Malogro de Copenhague freia negócios com carbono, sinaliza poder crescente dos emergentes e torna difícil um acordo com obrigações e penalidades
Por José Alberto Gonçalves Pereira*
Quando a caótica conferência do clima de Copenhague (COP 15) teve início em 7 de dezembro, a expectativa era a de que produzisse ao menos uma declaração política que estipulasse o cronograma para a conclusão de um acordo climático legalmente vinculante (com obrigações e penalidades para quem não o cumprisse). Foi, porém, impossível arrancar metas mais ambiciosas dos Estados Unidos para 2020. Para entornar de vez o caldo, China e Índia não carimbaram o objetivo de cortar em 50% as emissões globais de gases-estufa até 2050 nem o de reduzir em 80% as emissões dos países ricos, para espanto da União Europeia. Assim, o acordo costurado por 26 países e selado em reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e os líderes do Basic* passou ao largo de dois dos pontos mais nevrálgicos das negociações climáticas, as metas de médio e longo prazo.
*Grupo formado por Brasil, África do Sul, Índia e China para atuação conjunta nas negociações da Convenção do Clima
Como não houve consenso sobre o Acordo de Copenhague, ele não foi adotado como decisão da COP 15. O acordo funcionará, portanto, como um acerto político entre os países que a ele aderirem, sem obrigações legais nem penalidades a quem descumpri-lo. Para mantê-lo como espécie de guia das negociações para um acordo global legalmente vinculante, a COP 15 “tomou nota” de sua existência e o publicou como um anexo da documentação oficial da reunião. Há dois apêndices no acordo para serem preenchidos com as metas voluntárias de redução nas emissões de carbono até 2020 dos países do Anexo 1 da Convenção do Clima (países ricos e economias em transição do Leste Europeu) e das nações em desenvolvimento.
Ante o desastre político da COP 15, a conclusão este ano de um acordo climático global legalmente vinculante tornou-se incerta. Dependerá de muitas variáveis, tais como o grau de adesão dos países ao Acordo de Copenhague, a aprovação da lei de clima nos EUA e a disposição dos grandes países emergentes em implementar seus planos de redução nas emissões projetadas até 2020. Embora considerado aguado mesmo por diplomatas brasileiros que participaram de sua redação, o Acordo de Copenhague tornará público pela primeira vez, em um documento internacional, o nível de ambição dos países desenvolvidos e em desenvolvimento para cortar suas emissões entre 2013 e 2020. Na falta de um acordo legalmente vinculante, com metas compulsórias e penalidades, o Acordo de Copenhague sinalizará aos investidores o tamanho da disposição dos países em implementar planos de baixo carbono nos próximos dez anos.
A depender da amplitude e representatividade da adesão dos países ao acordo, ele poderá reanimar um pouco o mercado de carbono, no qual as cotações caíram imediatamente após o resultado da COP 15. Para bancos e empresas especializadas no comércio de carbono, o resultado final da COP 15 foi mais uma ducha de água fria nos negócios do setor, já abalados pela crise financeira que eclodiu no segundo semestre de 2008. Devido à recessão, a atividade econômica diminuiu significativamente, reduzindo as emissões de gases-estufa. Com isso, também declinou a demanda das empresas por créditos de carbono para cobrir as emissões que excedem suas cotas. O preço do gás na Bolsa Europeia de Clima despencou de mais de 25 euros para 13 euros por tonelada, entre setembro de 2008 e o início de 2010. O jornal britânico The Guardian publicou reportagem mostrando que bancos já deixam de efetuar operações no mercado de carbono para além de 2012, quando expira o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto, por causa das incertezas em torno das regras futuras para limitar as emissões.
Orquestras alternativas
O malogro de Copenhague também reacendeu a proposta de substituir a Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP), que se situa no âmbito da ONU, por um fórum reduzido dos 20 maiores emissores de carbono para negociar um acordo climático legalmente vinculante. Por demandar consenso dos 194 países signatários da Convenção em suas decisões, a COP é vista por muitos formadores de opinião no tema das mudanças climáticas como empecilho à adoção de medidas mais ambiciosas. O consenso acaba se dando pela ambição mínima, segundo especialistas como o professor Eduardo Viola, da Universidade de Brasília. Discorda dessa visão o pesquisador Marcelo Rocha, da Esalq/USP: “O sistema ONU tende a ser mais inclusivo. Por outro lado, transferir a negociação para um fórum como o G-20 tomaria ainda mais tempo para chegar a um acordo”.
Solução menos extrema é defendida pelos governos do Reino Unido e dos Estados Unidos. Propõem a reforma dos procedimentos decisórios da ONU, a fim de impedir que um pequeno grupo de países inviabilize acordos apoiados pela maioria. Elliot Diringer, vice-presidente de estratégias internacionais do Pew Center, dos Estados Unidos, sugere uma saída conjugada, com um grupo representativo de países, abrangendo grandes emissores e países mais pobres e vulneráveis, negociando o quanto antes os fundamentos de um acordo vinculante que toma como base o Acordo de Copenhague, paralelamente às reuniões oficiais da Convenção. Para ele, as conversas paralelas impulsionariam o processo de negociação na Convenção com maior velocidade e objetividade. “Não podemos perder tempo. A próxima reunião oficial da Convenção ocorrerá apenas em junho”, assinala Diringer. Ele não acha produtivo investir tempo este ano na discussão da reforma dos procedimentos da ONU.
A peça-chave dos EUA
Outro obstáculo a ser enfrentado este ano pelos negociadores será a dificuldade de o presidente dos EUA, Barack Obama, obter do Congresso a aprovação da legislação de clima e energia, que institui um sistema de redução nas emissões no país. Sem a participação do maior emissor histórico e segundo maior emissor atual, depois da China, é improvável que o acordo climático global seja concluído este ano. Apesar de Obama ter anunciado na COP 15 o objetivo de diminuir em 17% as emissões dos EUA até 2020 em relação a 2005 (equivalente ao corte de 4% sobre 1990), a aplicação da medida depende da aprovação da legislação climática, que passou pelo crivo da Câmara dos Representantes e hoje tramita no Senado.
Se a perspectiva de aprovar o projeto já era nebulosa em decorrência da oposição ferrenha à lei por parte dos lobbies agrícola e ligados ao carvão, a situação agravou-se ainda mais com a derrota dos democratas nas eleições realizadas em janeiro para eleger um senador em um de seus históricos redutos, o estado de Massachusetts. O revés é explicado pela insatisfação crescente dos norte-americanos com a elevada taxa de desemprego, provocada pela crise financeira, e a reforma do sistema de saúde, menina dos olhos de Obama, mas vista como estatizante por parcela significativa da população.
Como haverá eleição para renovar um terço das cadeiras do Congresso em novembro, a tendência até lá é que o presidente Obama concentre sua agenda na economia, com adoção de medidas populares, a fim de reverter o declínio na sua taxa de aprovação. Reformas estruturais na saúde, na área de energia e clima e na educação, que dominaram a pauta em seu primeiro ano de mandato, devem ficar de lado, por enquanto.
O pior dos mundos para Obama seria perder a maioria no Congresso, o que complicaria seriamente a aprovação dessas reformas estruturais. Caso a legislação climática não seja aprovada até novembro, é pouco provável que a COP 16, a ser realizada na Cidade do México de 29 de novembro a 10 de dezembro, adote o tão aguardado acordo climático legalmente vinculante.
Imposto do carbono
Sem esse acordo, com metas globais para 2020 e 2050, devem ganhar força propostas para a criação de um imposto sobre produtos oriundos de países que não implementam programas de redução nas emissões ou o fazem em proporção inferior aos dos países importadores. A China, por exemplo, já expressou sua insatisfação com um artigo do projeto da lei de clima dos EUA que prevê a aplicação desse tipo de taxa. Na Europa, onde a redução nas emissões obriga as empresas a arcar com custos adicionais, referentes a investimentos em tecnologias limpas e compra de créditos de carbono, há um coro crescente a favor do imposto do carbono.
Seria uma maneira de atenuar o diferencial competitivo com países favorecidos no comércio internacional por não mostrar ambição similar à europeia no combate ao aquecimento global. Há quem veja ganhos potenciais para a economia verde nessa discussão, como o pesquisador Ronaldo Seroa da Motta, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Por temer essas barreiras comerciais, empresas tendem a aumentar seus investimentos em tecnologias de baixo carbono.”
Para João Talocchi, coordenador da campanha de clima do Greenpeace, está nas mãos do grupo Basic reinjetar oxigênio nas negociações do acordo climático. “Pelo que vimos em Copenhague, há uma nova geopolítica nas negociações da Convenção do Clima. Com o poder que detém, o Basic pode mudar o jogo, puxando as demandas dos países mais vulneráveis para forçar os desenvolvidos a serem mais ambiciosos em suas metas de emissões e apoio financeiro”, diz Talocchi.
Na reunião promovida pelo grupo em Nova Délhi, na Índia, em 25 de janeiro, o Basic anunciou que criará um fundo para ajudar países mais vulneráveis, como as pequenas ilhas, a se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas. Ao oferecer assistência financeira, o grupo tentará constranger os países ricos a serem mais proativos no financiamento. O Basic também aproveitou o encontro para cobrar pressa na liberação dos US$ 10 bilhões prometidos pelos países ricos para ajudar as nações pobres e vulneráveis como parte de um pacote de US$ 30 bilhões entre 2010 e 2012. Tenta, assim, demonstrar que passa a ser um ator essencial para o sucesso de uma política internacional de combate ao aquecimento global. Afinal de contas, o grupo responde por aproximadamente 30% das emissões globais de gases-estufa e reúne quatro países que funcionam como locomotivas da economia mundial.
*Jornalista e consultor especializado em sustentabilidade
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Leia aqui artigo do autor que analisa o Acordo de Copenhague