A mudança climática ainda não contaminou a geopolítica global – vide o desfecho da reunião de Copenhague –, mas em alguns países a política está totalmente dominada pelo debate sobre as emissões de gases de efeito estufa. A Austrália é um dos casos mais significativos.
Em 2 de dezembro, às vésperas da COP15, o Senado australiano rejeitou pela segunda vez o projeto do governo que cria um esquema de cap-and-trade de emissões (Carbon Pollution Reduction Scheme, ou CPRS). Como a Câmara havia aprovado o projeto, a dupla rejeição pelos senadores dá ao primeiro-ministro Kevin Rudd, do Partido Trabalhista, a possibilidade de dissolver as duas casas e convocar eleições antecipadas. Se isso ocorrer, no coração da disputa estarão as mudanças climáticas e as ações para combatê-la no continente mais seco e um dos mais altos emissores per capita do mundo.
A oposição ao governo, a coalizão entre os partidos Liberal e Nacional, vem com chumbo grosso. Ao derrotar o projeto no Senado em dezembro, os Liberais foram contra a orientação do então líder, o ex-ministro do Meio Ambiente Malcom Turnbull – que, apesar de criticar o projeto do governo, apoiava a criação de um esquema de cap-and-trade. Turnbull acabou substituído por Tony Abbott, um dos mais conservadores políticos australianos e cético declarado em relação ao aquecimento global. Abbott assumiu a liderança argumentando que o CPRS não passa de um “grande imposto” sobre a economia australiana.
Para piorar, o desfecho de Copenhague deixou Rudd entre a cruz e a caldeirinha. O chamado Acordo de Copenhague, sem metas ou prazos obrigatórios, apenas compila os objetivos voluntários apresentados pelos países – no caso da Austrália, redução das emissões de 5% a 25% sobre os níveis de 2000 até 2020.
O país se comprometeu a reduzir 5% incondicionalmente, e a aumentar para 25%, dependendo do resultado das negociações globais. Ao longo de 2009, Rudd tentou convencer os senadores a aprovar o projeto do CPRS antes da COP15, alegando “impertativo moral” por parte da Austrália e o incentivo às demais nações. Agora, com o resultado frágil de Copenhague e a eleição de Abbott como líder dos Liberais, o governo terá ainda mais dificuldade de aprovar o projeto.
Uma das saídas seria negociar com o Partido Verde, que até agora manteve-se aliado à oposição para bloquear o projeto, não por ser contra o esquema proposto pelo governo, mas por defender meta mais ambiciosa: 40% de redução de emissões até 2020. Se quiser o apoio dos verdes, Rudd provavelmente terá de elevar suas metas. Mas aí o sapato aperta do outro lado: a resistência de setores poluidores é tão grande que o governo teve de rever o projeto duas vezes para ampliar compensações a indústrias como as de carvão e de alumínio.
Outra alternativa é reapresentar o projeto – como o governo anunciou que fará em 2 de fevereiro de 2010 –, torcer para que seja rejeitado novamente e então dissolver o Parlamento e convocar eleições. Nesse caso, a aposta de Rudd seria a de que o eleitorado continua defendendo uma Austrália progressista na questão climática, assim como em 2007 quando derrotou o governo do Liberal John Howard.
Se as pesquisas de opinião servem de referência, uma realizada em novembro mostrou que a porcentagem de australianos que acreditam que “se não agirmos agora será muito tarde” caiu de 67% em 2006 para 52%. Os que acham que as preocupações com a mudança do clima são exageradas aumentou de 13% para 30%. O apoio ao projeto do CPRS diminuiu de 55% em agosto de 2009 para 50% em novembro.
Por fim, o governo pode não usar o gatilho de eleições antecipadas e esperar que o discurso inflamado de Abbott perca o brilho com o eleitorado. O que será da mudança climática politicamente na Austrália, a esta altura, é uma incógnita. O que já se vê claramente são os indícios da estação de incêndios, que neste ano que finda matou centenas de pessoas.
Leia também reportagem sobre a pegada climática australiana e entrevista que comenta a eleição de Rudd em 2007.