Investidores querem empresas faturando e produtos na porta do consumidor. Indivíduos com perfil empreendedor e ideias sustentáveis precisam do investidor para dar corpo a seus negócios. Consumidores esperam um planeta melhor, mas querem e/ou necessitam de produtos baratos. Governos, quando muito, prometem um novo desenvolvimento, mas assistem à iniciativa privada encarar os desafios. No universo dos pequenos empreendimentos, preço, escala e compreensão plena do tema da sustentabilidade ainda são barreiras na viabilização dos negócios. Mas isto não impede que bravos visionários deem corpo a iniciativas, muitas vezes surgidas nas universidades, que começam a ganhar o mundo, um outro mundo. Os colegas da Faculdade de Medicina Veterinária da USP acharam que Luis Fernando Laranja estava ficando louco. Uma vida acadêmica clássica e estabelecida largada de uma vez para apostar em um novo negócio, situado exatamente no arco do desmatamento da Amazônia. Mas Luis Laranja é dos indivíduos que têm a sustentabilidade no DNA, definição dada pelo coordenador do programa New Ventures Brasil (NVB) e pesquisador do Gvces, André Carvalho. Ele matutou e conseguiu unir uma estratégia de renda complementar para os povos extrativistas da Amazônia – que resulta em preservação da floresta – a um produto que traz benefícios para a saúde.
Junto com a esposa, rumou para Alta Floresta, no norte de Mato Grosso, pesquisando produtos com originalidade e potencial de riqueza, mas subexplorados. Encontrou a castanhado- pará, uma das cadeias do setor primário mais antigas do Brasil, extraída em processo manual na mata fechada pelas comunidades locais. Seguiram-se três anos de pesquisas para obtenção de derivados, com o apoio da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Diante da desconfiança de todos, chegaram a quatro produtos principais: castanha sem casca e embalada, azeite extravirgem do produto, granulado de castanha e um creme de castanha. Começava a ser desenhada a Ouro Verde Amazônia – Saúde Que Vem da Floresta. “As barreiras foram enormes, institucionais, dos órgãos públicos. Devido à inexistência de linhas de financiamento para esse tipo de negócio, abrimos com pequenas linhas de crédito pré-aprovadas”, lembra Luis Laranja.
A mudança importante chegou no ano passado, quando o Grupo Orsa Florestal, atuante no ramo de madeira certificada para indústria de celulose, propôs a compra de 51% do capital social da Ouro Verde, em uma parceria com vistas a explorar outros produtos da região. Alívio financeiro para Laranja e possibilidades mil, desde a diversificação do negócio – ele já está de olho no açaí e no cacau – até a abertura ao mercado internacional.
Davi e Golias
Mas nem sempre foi assim. Dos bastidores na estruturação de uma pequena empresa verde, a experiência com as grandes redes de varejo e bens de consumo é quase traumática para esses pioneiros. “Elas se comportam com toda a força que têm, ou seja, uma relação muito desigual na negociação”, define Laranja. Outro que se queixa desse gargalo é Cláudio Rocha Bastos, da CBPak, fabricante de embalagens biodegradáveis. “Os supermercados percebem a importância da nossa solução, mas não valorizam, porque temos um preço maior que as embalagens tradicionais poluentes”, revela Bastos.
E o preço menor viria com a escala industrial, criando um círculo virtuoso. Não fosse o mercado de agricultura orgânica, as bandejinhas biodegradáveis da CBPak poderiam ser só um sonho. A embalagem feita de restos da mandioca ou cana-de-açúcar – que ao ser descartada na terra vira húmus – encontra seu lugar nas prateleiras de empórios, feiras e pequenos estabelecimentos. Mas Cláudio Bastos não se deu por satisfeito e criou uma associação para educar sobre o biodegradável e a compostagem, além de um selo que diferencia esses produtos ao consumidor. A Associação Brasileira de Polímeros Biodegradáveise Compostáveis (Abicom) pretende também buscar incentivos fiscais para os biodegradáveis.
Em que pesem as dificuldades do mercado, a CBPak atraiu ninguém menos que o BNDES Participações. Depois de granjear incentivos de instituições acadêmicas mais recursos próprios, Bastos tem o banco como sócio da unidade industrial em São Carlos (SP). “A parceria se deve em grande parte à estruturação da nossa tecnologia. É muito comum ver pesquisadores com uma ideia achando que o capital vai resolver tudo, querendo dinheiro imediato”, avalia.
A crise financeira global trouxe algum ensinamento e o apetite dos investidores para empreendimentos sociais hoje é maior? Sim e não. Quem responde primeiro é Paulo Bellotti, da Axial Gestão, fundo que realizou oito investimentos no segmento de pequenas e médias empresas sustentáveis desde 2003. “A sociedade busca isso, a preocupação ambiental e social existe e estas empresas trazem tecnologias inovadoras”, diz. Para Bellotti, os pequenos negócios verdes devem ser tratados de forma diferenciada sob o risco de serem esmagados pelo mercado. “Acho que as redes de varejo devem remunerar melhor essas empresas, para que elas sobrevivam e se mantenham sustentáveis”, avalia.
Claro que só uma boa ideia na cabeça não seduz os fundos de investimento. “O principal é que acreditamos que essas empresas vão gerar retorno financeiro superior às convencionais, e isso define o aporte de capital”, afirma, sem rodeios, Oren Pinsky, do Grupo Stratus. O Stratus aposta em empresas que já faturam, estão no mercado e têm clientes ligados ao manejo sustentável de florestas e a atendimentos a emergências ambientais. A intenção é partir para três novos investimentos até o próximo ano.
Em um balanço dos cinco anos do programa New Ventures Brasil, André Carvalho percebeu que havia uma leitura inicial, por parte da maioria dos investidores de capital empreendedor, de que o tema “negócios sustentáveis” encerrava apenas projetos de reflorestamento, créditos de carbono, reciclagem e, no máximo, biocombustíveis. “De lá para cá, a compreensão sobre o empreendedorismo para a sustentabilidade avançou em ambos os lados, o que era esperado, em especial por conta da emergência da questão climática e dos seus potenciais reflexos no debate sobre desenvolvimento humano”, afirma Carvalho.
O NVB tem 49 empreendimentos em seu portfólio nas mais variadas tecnologias e invencionices. Nesses cinco anos, mais de R$ 20 milhões foram investidos em sete empresas vinculadas ao programa. O caminho mais desafiador, propõe Carvalho, seria uma combinação de produtos e serviços verdes, com modelos de negócios mais inclusivos, ainda que inclusão social possa representar mais riscos para os investidores.
Alternativas
Quem vive o dilemma da inserção no mercado, mas não desiste, é Nilson Borlina, sócio-fundador da Linax. Pesquisador de plantas aromáticas há 20 anos, o agrônomo conseguiu um financiamento de R$ 300 mil para pesquisa de matéria-prima o linalol, óleo essencial usado em perfumaria, indústria farmacêutica e cosmética. A principal fonte do linalol ainda é o pau-rosa, espécie nativa em extinção. Sabendo disso, Borlina iniciou os estudos sobre o manjericão, planta de fácil manejo e boa qualidade que pudesse substituir o pau-rosa. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), montou uma unidade de cultivo e destilaria em Votuporanga, no oeste do estado paulista, onde o clima favorece o plantio do manjericão.
Entre 2005 e 2006, o linalol obtido da planta foi testado e aprovado por empresas e clientes. Como insiste em acontecer, o preço neste caso foi definitivo. O quilo do linalol de pau-rosa sai a US$ 80, enquanto Borlina não conseguia baixar os US$ 160 pelo linalol de manjericão. “Mesmo em se tratando de uma extração ilegal, que é o caso do pau-rosa, os compradores insistiam em pagar abaixo do meu preço; dessa maneira decidi não vender mais”, relata. A saída para a sobrevivência da Linax foi aproveitar o know-how desenvolvido no maquinário para obtenção do linalol do manjericão. “Criei e adaptei destiladores especiais para o meu processo e passei a vendê-los para fabricantes de essências. Com essa alternativa, estamos mantendo o nariz fora d’água”, diz o empresário.
Borlina mantém um cultivo mínimo de manjericão, porque acredita que é apenas uma questão de tempo para ser procurado novamente pelos seus clientes. “Quando uma Channel impuser que só compra a matéria-prima sustentável, todo mundo vai querer e precisar”, afirma. Ou seja, a despeito do forte caráter de inovação, vínculo com a pesquisa universitária e aprovação do mercado, a Linax hoje sobrevive mais por insistência do empreendedor.
Você (ainda) não vale nada, mas eu gosto de você
Sérgio Goldemberg não é acadêmico, sua empresa ainda não tem a matéria-prima, a fase de pesquisa e desenvolvimento demandará mais de um ano e o faturamento vai demorar a chegar. “Os investidores me diziam: ‘Você é tudo o que a gente não quer, mas apostamos mesmo assim’, porque em microalgas ninguém fatura de imediato”, conta Goldemberg, fundador e sócio da Algae Biotecnologia. A ideia de produzir biocombustíveis à base de microalgas surgiu em 2007. Depois de circular por fundos de investimento durante todo o ano passado, o grupo EcoGeo, 30 anos de engenharia e remediação ambiental, propôs formalizar uma parceria com Sérgio, mesmo levando em conta os fatores acima, e o ceticismo geral do mercado em crise.
Com o apoio de peso, Goldemberg ficou tranquilo para tocar as engenhosas pesquisas de seleção das espécies de microalgas adequadas para a produção de biocombustível e para sequestro de carbono. A formalização da compra de 65% do capital da Algae pelo Grupo EcoGeo deu-se este ano. Mas Goldemberg está de olho no segmento há anos, desde que os Estados Unidos iniciaram um programa de pesquisa das microalgas. Isso foi na década de 1980 e um relatório final mostrou que o negócio era inviável economicamente. Ainda assim, iniciativas privadas voltaram a insistir no tema naquele país. Por aqui, Sérgio (filho do físico José Goldemberg) vai insistir também e, com o aporte do investidor, terá mais fôlego (mais sobre a energia das algas em Análise à pág.31).