA, por exemplo, as leis que vinham sendo desenvolvidas em consequência de votações apoiadas por assembleias estaduais – por proposição de governadores, como na Califórnia e outros estados – passaram a ser uma questão de segurança nacional, porque o surgeon general, essa figura de médico que existe lá, recomenda ao governo reduzir as emissões de poluentes. O que é um ponto positivo na sociedade que tem a maior frota de veículos do planeta e o maior número de carros por família.
Isso significa que lá houve uma associação correta entre saúde pública e sustentabilidade. Mas não há, no Brasil, esse nível de percepção, o que deveria ser o foco dos vereadores, dos prefeitos, dos deputados estaduais, federais. Todos os políticos deveriam, ao longo de suas campanhas, posicionar-se sobre o que pretendem fazer diante desse tema. Normalmente, o discurso fica no plano raso e a comunicação é de baixa qualidade.
Certamente é um problema de comunicação. Então nós, aos trancos e barrancos, vamos ao longo de cada desastre ambiental tomar contato, ainda que episódico, com as enchentes no Nordeste, com os desabamentos em Santa Catarina, com os deslizamentos em Minas Gerais, com as frustrações de safra no Paraná ou mesmo com a dengue no Rio de Janeiro, cujo fenômeno também é influenciado por alterações no regime de chuvas.
Nas próximas eleições, o tema da sustentabilidade, ainda que mal comunicado, será muito mais conhecido da população do que nas eleições passadas. O senhor acredita que haverá mudança no discurso político de forma a incorporá-lo?
Se não houver pressão inteligente – porque política se faz por pressão sobre os políticos- , não haverá esse debate de maneira qualificada no ano que vem. Nem pelos governadores, nem pelos candidatos à Presidência. A partir de hoje, todos deveríamos procurar questioná-los antecipadamente.
Pelo mesmo princípio da precaução que temos quanto à mudança climática, devemos ter o princípio da precaução política com relação aos futuros prováveis candidatos e partidos políticos. Há 27 partidos políticos legalmente cadastrados no Brasil com certidão eleitoral para poder apresentar candidatos. Então, imediatamente, nós deveríamos obter uma posição desses 27 partidos referente a qual projeto defendem em relação à sustentabilidade.
Não existem 27 projetos diferentes, portanto é evidente que cada partido não tem grande divergência em relação ao outro. Podem divergir quanto a como chegar lá, mas essa também é uma oportunidade de mostrar como as estruturas partidárias devem se aproximar desse tema, é uma razão para convergir na direção desse debate. A sustentabilidade é uma grande oportunidade de convergência. Isso tem de ser feito no plano partidário e, depois, buscando um compromisso com cada candidato. Deve ser objeto da pressão popular, à medida que a internet avança, que as redes sociais se ampliam, e o volume e a qualidade dos debatedores aumentam.
Vivemos hoje um ponto de mutação, estamos em um momento de grande transformação econômica, social e política, e as redes que vão se desenvolver são uma ferramenta excepcional de pressão. Pressão que já existe no Congresso: nós já recebemos muitos emails diretamente, mas muito pouco sobre a questão da sustentabilidade. Talvez as pessoas não estejam realmente mobilizadas, até porque não sabem exatamente que aspecto, que tema, projeto ou ideia deveriam apoiar e fazer prevalecer ao longo do tempo. Porque são vários os temas: a educação ambiental, as energias renováveis, as novas formas de manejo agrícola.
Em vez de conteúdo, falando agora sobre a forma como a política se organiza e é exercida, no Brasil: a gente observa um jogo de forças que induz à corrupção, à barganha, ao favorecimento. Não é incompatível falar dessas matérias dentro de um sistema que por si só não é sustentável?
A transição se dá pelo voto. Ela é acelerada ou postergada pelo voto. A modelagem política atual está sofrendo profunda transformação. Isso está claro nos escândalos do Senado e da Câmara. Por incrível que possa parecer ao leitor – eu falo como quem observa de dentro, faço parte da Casa – está havendo uma tentativa muito grande de reaproximação do Congresso com a sociedade.
Se você observar uma pesquisa que foi feita pela revista Época poucas semanas atrás, chamada o “Congresso no Espelho”, 247 parlamentares já admitem que a mudança nos procedimentos é necessária. Estamos em mudança acelerada. Quem acha que as coisas ficarão como eram está atrelado a um mundo que não existe mais. O mundo muda com a velocidade da internet. O político está on-line. Nós incorporamos o processo da rede no debate político, o que vai acelerar essa troca entre o representante e o representado.
A corrupção também será exposta. O século XXI é o século da transparência e ela vai prevalecer para os que acreditam e para os que não acreditam nela. Menos em virtude do processo de evolução humana e mais do processo de evolução tecnológica, o fato é que tudo facilita a transparência, inclusive porque há a câmera digital, o microgravador, o grampo telefônico, a possibilidade de transmitir qualquer decisão imediatamente para qualquer ponto do planeta. Portanto, não há onde se apegar no sentido de imaginar uma estrutura política que não seja transparente, e que essa distância entre as instituições e a sociedade permaneça. Assim como será mais acelerada a substituição daqueles representantes que estejam se afastando das razões que os fizeram ser escolhidos.
Aposto muito mais na sociedade civil que no modelo arcaico de se fazer política. Até porque o mundo mudou e essa questão da sustentabilidade só carece de um desafio de comunicação, de mobilização, de incorporação dos efeitos positivos da política. Todos nós temos preocupações básicas com as questões pessoais: pagar as contas, cuidar da família, educar os filhos, essas são as questões centrais. Depois, as outras passam a ser a satisfação no trabalho, o progresso, as questões envolvendo a comunidade. E a questão política fica muito distante. As pessoas em geral percebem a política como uma dimensão na qual não estão inseridas, o que também é um equívoco.
O que os demais colegas na Câmara pensam sobre sustentabilidade?
Existe um grupo pequeno que milita.
Milita mais por conveniência, em busca de dividendos políticos, ou por convicção?
Existe um grupo muito capaz, de deputados especializados no tema, líderes em seus respectivos partidos, que fazem parte da Frente Parlamentar Ambientalista, que é a maior das frentes parlamentares- somos hoje cerca de 300 deputados federais de todos os estados e partidos com representantes na Câmara, em 11 grupos temáticos. Sou o coordenador do GT do Clima e fizemos um grande trabalho no Itamaraty e na Casa Civil, além de no Ministério do Meio Ambiente. Mas o Ministério da Ciência e Tecnologia, do meu ponto de vista, é a grande base de apoio desse conjunto de políticas hoje no País.
Conversamos muito com a Thelma Krug (do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), com o ministro (Luiz Alberto) Figueiredo, no Itamaraty, com o embaixador (Sérgio) Serra e com muitas das representações empresariais: CNI, Fiesp. Eu diria que as principais empresas brasileiras estão mais adiantadas que o próprio governo, no que diz respeito à adaptação a esse novo fenômeno. Portanto, existe, sim, um grupo de parlamentares diligentes, disciplinados, capacitados, mas a questão da sustentabilidade não adquiriu na Câmara a condição de tema prioritário.
Esse é um desafio que todos aqueles que percebem a gravidade do momento têm: levar para o plenário aquelas temáticas que possam ser convertidas em políticas públicas. Porque aí sim, pela via política, você obriga o governo brasileiro a se posicionar em temas nos quais vacila, como a não adoção de metas voluntárias (para redução de emissão de gases de efeito estufa). Com isso, o Brasil perde a oportunidade de se colocar como única potência ambiental legítima, com condições de exercer essa liderança. Eu mesmo já propus isso ao presidente Lula e ao ministro (Celso) Amorim, quando estivemos almoçando com o secretário-geral (das Nações Unidas) Ban Ki-Moon, no ano passado, na ocasião em que visitou o Brasil.
Naquele momento, debatia-se muito o fato de o Brasil ter ou não assento no Conselho de Segurança da ONU. E o maior argumento que recomenda a presença do Brasil é menos geopolítico e mais ligado à postura, à atitude de quem tem a maior reserva de florestas, de água doce, a maior área agricultável do planeta sob a sua guarda. Ou seja, a postura da política brasileira e as experiências já desenvolvidas a que me referi no início da entrevista são valorosas para o mundo inteiro, inclusive para dar esse equilíbrio. O Brasil não deve entrar no Conselho por ser uma potência industrial ou comercial ou por qualquer outro mérito que não o ambiental. Para isso, o Brasil precisa dizer: “Sim, nós vamos liderar esse esforço da sustentabilidade”.
E por que isso não acontece?
Porque a agenda ambiental foi sequestrada por interesses associados à política comercial. Ficou associada a outras agendas de interesse nacional que colocaram numa vala comum um tema que se sobrepõe a todos os outros. E a agenda climática precisa ser destacada da agenda de interesses de outra ordem. Isso precisa acontecer antes da COP 15.
O Brasil, ao lado da Rússia, da China e da Índia, precisa se posicionar em Copenhague a favor de um mergulho sem volta na sustentabilidade.
Mas, enquanto a classe política brasileira em peso não estiver convencida da importância dessas questões, o quanto é possível haver mudanças de fato? Pois somente os movimentos sociais e a pressão popular não bastam, certo?
Sem dúvida. A política exercida na sua plenitude é a mais nobre das atividades. E o inverso é verdadeiro. A sensibilização dos principais atores do País, a começar do presidente da República, existe. Porém, é preciso estimular essa convicção nas principais lideranças políticas de que esse é um bom caminho, para que ele passe para o campo das prioridades nacionais. Ele só passará do estágio de atenção e alerta para o estágio da prioridade se houver pressão popular, inteligente, setorial.
Mas essa não é uma postura passiva por parte dos políticos? No meio empresarial, é comum ouvir: “Enquanto o consumidor não pedir, a gente não entrega”. Com isso, não deixa de haver uma proatividade por parte dos políticos?
Existem muitos gestores e políticos que já estão atuando e militando independentemente dos resultados. No meu caso, essa militância se dá há 20 anos. A classe política precisa ser estimulada a cumprir com seu dever nessa questão. Mas, quando se faz pressão, é preciso fazê-la de forma dirigida e inteligente, e não de forma emocional. A pressão inteligente é fazer votar no Congresso Nacionalos projetos -e eu já identifiquei pelo menos três importantes- , todos eles propondo a criação da Política Nacional de Mudança Climática.
O fato de haver três projetos somente na área climática não dispersa as forças?
Não, porque são projetos complementares. Temos um projeto de lei original do (deputado Antonio Carlos de) Mendes Thame (PSDB-SP), que abre a discussão e introduz o tema (PL 261/2007); temos a versão do governo, que de certa maneira revela os limites que o próprio governo percebe hoje para avançar; e temos o que eu propus (PL 5415/2009), que é fruto do que a sociedade pede. Todas as ONGs, vários cientistas e professores, militantes, inclusive membros do governo, do MMA, do MCT – gente de todas as origens e posições que contribuiu para fazer o que eu entendo que seja o mais atualizado e moderno conjunto de normas com vistas ao que o Brasil deveria fazer já, em função das mudanças climáticas.
Os três projetos serão consolidados, até porque o processo legislativo levará a que esses itens todos sejam debatidos e transformados em uma única política. O que não podemos é deixar que essa discussão se prolongue para 2010, que, por ser ano eleitoral, tende a capturar as energias do Congresso por conta das agendas das eleições de dois terços do Senado, todos os deputados federais, todos os governadores e o presidente da República. Então, a hora da movimentação é agora. Se não avançarmos neste semestre de 2009 – e este é um desafio que faço para todos aqueles que se interessam pelo assunto -, vamos perder a oportunidade de Copenhague e vamos perder fundamentalmente todo o debate político do ano que vem, pois não teremos tido o tempo para produzir essa mobilização social junto aos deputados.
O que o cidadão, mesmo em casa, pode fazer?
Pode escrever para a Câmara e o Senado, onde tem como identificar todos os emails de todos os senadores e de todos os deputados. Pode escrever para o email do presidente da República, do ministro do Meio Ambiente, do ministro da Ciência e Tecnologia, do ministro do Itamaraty, o Celso Amorim. Ele pode, ainda que de maneira eletrônica, e, portanto, sem gerar emissões de gases – a maneira mais correta, inclusive, é essa -, pedir a eles, semanalmente se for o caso, que adotem uma postura de liderança na mudança climática, que apoiem a aprovação dos três projetos de lei que tramitam na Câmara e amplie a vigilância sobre seus representantes, e especialmente aqueles que tiverem alguma relação com alguma autoridade em qualquer área, e perguntem qual a posição sobre a sustentabilidade.
É importante que esse conceito seja entendido em uma linguagem simples por todos. Isso é mais fácil para quem está fora do Brasil. Os asiáticos e os europeus, por exemplo, entendem o que é a ausência de uma floresta, porque já não a têm mais. Entendem a dificuldade com a poluição, porque vivem em cidades na grande maioria poluídas, especialmente na China. Compreendem muito o que é o verde e a exuberância da biodiversidade, justamente pela escassez dela.
Nós temos esse desafio adicional, porque as pessoas imaginam que uma árvore a mais, uma árvore a menos não faz diferença, e faz. Então, temos de apresentar com muita eficácia os impactos de tudo o que está acontecendo para as pessoas na frente de suas casas, seja do ponto do vista do que se passa com o lixo, com o saneamento, com o consumo de energia, com o excesso de agrotóxicos na comida. Já as crianças estão muito mais atentas a isso do que nós estávamos ao nosso tempo.
Serão eleitores muito mais mobilizados?
Com certeza.
Qual a sua estimativa em relação à aprovação do projeto de lei de sua autoria ainda este ano?
Tenho muita confiança de que, na Câmara, seja aprovado este ano. Advogo uma mobilização popular, peço por ela, preciso da ajuda de todos os que se dispuserem a pressionar o Parlamento. Essa é uma das poucas decisões que o Brasil, ao tomar, toma a favor do planeta. Já informei ao presidente (da Câmara) Michel Temer que apresentei o projeto, já pedi a ele que dê prioridade de tramitação a esse projeto, somos do mesmo partido, o PMDB é o maior partido do Brasil. Não podemos evitar a tramitação em comissões porque, pela regra constitucional, ele não pode ir diretamente a plenário sem que o mérito tenha sido avaliado antes, então há de ser avaliado pela Comissão de Meio Ambiente. Após esse procedimento, aí sim nós podemos acelerar o processo de votação.
Estou focado nisso, é a única coisa que pretendo fazer neste semestre. Se os deputados brasileiros arquivarem ou derrubarem o projeto, ou o transformarem em uma proposta sem significado, isso deve ser objeto de preocupação do País, ao passo que, se for aprovado, será um sinal de maturidade e de compromisso da Câmara com a questão ambiental.
E por que tem de ser neste semestre? Porque vai mostrar na COP 15 que a posição do povo brasileiro não é necessariamente igual à do governo brasileiro. E, portanto, o País deseja, através de seus representantes, que o governo seja mais ousado.
Essa percepção da escassez de recursos naturais, pelo estrangeiro, que o senhor comentou, é a razão pela qual os movimentos e os partidos verdes em outros países têm mais relevância que no Brasil?
Países com economias mais industrialmente desenvolvidas já perceberam os efeitos daquela que é a principal falha de mercado do modelo atual: que gera riqueza, emprego e renda, por um lado, e poluição, destruição e baixa qualidade ambiental, por outro. Alguns desses países têm maior facilidade em perceber a consequência de não tomar decisões imediatas. Por exemplo, os ingleses, que moram numa ilha e percebem claramente o que pode acontecer se houver a elevação do nível do mar, colocando em ameaça a própria integridade de seu espaço físico. Ou países como a Holanda. Mais claramente na costa da Índia, ou Bangladesh, ou Mianmar, ou países insulares como a Indonésia, que percebem que não há estratégia antecipada possível a eventos extremos, nem tecnologia, nem dinheiro para fazer frente a isso.
Então, os partidos verdes têm uma mesma tese, mas impactos diferentes nos países em que estão inseridos. E se fragilizaram pela dificuldade em transformar seu discurso em realidade. Muitos que admiravam os verdes – na Itália, por exemplo – ao longo dos anos perceberam que aquela mudança não era imediata. E como não estamos falando em um evento de curto prazo, e sim em um processo de transformação e ampliação de consciência, também não podemos, seja em que partido for, tentar sinalizar para as pessoas que a solução está ao alcance da mão, chegando em questão de dias ou semanas. Porque esse é um processo quase que geracional.
É provável que a próxima geração estará capacitada e já na gestão plena de um outro modelo de organização social que terá essa responsabilidade, que será incorporada por todos os partidos políticos do mundo. Talvez a diferença entre eles seja a questão do ritmo, se mais ou menos acelerado, se a um custo maior ou menor, mas a agenda introduzida pelos partidos verdes será incorporada por todos os outros partidos, como de certo modo já foi. Talvez essa seja uma das razões pelas quais os partidos verdes tenham avançado menos do que se imaginava.
Esse é um fenômeno que revela maturidade do processo político. Seria assustador se apenas os partidos verdes estivessem defendendo a sustentabilidade. Nos EUA, tanto os democratas como os republicanos têm líderes importantes nessa área. E nos partidos Trabalhista e Conservador britânicos, a mesma coisa.
A militância verde é transversal aos partidos brasileiros também?
Sim, todos eles têm hoje pelo menos um representante, não em nível de programa, mas de militância. Agora, até por uma questão constitucional, eu defendo o Parlamento global. O que é isso? São líderes e políticos escolhidos por seus cidadãos que participam de uma estrutura não física, sem sede, sem remuneração, que debatem pela internet os avanços nas suas legislações locais ou numa legislação global e se apoiam mutuamente, fazendo pressão em seus governos.
Na ONU, são tomadas decisões que representam o interesse de cada nação. Não representam necessariamente o interesse da população de cada nação e, sim, o dos governos eleitos naquele período histórico. Então nós, os parlamentares – esse movimento já está acontecendo, principalmente entre parlamentares suecos, britânicos, americanos, japoneses, italianos, franceses, alguns poucos chilenos -, já temos um grupo que está trabalhando em um anel de pressão política global. Os avanços ou os retrocessos que acontecem em cada um dos países são compartilhados, e essa rede pode se encontrar a qualquer momento e vai se encontrar em Copenhague.
Que tipo de poder esse Parlamento é capaz de ter?
Não é um poder deliberativo, porque a governança global não existe institucionalmente. Mas os parlamentares trabalham juntos, trocam informações, facilitam processos políticos e observam a realidade uns dos outros. É muito mais poderosa a visão que o outro tem de nós do que a nossa visão sobre nós mesmos. Então, nós sabemos a importância que o Brasil tem nesse momento – eu falo com parlamentares de outros países e percebo a angústia que eles relatam porque aguardam fundamentalmente uma posição brasileira, que é chave. E o governo sabe disso.
Justamente porque sabe, o governo trava, segura?
Segura. Porque traz para a mesa de negociação outros temas associados ao interesse nacional, mas não necessariamente à sustentabilidade. Só que esta agenda é a central do planeta, é a principal decisão política que todos terão de tomar nos próximos 30 anos, para que possa haver os próximos 300 anos.
Caso contrário, vai-se colocar em xeque a capacidade de governança, de equilíbrio – não ambiental, mas político do planeta. Se não formos capazes de equacionar os conflitos que virão, teremos de lidar com as consequências da falta de acordo. No estágio mais agudo, a guerra. A questão da água, da comida, da saúde pública, essas disfunções todas levarão a um processo de desgovernança.
O quanto os últimos escândalos no Senado o desanimam a seguir com a carreira pública?
Desanimariam se não significassem a transformação da instituição. A existência dos escândalos revela a mutação pela qual está passando o Senado e a Câmara, aproximando o representado de seu representante. O que desanima é a generalização desse fenômeno, é o eleitor achar que todos são iguais. Como Nelson Rodrigues ensinava, toda unanimidade é burra. Não se pode dizer que todos os jornalistas são incompetentes, que todos os médicos são inábeis, que todos os policiais são bandidos, nem que todos os professores são incapazes. Toda generalização nasce sem legitimidade. Tenho certeza de que vamos ter instituições muito mais representativas após esses escândalos. Seria muito pior se não estivessem acontecendo e a prática fosse mantida. Eu prevejo dias melhores para todas as instituições.