Ainda que nenhuma decisão efetiva saia da conferência da ONU, uma série de iniciativas voluntárias promete minimizar o drama climático
Imagine que Copenhague seja um fracasso total. Sem metas de redução de emissões, com países desenvolvidos e em desenvolvimento em franco desentendimento e nenhum dinheiro para a adaptação às mudanças climáticas. Ninguém tem bola de cristal, mas, se isso ocorrer, não é difícil supor que muita gente acordará preocupada no dia 19 de dezembro de 2009, quando estará terminada a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O mundo certamente vai parecer mais sombrio. Afinal, organizações não governamentais, autoridades e até o setor privado têm apontado a reunião na Dinamarca como a nossa última chance. Mas será mesmo que dependemos unicamente de Copenhague?
Em parte, sim, pois é das conversas entre diplomatas na ONU que saem as diretrizes que mais tarde se tornarão leis em cada país. No entanto, há sinais significativos de que governos, empresas e instituições estão enfrentando o desafio do aquecimento global fora do esforço, digamos, oficial. Seja sob a nova administração de Barack Obama nos Estados Unidos, seja em políticas de vanguarda no Reino Unido, há promessas e planos bastante ambiciosos para transformar a atual economia baseada no consumo de energia fóssil.
“Ações importantes nos estados já estão ocorrendo há algum tempo, e agora esperamos um impacto nacional com a Lei do Clima, que está sendo apreciada no Senado”, analisa Elliot Diringer, do Pew Center on Global Climate Change [O site do Pew Center (www.pewclimate.org) mostra em mapas detalhados tudo o que já foi feito até agora nos EUA], uma das mais respeitadas instituições sobre mudanças climáticas nos Estados Unidos.
Por exemplo, 25 dos 50 estados já adotaram metas de redução de carbono. E desde a entrada de Barack Obama na Presidência, novas regulações foram criadas na Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês). As mais importantes estabelecem novos padrões para emissões de automóveis e também o controle na indústria e nas usinas de energia, que representam quase 70% das emissões do país – caso o Senado rejeite o projeto da lei de clima e energia. Mas, para Diringer, será mesmo a Lei do Clima que fará a diferença. Se aprovada, a legislação vai obrigar os Estados Unidos a reduzir em 17% suas emissões de gases de efeito estufa sobre os níveis de 2005. A meta poderia até mesmo ajudar a destravar as conversas em Copenhague. Entretanto, o analista do Pew Center acha que isso não vai acontecer. “Nós não acreditamos que o Senado vai votar antes de dezembro.”
Se, por um lado, os Estados Unidos ainda patinam em sua lei federal, ações de grande escala já estão em andamento na Europa, em particular no Reino Unido. O país foi o primeiro a aprovar uma legislação com metas de redução obrigatória para 2050. Além disso, atrelou o orçamento nacional ao objetivo de cortar em 80% a poluição. “Essa é uma grande vitória no debate do clima. E, acredite, as leis são cumpridas neste país”, pontua Monica Araya, da E3G, um importante think tank em Londres.
A própria organização está envolvida em vários projetos que podem aumentar o potencial de redução da União Europeia. Dentro do bloco, já se tornou obrigatória a redução em 20% das emissões até 2020 (em comparação a 1990). Mas Monica afirma que é possível, mesmo sem um acordo em Copenhague, elevar essa meta para 30%. “Eu e meus colegas estamos trabalhando para mostrar que, com a crise econômica, a Europa pode atingir isso com baixos custos.” Segundo ela, diversas empresas adotaram medidas de eficiência energética para enfrentar a atual recessão.
A mudança nas empresas talvez seja uma razão para que o mundo possa dormir um pouco mais tranquilo mesmo que Copenhague vá por água abaixo. O mais recente levantamento da PricewaterhouseCooppers feito com CEOs de grandes empresas revelou que a mudança climática está entre as mais altas prioridades. Sinal disso é o grupo Empresas pelo Clima, recém-lançado no Brasil (mais em Artigo à pág. 42). Trata-se de uma iniciativa que reúne 21 companhias de peso, entre as quais Itaú, Natura e Vale. Algumas delas já apresentaram inventários de emissões, o que pode ser considerado um primeiro passo para um plano de mitigação.
As empresas também estão juntas em um fórum, coordenado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade, da FGV-Eaesp (GVces), com especialistas em áreas como energia, florestas e transportes, em que os debates vão abordar políticas públicas condizentes com uma economia de baixo carbono. “Queremos colaborar com a posição do governo brasileiro na Conferência do Clima, mas tenho certeza de que, independentemente do que ocorra em Copenhague, essas empresas vão apresentar medidas, e até metas, para reduzir suas emissões”, argumenta o coordenador do projeto Empresas pelo Clima, Luiz Pires, do Gvces.
Ações de organizações não governamentais em parceria com setores importantes da economia brasileira também soam como um alento de que o futuro pode ser mais brilhante. Já há dois anos o Greenpeace consegue manter um pacto com os produtores de soja na Amazônia, onde estes se comprometem a não produzir em terras recém-desmatadas.
A iniciativa do Greenpeace com o setor da soja inspirou uma rodada de negociações com um segmento-chave para a redução do desmatamento: a pecuária. (mais na reportagem “No rastro das commodities”, à edição 34). Responsável por 80% das derrubadas na floresta, a expansão dos rebanhos bovinos também vai ficar condicionada a uma série de mecanismos de controle, o que a longo prazo pode representar o fator decisivo para que o Brasil atinja sua meta voluntária de redução de emissões por desmatamento.
Mesmo com estes sinais esperançosos, há opiniões mais céticas. Marco Fujihara, um experiente consultor do mercado de carbono e que hoje dirige o Instituto Totum, em São Paulo, acha que em grande parte a mudança no setor privado ocorre porque um tratado político ambicioso foi prometido na Dinamarca. Se ele não se materializar, pode esfriar esses ânimos. Por exemplo, quem investe no chamado mercado voluntário de carbono está de olho nos futuros negócios que podem ser gerados por metas obrigatórias. “E o entusiasmo do mercado deu uma murchada recentemente, vamos ver”, pondera Fujihara.