Aproveitando o gancho da Regina, aqui vai um gostinho da guerra que anda rolando nesses lados do mundo, envolvendo os habitantes mais majestosos dos oceanos, as baleias. Essa semana, o Sea Shepherd, ou Guardiões do Mar, ONG radical contra a caça às baleias, declarou encerrada a temporada no Oceano Antártico. Ao desembarcar na Tasmânia, o chefe dos guardiões, Paul Watson, estimou que suas embarcações reduziram em mais da metade a matança nos três meses em que estiveram em alto mar, causando prejuízos de “dezenas de milhares” de dólares aos baleeiros.
Ainda assim, navios japoneses todos os anos voltam para casa carregados com a carne de cerca de mil baleias – a despeito de uma moratória na caça comercial imposta em 1986 e do fato de que 50 milhões de km2 do Oceano Antártico foram designados santuário e, teoricamente, estão sob proteção.
Na prática, são “águas de ninguém”. Doze países, entre eles Austrália, Nova Zelândia e Japão, podem usá-lo para fins pacíficos e científicos. O Japão há décadas se opõe a qualquer regulamentação, desafia as decisões da Comissão Baleeira Internacional (CIB) e usa um dispositivo sobre a pesquisa científica para justificar a continuidade da caça. De outro lado, Austrália e Nova Zelândia baniram a caça há décadas e são firmemente contra as atividades baleeiras. Mas por questões diplomáticas, políticas e comerciais, não enfrentam os japoneses diretamente.
Dias antes do Sea Shepherd encerrar seus esforços, o primeiro-ministro australiano Kevin Rudd declarou que, se o Japão não cessar as atividades, a Austrália levará o caso à Corte Internacional de Justiça – ameaça que fez também durante a campanha eleitoral de 2006. Além do Japão, Noruega e Islândia também mantêm atividades baleeiras. Os três países pressionam a CIB para rever a moratória, argumentando que seria possível controlar e diminuir a caça se a prática comercial fosse autorizada. A próxima reunião da CIB está prevista para junho, no Marrocos.
O Sea Shepherd tem base e apoio popular na Austrália, onde a maioria dos habitantes se diz contra a caça de baleias, mas a Polícia Federal inspecionou os navios do grupo, a pedido do Japão, quando atracaram na Tasmânia. Isso porque os guardiões não usam táticas exatamente ortodoxas. Quando conseguem encontrar os baleeiros na imensidão antártica, usam desde bombas feitas com manteiga apodrecida, armas sonoras e canhões de água, até o abalroamento dos navios. Na temporada 2009-10, os guardiões perderam um de seus barcos, o Ady Gil, que dizem ter sido atacado por um baleeiro. Para apresentar um pedido de prisão – em vários países, qualquer cidadão pode fazê-lo ao presenciar a quebra da lei – e a conta de milhões de dólares pelo barco naufragado, um ativista subiu às escondidas no navio japonês. Acabou preso e está a caminho do Japão para julgamento.
Para os guardiões, qualquer método é válido para preservar a vida marinha – da qual as baleias são o representante mais carismático –, um recurso cuja totalidade ainda é desconhecida, mas que nos fornece alimento, medicamentos, matérias-primas, recreação, turismo e é vital para ciclos que determinam o clima da Terra. Oitenta por cento dos estoques pesqueiros acompanhados pela FAO foram totalmente explorados, super-explorados ou exauridos. Na década de 70, a quase extinção de várias populações de baleias tornou-se emblemática da necessidade de controlar a colheita de recursos marinhos, mas até hoje elas seguem ameaçadas.
Para outros grupos, não se deve combater um mal com outro mal. O Greenpeace, por exemplo, adota uma postura anti-violência e discorda do Sea Shepherd, recusando-se a juntar esforços para localizar a frota baleeira no Oceano Antártico. Em vez de bombas e confronto, o Greenpeace bloqueia os arpões ao colocar pequenas embarcações entre eles e as baleias.
Uma pesquisa muito informal que fiz com frequentadores de um café em Perth indicou que há de tudo, desde apoio entusiasmado ao Sea Shepherd, passando pela rejeição de seus métodos até a total indiferença ao tema. Interessante que as pessoas mais dispostas a defender as táticas dos guardiões foram as que eu consideraria mais “conservadoras” do ponto de vista ambiental – que se opõem, por exemplo, à proposta do governo australiano de instituir um esquema de cap-and-trade para as emissões de carbono.
Pessoalmente, concordo com os argumentos do Greenpeace de que moralmente não há defesa para o uso da violência. Por outro lado, pesam a morosidade – décadas de inação diante da insistência japonesa em manter seu programa “científico” que mata milhares de baleias – e a degradação acelerada dos recursos e condições dos mares e oceanos. No meio da controvérsia, há a surpresa e a maravilha de ter visto, há alguns meses na praia na Ilha de Rottnest, a silhueta de um desses gigantescos mamíferos em sua longa jornada ao longo da costa oeste da Austrália.