Em mais uma tentativa para conter o enorme desmatamento causado pela construção de hidrelétricas, o presidente Lula revelou na semana passada seus planos para a construção daquilo que chamou de “hidrelétrica-plataforma”. Inspirada nas plataforma de petróleo localizadas em alto-mar, a ideia é que após a construção das usinas toda a área desmatada seja reflorestada, fazendo dos reservatórios uma espécie de ilha ao avesso – uma porção de água cercada de floresta por todos os lados.
Assim estaria impossibilitada a formação de novos polos habitacionais em regiões de floresta, evitando todos os passivos ambientais que trazem consigo. Num primeiro momento parece uma boa solução, mas não é assim que pensa a ambientalista Lúcia Schild Ortiz, coordenadora do Núcleo Amigos da Terra – Brasil, uma das organizações mais ativas no debate sobre energia, especialmente na Amazônia. Para ela, essa alternativa não livra os enormes impactos causados pela implementação de obras desse porte.
“Há impactos que são característicos dessas grandes obras, que são inerentes à forma de apropriação do uso da água que é feita. E são impactos irreversíveis. Mesmo que parte dos conflitos sócio ambientais envolvidos sejam resolvidos com essa medida, há muitos outros sem solução aparente. Posso citar o exemplo das usinas do Rio Madeira, em que a destruição da fauna – em si já um grave problema – deixou sem emprego todos aqueles trabalhadores envolvidos com a pesca. Sem falar nas populações que vivem na beira dos rios e que acabam tendo que se deslocar de seu local de origem”, afirma ela.
Para a ambientalista, a solução ideal para os problemas que sempre reaparecem quando da construção de uma usina hidrelétrica passa pela revisão do conceito que se tem sobre o uso da energia elérica. Ela deve ser gerada para o que e para quem? Se fossem reduzidas as perdas do sistema, aproximando as distâncias entre o local de produção da energia e o local de consumo, se fossem repotencializadas as usinas já existentes, tudo isso reduziria a demanda por novas obras. “Mas essa é uma demanda diametralmente oposta à essa política de grandes obras centralizadas”, diz Lúcia.
Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), concorda que a questão das hidrelétricas deve ser abordada de maneira holística, e não isolando seus impactos. Como o plano prevê que a área desmatada para a construção da hidrelétrica – e consequentemente ocupada pelos trabalhadores das obras – seja reflorestada, ele faz uma ressalva: “Se de fato isso vier a ocorrer, é melhor do que o atual estado de coisas, com certeza. Mas se cria uma nova situação muito difícil, politicamente falando. Ao longo da construção da usina muitas pessoas irão para lá. Como removê-las depois? Não será fácil, elas passam a representar uma força política local”.
Para ele, ao se tomar decisões sobre hidrelétricas, há muitos outros pontos a avaliar. “Há problemas evidentes que se repetem desde a elaboração dos estudos de viabilidade das obras. Ao fazer um anúncio desses, parece que o governo está resolvendo os problemas em geral, quando na verdade se trata apenas de uma pequena parcela deles”, afirma.
O anúncio da nova alternativa foi feito pelo presidene durante a inauguração da conversão da usina termoelétrica em Juiz de Fora para operar com etanol. Lula usou a proposta da “hidrelétrica-plataforma” para apresentar as iniciativas de seu governo para combater o aquecimento global. Ele disse que o país explora apenas 30% do seu potencial hidrelétrico, e que esse seria o caminho para a geração de nergia limpa.